MICHEL FOUCAULT


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O FILÓSOFO MASCARADO

MICHEL FOUCAULT (Entrevista – 06/04/1980)
Le Philosophe masqué (entrevista de C. Delacampagne), em ‘Le Monde" n. 10945, de 06 de abril de 1980: "Le Monde-Dimanche", pp. I e XVII. Em janeiro de 1980, Christian Delacampagne decidiu pedir a Foucault uma longa entrevista para o suplemento dominical de "Le Monde", dedicado principalmente aos debates culturais. Foucault aceitou imediatamente, mas apresentou uma condição de princípio: a entrevista deveria ficar anônima, o seu nome não deveria aparecer e importava eliminar todos os indícios que teriam permitido identificar a sua pessoa.
Foucault justificou esta posição da seguinte maneira: a cena intelectual tornou-se presa da mídia, as "estrelas" prevalecem sobre as idéias, e o pensamento como tal acaba não sendo reconhecido; conseqüência disso é que aquilo que se diz conta menos do que a personalidade de quem fala. E também este tipo de crítica com relação à "midiatização" corre o risco de ser menosprezada, caso for pronunciada por alguém que, sem querê-lo, já ocupa um lugar no sistema da mídia, como era o caso de Foucault. A fim de romper com semelhantes efeitos perversos e para tentar que fosse dita uma palavra que não pudesse ser aniquilada pelo fama do autor, convinha decidir-se a entrar no anonimato. A idéia agradou a Delacampgne. Acordaram que a entrevista fosse feita a um "filósofo mascarado", isento de uma precisa identidade. Faltava convencer "Le Monde", que queria uma entrevista com Foucault, a aceitar um texto de "ninguém". Foi difícil, mas Foucault mostrou-se inflexível.
O segredo foi conservado até a morte de Foucault. Parece que bem poucos conseguiram descobri-lo. Em seguida, "Le Monde" e a editora La Découverte concordaram em juntar em volume esta entrevista com outros textos do mesmo autor. Conforme acontece nestes casos, "Le Monde" decidiu unilateralmente revelar o verdadeiro nome do "filósofo mascarado". O texto da entrevista cabe integralmente a Foucault, que elaborou inclusive as perguntas, junto com Delacampagne, e reescreveu com muito cuidado cada resposta.

Permita-me, em primeiro lugar, perguntar-lhe porque escolhe o anonimato.

Imagino que você conheça a história daqueles psicólogos que apresentaram breve filme numa localidade no coração da África profunda. Pedem aos espectadores que narrem a história da forma como a entenderam. Pois bem, de um drama com três personagens, só uma coisa os havia interessado: a passagem das sombras e das luzes através das árvores.
Entre nós, os personagens ditam lei à percepção. Os olhos voltam-se preferivelmente para as figuras que vão e vêm, aparecem e desaparecem.

Por que lhe sugeri de usar o anonimato?
Por saudades do tempo em que eu era absolutamente desconhecido e, portanto, aquilo que dizia tinha alguma possibilidade de ser entendido. O contato imediato com o eventual leitor não sofria interferências. Os efeitos do livro refletiam-se em lugares imprevistos e desenhavam formas a que nunca havia pensado. O nome constitui uma facilitação.
Gostaria de propor um jogo: o do "ano sem nome". Por um ano publicar-se-iam apenas livros sem o nome do autor. Os críticos deveriam haver-se com uma produção completamente anônima. Mas penso que, talvez, não teriam nada a dizer: todos os autores esperariam o ano sucessivo para publicarem os seus livros...

Você acredita que, hoje, os intelectuais falam demais? Que nos atrapalham com os seus discursos diante de qualquer mínimo pretexto e, muitas vezes, até mesmo sem pretexto algum?

A morte dos intelectuais parece-me um estranho conceito. Intelectuais, nunca os encontrei. Encontrei pessoas que escrevem romances e pessoas que curam os doentes. Pessoas que estudam economia e pessoas que compõem música eletrônica. Encontrei pessoas que ensinam, pessoas que pintam e pessoas de quem não entendi se faziam alguma coisa. Mas nunca encontrei intelectuais.
Pelo contrário, encontrei muitas pessoas que falam do intelectual. E, por escutá-los tanto, construí para mim uma idéia de que tipo de animal se trata. Não é difícil, é o culpado. Culpado um pouco de tudo: de falar, de silenciar, de não fazer nada, de meter-se em tudo... Em suma, o intelectual é a matéria-prima a julgar, a condenar, a excluir...

Não penso que os intelectuais falem demais, porque para mim não existem. Mas penso que o discurso sobre os intelectuais esteja passando do limite e seja pouco encorajante.

Tenho uma feia mania. Quando as pessoas falam tanto por falar, quando fazem discursos que ficam no ar, procuro imaginar onde levariam as suas palavras se fossem transcritas na realidade. Quando "criticam" alguém, quando "denunciam" as suas idéias, quando "condenam" o que escreve, imagino-os numa situação ideal em que têm pleno poder sobre ele. Reproduzo as suas palavras no primeiro significado: "demolir", "abater", "reduzir ao silêncio", "sepultar". E vejo abrir-se a radiante cidade em que o intelectual certamente seria prisioneiro e enforcado, com maior razão se fosse um teórico. É verdade, não vivemos em uma região em que os intelectuais são mandados ao diabo; mas, na realidade, diga-me, por acaso ouviu falar de um certo Toni Negri? Por acaso não está na prisão exatamente enquanto intelectual?

Mas, então, o que o levou a entrincheirar-se atrás do anonimato? Um certo uso publicitário que, hoje, certos filósofos fazem ou permitem fazer do seu nome?

Isto não me perturba minimamente. Nos corredores do meu liceu vi grandes homens de gesso. E agora, nas primeiras páginas dos jornais, em baixo, vejo a foto do pensador. Não sei se a estética melhorou. A racionalidade econômica seguramente, sim...

No fundo, impressiona-me profundamente uma carta escrita por Kant, quando já era muito velho: contra a idade, a visão que se reduz e as idéias que se confundiam, apressava-se, assim narra, em terminar um livro para a feira do livro de Lípsia. Conto este episódio para demonstrar que não tem nenhuma importância. Publicidade ou não, feira ou não, o livro é coisa totalmente diferente. Nunca conseguirão levar-me a crer que um livro seja ruim porque se viu o seu autor à televisão. Mas nem sequer que seja bom só por este motivo.

Se escolhi o anonimato, não é para criticar isso ou aquilo, o que nunca faço. É um jeito de dirigir-me mais diretamente ao eventual leitor, o único personagem que me interessa: "já que não sabes quem sou, não sentirás a tentação de buscar os motivos pelos quais digo o que lês; deixa-te andar, diz simplesmente: é verdadeiro, é falso, gosto, não gosto. Isto basta".

Mas o público não espera que a crítica forneça juízos precisos sobre o valor de uma obra?

Não sei se o público espera que o crítico julgue as obras ou os autores. Mas creio que os juízes já estavam aí antes que o público pudesse dizer o que queria.

Parece que Courbet tinha um amigo que se acordava à noite urlando: "julgar, quero julgar". É incrível quanto as pessoas gostam de julgar. Julga-se em todo lugar, continuamente. Provavelmente, para a humanidade, é uma das coisas mais simples a fazer. Mas você sabe que o último homem, quando a última radiação houver reduzido o último adversário a cinzas, tomará uma mesa mal ajeitada, se sentará e começará o processo contra o responsável.

Não posso deixar de pensar em uma crítica que não procure criticar, mas fazer existir uma obra, uma frase, uma idéia; acenderia fogos, olharia a grama crescer, escutaria o vento e imediatamente tomaria a espuma do mar para a dispersar. Reproduziria, ao invés de juízos, sinais de vida; invocá-los-ia, arrancá-los-ia do seu sono. Quem sabe os inventaria? Tanto melhor, tanto melhor. A crítica sentenciosa faz-me adormentar; gostaria de uma crítica feita com centelhas de imaginação. Não seria soberana, nem vestida de vermelho. Traria consigo os raios de possíveis tempestades.

Há, porém, tantas coisas a conhecer, tantos trabalhos interessantes, que a mídia deveria falar todo o tempo de filosofia?

Certamente, entre a "crítica" e aqueles que escrevem livros existe um mal-estar de longa data. Uns não se sentem entendidos e outros acreditam que se queira fazer pressão sobre eles. Mas o jogo é este.

Parece-me que hoje a situação seja bastante particular. Temos instituições pobres, enquanto nos encontramos em situação de super-abundância.

Todos deram-se conta da exaltação que freqüentemente acompanha a publicação ( ou a reedição) de obras, que, aliás, às vezes são interessantes. Trata-se, sempre, de nada menos que a "subversão de todos os códigos", do "antagonista da cultura contemporânea", da "discussão radical de todo o nosso modo de pensar". O seu autor deve ser um marginal incompreendido.

Em compensação, não há dúvida de que os outros devam ser remetidos à obscuridade da qual nunca deveriam ter saído; não eram senão a espuma de "uma moda irrelevante", um simples produto institucional, etc.

Diz-se que se trata de um fenômeno parisiense e superficial. Contudo, eu percebo aí os efeitos de uma inquietação profunda. O sentimento do "nenhum lugar vazio", "ou ele ou eu", "um por vez". Está-se em fila indiana, por causa da extrema exigüidade de lugares em que se pode escutar e fazer-se ouvir.

Resulta daí uma espécie de angústia que irrompe em mil sintomas, mais ou menos curiosos. A partir disso, naqueles que escrevem, o sentimento da sua impotência diante da mídia, que é acusada de dominar o mundo dos livros e de dar existência ou de fazer desaparecer aqueles que agradam ou desagradam. A partir disso, nos críticos, o sentimento de conseguir fazer-se ouvir, a não ser que se levante o tom e se tire da cartola um coelho por semana. A partir disso, a pseudo-politização que mascara, sob a alegação da necessidade de mover uma "batalha ideológica" ou de acabar com os "pensamentos perigosos", a ânsia profunda de não ser lidos nem ouvidos. A partir disso, também a fobia fantástica do poder: cada pessoa que escreve exerce um poder inquietante a que se precisa pôr, se não um fim, pelo menos limites. A partir disso também a afirmação um pouco encantadora segundo a qual, atualmente, tudo é vazio, desolado, sem interesse e importância: afirmação que, evidentemente, provém daqueles que, não fazendo nada, pensam que os outros são supérfluos.

Mas não acredita que a nossa época é realmente sem espíritos à altura dos seus problemas e de grandes escritores?

Não, não acredito no refrão da decadência, da ausência de escritores, da esterilidade do pensamento, do horizonte negro e tétrico.
Creio, pelo contrário, que há uma abundância excessiva. E que não sofremos por causa do vazio, mas porque os meios para pensar em tudo o que acontece sejam demasiado poucos. Há muitíssimas coisas a conhecer: fundamentais, terríveis, maravilhosas ou estranhas, ao mesmo tempo minúsculas e capitais. Além disso, há uma curiosidade imensa, uma necessidade, um desejo de conhecer. Sempre lamentamos que a mídia embote a cabeça das pessoas. Nesta idéia há alguma misantropia. Acredito, pelo contrário, que as pessoas reagem: quanto mais se procura convencê-las, mais se interrogam. O espírito não é uma cera mole. É uma substância reativa. E o desejo de saber mais, melhor e diversamente, cresce à medida que se procura encher as cabeças.
Se isso for verdade e se acrescentarmos a isso que, na universidade e em outros lugares, se estão formando grandes quantidades de pessoas que podem servir de intermediários entre a massa de coisas e a avidez de saber, pode-se bem rapidamente deduzir que a desocupação dos estudantes é a coisa mais absurda que há. O problema consiste em multiplicar os canais, as passarelas, os meios de informação, as redes televisivas e as radiofônicas, os jornais.
A curiosidade foi um vício estigmatizado sucessivamente pelo Cristianismo, pela filosofia e até por uma certa concepção da ciência. Curiosidade, futilidade. Mesmo assim, a palavra me agrada. Sugere-me algo bem diferente: evoca a "cuidado", a atenção que se presta ao que existe ou poderia existir; um sentido agudo do real, que, porém, nunca se imobiliza diante disso; uma prontidão em julgar estranho e singular aquilo que nos circunda; uma certa obstinação em desfazer-se do que é familiar e em olhar as mesmas coisas de forma diferente; um ardor em colher o que acontece e aquilo que passa; uma desenvoltura com relação às hierarquias tradicionais entre o que é importante e o que é essencial.
Sonho com uma nova idade da curiosidade. Os meios técnicos existem; o desejo existe; as coisas a conhecer são infinitas; as pessoas que podem empenhar-se nesta tarefa existem. De que então sofremos? De escassez: canais estreitos, exígüos, quase monopolistas, insuficientes. Não se trata de adotar atitude protecionista para impedir que uma "má" informação invada e sufoque a "boa". Importa, pelo contrário, multiplicar os trajetos e as possibilidades de ir e vir. Nenhum colbertismo neste campo. O que não significa, como frequentemente se teme, uniformização e nivelamento por baixo. Significa, sim, diferenciação e simultaneidade de redes diferentes.

Imagino que, neste plano, a mídia e as universidades poderiam ter funções complementares, ao invés de continuarem a opor-se.

Você lembra a admirável frase de Sylvain Lévy: o ensino comporta um ouvinte; basta haver dois que se torna vulgarização. Também os livros, a universidade, as revistas cultas são mídia. Dever-se-ia evitar de chamar mídia os canais de informação aos quais não se pode ou não se quer ter acesso. Importa entender como fazer que as diferenças ajam; saber se devemos instaurar uma zona reservada, um "parque cultural" para as frágeis espécies dos cultos, ameaçados pelas grandes aves de rapina da informação, enquanto todo o resto do espaço seria um vasto mercado de bugigangas. Não me parece que semelhante repartição corresponda à realidade. Pior: não me parece de fato desejável. Para fazer que as diferenças úteis ajam não deve haver repartição alguma.

Procuremos fazer uma proposta concreta. Se tudo vai mal, onde se pode começar?

Não, não vai tudo mal. Em todo caso, creio que não se deve confundir a crítica construtiva contra as coisas com as jeremiadas repetitivas contra as pessoas. Com relação a propostas concretas, elas aparecem como "gadgets", se antes não forem precisados alguns princípios gerais. Este, em primeiro lugar: o direito ao saber não deve ser reservado nem a uma idade da vida, nem a certas categorias de indivíduos; se deve poder exercitá-lo ininterruptamente e de formas múltiplas.

Mas esta vontade de saber não é ambígua? Afinal, o que as pessoas farão com todo este saber que está adquirindo? A que pode servir?
Uma das funções principais do ensino consistia nisto: a formação do indivíduo caminhava no mesmo passo da determinação do seu lugar na sociedade. Hoje precisaríamos conceber o ensino de modo tal que permitisse ao indivíduo de se modificar a seu prazer; e isso é possível apenas sob a condição de que o ensino seja uma possibilidade oferecida "permanentemente".

Em suma, você é a favor de uma sociedade culta?

Digo que a vinculação com a cultura deve ser contínua e a mais polimorfa possível. Não deveria haver, por um lado, uma formação que se sofre e, por outro, uma informação a que se é submetido.
O que acontecerá, em uma sociedade culta, com a filosofia eterna?... Ainda temos necessidade dela, das suas interrogações sem resposta e dos seus silêncios diante do incognoscível?

O que é a filosofia senão um modo de refletir, não tanto sobre aquilo que é verdadeiro e aquilo que é falso, mas sobre a nossa relação com a verdade? Às vezes a gente se lamenta por não existir na França uma filosofia dominante. Muito melhor. Não há nenhuma filosofia soberana, é verdade, mas há uma filosofia ou, melhor, há filosofia em atividade. A filosofia é o movimento pelo qual nos libertamos – com esforços, hesitações, sonhos e ilusões – daquilo que passa por verdadeiro, a fim de buscar outras regras do jogo. A filosofia é o deslocamento e a transformação das molduras de pensamento, a modificação dos valores estabelecidos, e todo o trabalho que se faz para pensar diferentemente, para fazer diversamente, para tornar-se outro do que se é. Sob este ponto de vista, os últimos trinta anos foram período de intensa atividade filosófica. A interferência entre a análise, a pesquisa, a crítica "culta" ou "teórica" e as mudanças no comportamento, a conduta real das pessoas, a sua maneira de ser, a sua relação consigo mesmas e com os outros, foi constante e considerável.

Há pouco dizia que a filosofia é um modo de refletir sobre a nossa relação com a verdade. É preciso acrescentar: é um modo de perguntar-se: se esta é a relação que temos com a verdade, como devemos comportar-nos? Creio que tenha sido feito e que se esteja continuando a fazer um trabalho considerável e múltiplo, que modifica, contemporaneamente, o nosso vínculo com a verdade e a nossa maneira de nos comportarmos. E isso em ligação complexa entre uma série de pesquisas e um conjunto de movimentos sociais. É a própria vida da filosofia.

É compreensível que alguns lastimem o vazio atual e busquem, na ordem das idéias, um pouco de monarquia. Mas aqueles que, pelo menos uma vez na própria vida, provaram um tom novo, uma nova maneira de olhar, um outro modo de fazer, aqueles, creio, nunca sentirão a necessidade de se lamentar porque o mundo é um erro, a história está farta de inexistências; é tempo para que os outros fiquem calados, permitindo assim que não se ouça mais o som da reprovação por parte deles...
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FOUCAULT, Michel. Archivio Foucault. Vol. 3. Estetica dell’esistenza, etica, politica. A cura di Alessandro Pandolfi. Milano, Feltrinelli, 1994, pp. 137-144. Tradução portuguesa de Selvino José Assmann. Fpolis, setembro de 2000.
Este texto foi gentilmente cedido por Marco Antonio Frangiotti, e aparece originalmente no site de "textos de interesses filosóficos" .
http://www.unb.br/fe/tef/filoesco/foucault/mascarado.html.

Rousseau


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A pedagogia de Rousseau

Os pressupostos básicos de Rousseau a respeito da educação eram, a crença na bondade natural do homem, e atribuir à civilização a responsabilidade pela origem do mal.
A educação deveria levar o homem a agir por interesses naturais e não por imposição de regras exteriores artificiais, pois só assim o homem poderia ser dono de si próprio.
Outro aspecto da educação natural está em não aceitar uma educação intelectualizada, levando ao ensino formal e livresco. O homem não é constituído apenas por intelecto, pois suas disposições primitivas, tais como os sentidos, os instintos, as emoções e os sentimentos existentes do pensamento elaborado são dimensões mais dignas de confiança.
Rousseau utiliza-se de novas idéias para combater as que prevaleciam em sua época há muito tempo, principalmente a de que a educação da criança deveria ser voltada aos interesses do adulto e da vida adulta. Introduz a concepção de que a criança é um ser com características próprias, e desse modo não podia ser vista como um adulto ou a partir de seu pensamento.
Com estas idéias, derrubou concepções vigentes que pregavam ser a educação, o processo pelo qual a criança adquire seus conhecimentos, atitudes, hábitos armazenados pela civilização, sem transformações.
Cada fase da vida, para Rousseau, tem suas características próprias. O homem e a sociedade modificam-se, e a educação é fundamental para a necessária adaptação a essas modificações.
Rousseau afirma que a educação não vem de fora, é a expressão livre da criança no seu contato com a natureza.
No contexto de sua época, Rousseau formulou princípios educacionais que permanecem até os nossos dias, principalmente quando afirmava: que a verdadeira finalidade da educação era ensinar a criança a viver e aprender a exercer a liberdade. Pode-se afirmar que as idéias de Rousseau influenciam diferentes correntes pedagógicas, principalmente as tendências não diretivas, no século XX.
Assim, podemos enfatizar que na verdade Rousseau é ao mesmo tempo amado e temido: sua obra e mesmo sua pessoa são fascinantes para uma época em que um novo homem se abria para novos tempos, em que um eu solitário e muito puro se abria para o futuro e sobretudo para a alma romântica que estava nascendo.
Agnes Cruz de Souza - email : agnescruz@zipmail.com.br
http://www.unicamp.br/~jmarques/cursos/rousseau2001/acs.htm

Quem sou eu? O que vai ser de mim? Immanuel Kant



Kant, Immanuel Kant, nasceu em 1724 e morreu em 1804. Nasceu, viveu e morreu em Königsberg, não saiu de sua cidade natal. Era um homem metódico, as pessoas acertavam seus relógios quando o senhor Kant passava, porque sabiam a que hora passava. Há uns versos de Antonio Machado que dizem:
Tartarin em Königsberg!Com a mão no queixo,tudo chegou a saber.
Era de uma família modesta, muito religiosa, protestante, pietista, teve uma vida de professor, solitário, uma vida enormemente singela e simples. É curioso o fato de que tinha boa imaginação: dava cursos de geografia e, ao que parece, descrevia países que não conhecia, que nunca tinha visitado, com grande imaginação.
Seu pensamento filosófico começou cedo, sem muita precocidade, mas há uma longa época em sua vida - que é o que depois se denominou "o período pré-crítico" - na qual - mais ou menos - segue os caminhos do pensamento dominante das primeiras e médias décadas do século XVIII. Depois há uma época bastante longa em que não escreve, medita, pensa... e então começa o período crítico: em 1781 publica seu livro principal, Crítica da razão pura, Kritik der reinen Vernunft, que depois voltou a publicar - uma edição bastante modificada - em 1787. Justamente a palavra "crítica" é essencial nesse período; ele publica outros livros importantes: Crítica da razão prática, Crítica do juízo, Fundamentação da metafísica dos costumes...
O interessante é que nessas obras de maturidade, mais propriamente pessoais, que marcam um estilo novo - ele tem consciência disto - diz que se trata de "uma revolução copernicana". Ele pensa na inversão da concepção astronômica de Ptolomeu feita por Copérnico e apresenta sua filosofia como sendo "uma revolução copernicana", eine kopernikanische Wendung.
Ou seja, ele tem plena consciência de um novo estilo. Este estilo tem que ver, evidentemente, com a tendência que já temos encontrado (e a vimos claramente em Descartes): a tendência a evitar o erro. Mais do que a descoberta da verdade, com mais força ainda, o que se busca é evitar o erro.
Lembrem como Descartes põe em dúvida muitas possibilidades de conhecimen-to, ele acha que não são seguras e busca evitar o engano, e procura um fundamento indubitável, que vai ser o cogito, a mente que pensa: algo do qual não se pode duvidar. Isto aparece também no empirismo, especialmente em Locke, também há uma espécie de renúncia a muitos problemas - já os vimos outro dia - justamente porque se trata de poder estar seguro mediante a experiência.
Pois bem, isto é capital. Não esqueçamos que Kant recebe uma poderosa influência não só de Locke, mas também de Hume, a quem chama "esse homem adulto", que chega a uma forma inclusive quase cética do empirismo de Locke e questiona uma série de possibilidades de conhecimento: isto faz com que Kant fique em alerta, e ele vai se concentrar sobre os objetos da razão e seus limites, suas possibilidades. É a crítica da razão.
Cabe aqui um esclarecimento terminológico: em Kant a palavra "puro" quer dizer: independente da experiência. Kant dirá em algum lugar: "Todo conhecimento começa com a experiência mas nem todo conhecimento se funda na experiência". Há conhecimentos que não se fundam na experiência, isto quer dizer "puro" ou também, com outro termo que ele usa muito, "a priori". "A priori" ou "puro" quer dizer independente da experiência, oposto a "a posteriori", que é fundado na experiência.
Em segundo lugar, outro esclarecimento terminológico, quando Kant fala de crítica da razão pura e de crítica da razão prática o leitor não filósofo supõe que há uma contraposição entre puro e prático. E não: a razão pura é toda a razão; é a razão pura teórica e a razão pura prática. Ou seja, o adjetivo "puro" corresponde às duas, a diferença é que uma é teórica e outra é prática.
Kant vai empreender a tarefa da crítica da razão, de estabelecer os limites da razão, suas possibilidades, sua justificação e isso justamente no momento em que a Física de Newton tem um enorme prestígio. E as três perguntas fundamentais que Kant lança na Crítica da Razão Pura são: Como é possível a matemática pura? Como é possível a física pura? É possível a metafísica?
Vejam a diferença entre as perguntas: toma como certo que são possíveis a matemática e a física puras e pergunta se é possível a metafísica. E diz que ainda não se encontrou o caminho seguro da filosofia: enquanto a matemática e as ciências encontraram um caminho seguro e progridem, avançam, se consolidam; em filosofia, em metafísica não se chegou a ter o caminho seguro da ciência "kein sicherer Weg der Winssenschaft" e isto é justamente o que ele vai buscar, o que vai determinar a obra de Kant.
Isto vai levar Kant a uma reflexão muito profunda. Normalmente considera-se que o pensamento conhece as coisas; conhece as coisas tal como são. E Kant diz: não, isto não é possível. O que chama de "a coisa em si", "das Ding an sich" não se pode conhecer; porque eu conheço "a coisa em mim". O que eu conheço, conheço submetido a mim; submetido ao meu espaço, ao meu tempo, às minhas categorias, isto é a "coisa em mim", que ele chamará "fenômeno", opondo-o ao "noumeno", a coisa em si.
Quando eu conheço algo, transformo, modifico a coisa em si, que, como tal, é inadmissível. É contraditório que eu conheça a coisa em si porque quando a conheço está em mim, ingressa em minha subjetividade, que a modifica.
É algo capital, decisivo, que vai iniciar uma nova maneira de propor os problemas filosóficos e é justamente isto que a Crítica da Razão Pura vai explorar.
Então faz uma crítica muito profunda da qual, naturalmente, só podemos dar umas poucas amostras. Por exemplo, recordem como, por meio de Deus, esse famoso problema da comunicação das substâncias foi resolvido na filosofia do século XVII (Deus como garantia da evidência em Descartes: não há um gênio maligno que nos engana etc.). A abordagem de Kant é diferente: fala-se da existência como se fosse uma qualidade das coisas... e não! Sein ist keine reales prädikat, o ser não é um predicado real. O que isto quer dizer? Não é que uma coisa seja o que é e além disso exista; não! a existência não é um predicado real. Ele diz "Cem táleres - a moeda da época - pensados são o mesmo que cem táleres reais" (bem, no meu bolso, não, não é o mesmo...[risos] - se tenho mil pesetas possíveis ou se tenho mil pesetas reais, há uma pequena diferença...). Mas, em que consiste a diferença? Não no conteúdo, mas na conexão com a experiência. Digamos: os cem táleres reais estão aqui, tenho-os na mão, estão nesta mesa, estão em conexão com a experiência; os outros, não. Portanto é um caráter que não é intrínseco à própria coisa: a existência é justamente algo que é a conexão de alguma coisa com o conjunto da experiência: é o que os filósofos dessa época - e Kant é o primeiro - chamarão "a posição", está posto: o ser não é um predicado real. Por exemplo, Fichte, o discípulo mais próximo de Kant dirá, em sua forma de idealismo: o eu se põe a si mesmo e ao não-eu; o não-eu, o mundo, é posto pelo eu - por isto é idealismo. Há um ato de posição: isto é muito importante no pensamento pós-kantiano.
Isto leva a uma idéia que é o que se vai chamar o ser transcendental. É uma idéia capital e por isso o idealismo de Kant é chamado de idealismo transcendental. A escolástica já usava os conceitos de imanente e transcendente. Imanente é o que permanece no sujeito; transcendente é o que está além. Kant dirá: não se trata de imanente nem de transcendente, trata-se do transcendental. O transcendental é o resultado da inserção, digamos, do real em si - que não é acessível, que não se pode conhecer diretamente como tal - em minha sensibilidade: o espaço, o tempo e as categorias são as que ordenam o que, de modo bruto, é simplesmente um caos de sensações. O que eu vejo, o que eu percebo está ordenado segundo o espaço, o tempo e as categorias e isso não são as coisas, mas os fenômenos, que é o que eu conheço.
Este é o ponto de vista da visão kantiana do real, que traz naturalmente consigo uma visão do conhecimento. Uma visão que é - e isto terá conseqüências - uma transformação do real: ao conhecer eu transformo; o noumenon, a coisa em si não é acessível, não é cognoscível, porque conhecer quer dizer transformar o noumenon em fenômeno, que é o que eu conheço. Portanto o conhecimento é, de certo modo, uma transformação do real. É interessante como, por exemplo, muito recentemente se chegou a uma visão, inclusive física, que tem conexão com isto: para estudar um fenômeno físico, eu devo iluminá-lo, mas a luz transforma o objeto, o modifica: se eu ilumino um sistema físico, modifico-o, mas para conhecê-lo tenho que iluminá-lo...
Kant tem, então, a matemática e a física - e a física de Newton é o modelo de ciência que é válido para ele (isto, naturalmente, pode-se corrigir, foram feitas críticas posteriores, houve modificações muito profundas com Eisntein, com Planck, com Heisenberg, etc., mas para Kant a física de Newton tem plena validade). E Kant se depara com o problema da metafísica; os grandes problemas: Deus, a liberdade, a imortalidade. Estes problemas escapam à experiência...
Então ele dirá: não é possível chegar a um conhecimento pleno na crítica da razão pura dessas realidades que vão se portar como o que ele chamará de idéias regulativas, mas não são objeto do conhecimento especulativo, da razão pura teórica.
Kant então se encontra com este fato e há uma limitação, que afeta precisamente estes grandes temas da metafísica. Mas não é que desapareçam, o que ocorre é que reaparecem no âmbito da razão prática e precisamente no âmbito da moralidade. E há um fato da moralidade: o homem é moral. O homem se sente responsável e portanto livre. E portanto moral. O único bem sem restrições é a boa vontade, que será o núcleo da atitude moral de Kant: a boa vontade. Ele vai precisamente considerar que a boa vontade consiste no respeito ao dever. Kant desvaloriza os desejos, os sentimentos, as emoções... tudo isto está muito bem, mas não tem que ver com a moralidade. Se eu faço algo porque me comovo, porque me parece desejável, por compaixão... isto está muito bem pessoalmente mas não tem nada que ver com a moral. A moral consiste em que eu faça algo por puro respeito ao dever. Este é o ponto de vista kantiano.
Por um lado, Kant necessita estabelecer uma moral que seja absolutamente válida. Ele distingue entre imperativos condicionados e imperativos categóricos. Se dizem a uma pessoa: - Não coma demasiado porque vai engordar - Pois bem, vou engordar. Não faça tal coisa porque vai se machucar - Pois bem, vou me machucar... Ou seja, o imperativo perde validade, porque são imperativos condicionados, dependem de uma condição: se essa condição falta ou não se cumpre, então o imperativo cai. E ele quer um imperativo categórico, que obrigue sem restrições, sem mais. Então tem que ser um imperativo não material, não de conteúdo, que não dependa de tal ou qual coisa, mas: Faça as coisas de tal maneira!
A fórmula - há várias fórmulas para o imperativo categórico, mas seria mais ou menos isto: "Age de modo que o motivo de tua ação possa ser uma lei universal da natureza". Se eu posso querer que o motivo pelo qual faço algo se converta em lei universal da natureza, então isto moralmente obriga de modo absoluto. Ele dá exemplos, alguns muito triviais: se uma pessoa, faz um depósito em empréstimo para outra pessoa, há obrigação de devolver. Ou será que posso desejar que seja lei universal que quando se faz um empréstimo não se devolva? Ou que possa querer que seja lei universal que se minta quando se fala? Não, porque então ninguém acreditaria no que se diz e não se poderia viver.
Como vêem, essa idéia muito profunda em Kant - a idéia de uma moral autônoma, categórica - não pode ser uma moral de conteúdo - o que depois se chamará "moral material" - é uma moral formal, que se atém à forma da ação, ao motivo pelo qual se executa uma determinada ação.
Ora, o fato da moralidade - o fato de que o homem é responsável, se sente responsável e portanto livre e portanto moral - faz com que ingressem no campo da razão prática - que é superior à teórica - esses grandes temas, que não se podem equacionar suficientemente na esfera da razão pura teórica; essas grandes idéias regulativas, reaparecem no mundo moral, culminam no conceito de pessoa moral, que é central no kantismo.
Como vêem, é realmente uma revolução copernicana, é uma mudança profundíssima, é uma maneira nova de ver as coisas, é uma renúncia à crença ingênua de que se conhecem as coisas em si mesmas - há uma subjetividade que as transforma, que as converte em algo diferente; conhecer é transformar -, mas se salvam os grandes conteúdos da metafísica na esfera da razão prática.
É que a metafísica é eine Naturanlage "uma tendência natural": o homem não pode renunciar a fazer metafísica; o que acontece é que a tem que deslocar da razão especulativa para a razão prática. "Em primeiro lugar tive que eliminar o saber para dar lugar à crença", uma crença racionalmente justificada, na esfera da razão prática, que é a decisiva.
Isto foi, naturalmente, como uma espécie de terremoto intelectual. Naturalmente se trata de um sistema complexo e difícil: se quiserem ler Kant, eu lhes recomendo - as grandes Críticas são muito difíceis e muito extensas - A fundamenta-ção da metafísica dos costumes, é um livro breve, muito acessível e claro. E a Introdução à Lógica de Kant, publicado por Jaesche, e que é uma introdução a seu método filosófico.
Kant foi um filósofo que viveu 80 anos. E só muito tardiamente exerceu influência: por exemplo, seu principal discípulo, Fichte, só o conheceu em 1791, bastante tarde, e os outros são posteriores. Ou seja, os kantianos são netos de Kant: há uma geração intermediária que não é kantiana. E há ainda um problema muito delicado: quando há um grande filósofo, nem toda sua obra está em linguagem clara: há certos silêncios, certos esquecimentos, certas omissões... E entre os pós-kantianos, a razão prática têm muito maior relevo: sim, partem da crítica da razão teórica, contam com ela, mas não é o que seguem, não é o que primariamente desenvolvem. E o que fazem é uma especulação: são grandes construtores de catedrais, os grandes sistemáticos da filosofia, que elaboram grandes e impressionantes construções intelectuais, às vezes com certas violências à realidade. Ortega disse certa vez que tinha pensando em escrever um ensaio entitulado "Genialidade e inverecúndia no idealismo transcendental". E há esse afã, de esquematismo, do desenvolvimento das grandes construções intelectuais... e isto é a conseqüência imediata de Kant.
Depois há o positivismo. O positivismo recebe influência do kantismo, mas o recebe num momento em que se renuncia aos grandes problemas, em que se fala dos fenômenos e de suas leis; não se fala de essências, do que as coisas são. E isto faz com que o pensamento kantiano se converta numa espécie de metodologia do conhecimento empírico. E já na segunda metade do século XIX aparece o que se chama de neo-kantismo (sempre que eu vejo o prefixo "neo" me preocupo - há um livro famoso "Kant e os epígonos", cujos capítulos sempre terminavam com: "portanto é preciso retornar a Kant") - cuja escola mais importante é a escola de Marburgo, que além do mais nos interessa muito particularmente porque foi nela que Ortega se formou. O que querem é, em última análise, converter o kantismo em teoria do conhecimento, em epistemologia.
E ainda mais: há um momento no século XX em que se volta a ler Kant de outra maneira, com outros olhos. E lê-se Kant sobretudo como um pensador inacabado, que não chegou a completar sua filosofia: toda sua enorme obra era uma preparação para isto. O primeiro a reparar nesse fato foi Ortega. Ortega escreve um folheto em 1924: Kant: reflexões de um centenário. E precisamente examina Kant a partir do ponto de vista do que representa para a cultura alemã. Por exemplo, a dificuldade de ir mais além de si mesmo, a atitude freqüentemente subjetivista que aparece no pensamento alemão. Pouco depois publicou outro folheto Kant no qual explicita isto: Kant, afinal, é um metafísico: trata de fazer uma obra que não chega a completar, que se indica em alguns de seus livros, especialmente num deles há textos muito interessantes que comentarei brevemente daqui a pouco.
E em 1929 Heidegger publica Kant und das Problem der Metaphysik, Kant e o problema da metafísica, uma visão da metafísica indicada - mas não plenamente realizada - por Kant, que, em última análise, seria justamente um metafísico que não acaba de realizar sua obra.
Além disso Kant diz coisas particularmente muito interessantes quando fala das quatro perguntas fundamentais que devem ser feitas:
O que posso saber? A Metafísica responde a isto.
O que posso esperar? A religião responde a isto.
O que devo fazer? Isto é a moral.
E finalmente: O que é o homem? A isto responde a antropologia.
E Kant diz que estas quatro perguntas resumem-se, afinal, na última: "O que é o homem": E isto é interessante porque Kant faz a distinção entre dois conceitos da filosofia: o Schulbegriff, o conceito escolar da filosofia e o Weltbegriff, o conceito mundano da filosofia, a filosofia para a vida. E ele diz: mais importante é a filosofia para vida, o conceito mundano da filosofia.
Precisamente nesse breve texto da Introdução às Lições de Lógica, editadas por Jaesche, já no final da vida de Kant, é interessante que justamente a filosofia de Kant desemboca na distinção entre o conceito escolar e o conceito mundano da filosofia e nessas quatro perguntas capitais.
Já há bastante tempo eu disse na Antropologia Metafísica que, do meu ponto de vista, não é certo que se possa reduzir tudo a uma pergunta: O que é o homem? E o dizia precisamente num livro de antropologia. Eu dizia: - não, para começar, não está correta a pergunta: "O que é o homem?". Essa pergunta tem sido feita pela filosofia já há muito tempo, mas é uma pergunta errada, é uma pergunta que propõe um problema de resposta falsa, porque o homem não é um "que"... Se alguém bate à porta, não se pergunta "que", mas sim "quem" é. Devemos distinguir radicalmente entre "que" e "quem". A pergunta não é portanto "O que é o homem?", nem tampouco "Quem é o homem?" - isto não tem sentido - a pergunta radical é "Quem sou eu?".
Outros filósofos alemães - de Kant a Hegel - falam do eu; a filosofia de todos os idealistas alemães está centrada no conceito do eu, que põe o não-eu. O eu transcendental. Sim, sim, mas quando se usa o artigo determinado com a palavra "eu", esta palavra se altera profundamente, fica substantivada, coisificada. Porque "eu" é um pronome, é um pronome pessoal, que indica precisamente a posição existente e única. Quando alguém bate e se pergunta "Quem é", frequentemente se responde: "eu", se a voz for conhecida. "Eu", não "o eu", que é uma abstração; "eu", rigorosamente pronominal.
Portanto, a pergunta não seria "O que é o homem?", a pergunta seria "Quem sou eu?". Mas esta pergunta vai acompanhada de outra, inseparável: "O que vai ser de mim?". São duas perguntas inseparáveis e que de certo modo se contrapõem: quero dizer que na medida em que posso responder plenamente a uma, a outra fica na sombra. Se eu sei quem sou, se eu me vejo a mim mesmo como pessoa, como quem, não acabo de saber o que vai ser de mim... Se, por outro lado, quero ter a certeza sobre o que vai ser de mim, evidentemente necessito apoiar-me em algo estável e executo a operação de - de certo modo - coisificação. Essas duas perguntas são inevitáveis, inseparáveis e - de algum modo - conflitantes. Por isso, é que eu acho que a vida humana é dramática.
Julián Marías - Conferência do curso “Los estilos de la Filosofía”, Madrid, 1999/2000. Edição: Jean Lauand. Tradução: Elie Chadarevian
http://www.hottopos.com/harvard4/jmskant.htm

terça-feira, 24 de junho de 2008

O Homem dos Sentidos


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Hume e o Problema da Religião

Essa complexidade da filosofia de Hume torna mais difícil a elucidação de sua filosofia religiosa. Consideremos, por exemplo, o célebre Ensaio Sobre os Milagres. Ele parece ter sido escrito sob a ótica da filosofia das luzes: o milagre é impossível porque contraria a experiência, as leis da natureza. Em compensação, a crença popular nos milagres - perfeitamente explicável pelas leis que governam a imaginação crédula dos homens - é muito natural!
"A velhacaria e a idiotice humanas são fenômenos tão correntes, que eu antes acreditaria que os acontecimentos mais extraordinários nascem do seu concurso, ao invés de admitir uma inverossímil violação das leis da natureza". Em suma, Hume se apóia no determinismo físico para rejeitar a realidade do milagre e no determinismo psicológico para explicar sua ilusão tenaz. Mas como Hume pode apoiar-se no determinismo, uma vez que sua crítica da causalidade fez desse próprio determinismo uma ilusão psicológica? Pascal, fundamentava-se precisamente numa crítica análoga à de Hume para afirmar a possibilidade do milagre. Ressuscitar, dizia, não é mais misterioso do que nascer. "O costume torna um fácil, sua falta torna o outro impossível: popular maneira de julgar" Quando Hume rejeita o milagre, não estará pensando ao nível da imaginação e do costume, não estará julgando "popularmente"? Seu combate pelas luzes situar-se-ia então no plano da reflexão filosófica que justamente anula o prestígio do costume e do bom-senso indutivo.
Os Diálogos sobre a Religião Natural são difíceis de interpretar porque se trata de verdadeiros diálogos, em que cada personagem sustenta seu ponto de vista com argumentos sérios; o próprio Hume afirma ter "querido evitar esse erro vulgar que consiste em só colocar absurdos na boca dos adversários". Os três personagens são: um deísta racionalista, Cleanto, que demonstra a existência de Deus partindo das maravilhas do universo; Demea, místico anti-racionalista, e o cético Filon. Ao fim da obra, Hume afirma que está mais próximo de Cleanto. Mas, numa carta de 1751 a Gilbert Elliot of Minto, ele declara que, no momento da redação de seus Diálogos, o papel de Filon e Demea estão sempre de acordo quando se trata de demolir o racionalismo, o antropomorfismo e o otimismo de Cleanto. Enquanto muitos filósofos do século das luzes reservam sua ironia crítica para a religião revelada e encontram na ordem do mundo, na finalidade, argumentos para a religião natural, tem-se a impressão de que Hume multiplica suas críticas "céticas" à religião natural. A noção de um Deus-Providência parece-lhe pouco compatível com os sofrimentos e os males de que os homens são vítimas neste mundo. Por outro lado, observa Hume sutilmente, se a verdade do sofrimento humano é, para o filósofo, um argumento decisivo contra a Providência, é precisamente esse sofrimento que conduz o povo a buscar as consolações da religião. O mesmo fato, que para o filósofo é uma objeção maior à religião, surge, no povo, como a forca essencial da crença! Finalmente, a crítica da razão teológica tem, portanto, em Hume, o mesmo sentido que a crítica da razão experimental. Em ambos os casos, ele substitui a pesquisa de um fundamento lógico - que se apresenta impossível - pela pesquisa de origem psicológica da crença. O ceticismo de Hume é um psicologismo.
http://www.mundodosfilosofos.com.br/hume.htm

A "Criança" da Luz

Isaac Newton nasceu em Dezembro de 1642 (e Galileu morreu em Janeiro do mesmo ano), e foi o grande expoente da Física, continuando a obra de Galileu. Em 1661, entrou na Trinity College de Cambridge, na condição de "subserver" (estudante pobre e obrigado a tarefas humildes).
Logo foi promovido e "scholar" (assistente) e foi então que sua carreira decolou. Em 1665 consegue o título de bacharel mas tem que se esconder no campo, devido a uma epidemia que mata mais de 30.000 pessoas em Londres. É no campo que começam suas descobertas, entre elas o fenômeno de dispersão da luz, a lei da gravitação universal e formula as primeiras leis do cálculo infinitesimal e diferencial. Corria o ano de 1669, e Newton já havia chegado ao posto mais alto da Trinity. Foi então que algo inesperado aconteceu: o professor I. Barrow - catedrático de renome - cede sua cátedra a Newton, afirmando publicamente que o fazia por reconhecer sua superioridade. Se por um lado isso foi bom para Newton, por outro despertou a inveja e a rivalidade de outros cientistas da época; entre eles o célebre astrônomo Halley, os cientistas Linus e Lucas, o grande Huyghens e Leibniz, que revindicou para si a descoberta do cálculo diferencial. Depois de um tempo foi oferecido á Newton o cargo de diretor da Trinity, que recusou por não ser Eclesiástico, mergulhando novamente nos estudos. Finalmente, em 1686, apareceu o fruto de 9 anos de estudo: Foi entregue á Royal Society o manuscrito de sua principal obra: "Philosophiae Naturalis Principia Mathematica" , numa tradução livre, Princípios Matemáticos da Filosofia Narural. Foi nomeado deputado da Convenção Nacional nos anos de 1689-1690, e logo depois se reelegeu. Um dia, Newton acordou bem cedo e voltou a trabalhar. Porém, por causa de um descuido, deixou uma vela acesa e o incêndio destruiu todas as suas anotações sobre luz e cores. Começou a apresentar um comportamento estranho depois disso, alguns achavam que estava louco. Mas logo se recuperou e escreveu tudo de novo. Contava então com 50 anos de idade. Só veio a abandonar o Trinity quando percebeu ser um péssimo professor (inclusive, numa certa oportunidade, todos os alunos faltaram á sua aula). Foi inspetor e diretor da Casa da Moeda por algum tempo, em 1703 foi nomeado diretor da Royal Society, publica seus estudos sobre luz e cores em 1704 e em 1705 a Rainha da Inglaterra o confere o título de "sir". Durante os dez últimos anos de sua vida, Newton se aposentou e começou a mudar de casa em casa, á procura de paz e tranquilidade. Seus trabalhos a partir daí foram todos voltados para provar a existência de Deus.
Certa vez, com 81 anos de idade, disse com a modéstia dos sábios:
"_ Não sei o que o mundo dirá de minha obra. A mim, parece que nunca acabei de ser criança. Uma criança que brincou na praia, que encontrou uma pedra bem polida, uma concha multicolorida, enquanto o grande oceano da verdade continua a se extender, ainda inexplorado, diante de meus olhos."
Principais Realizações:

Descreveu o fenômeno de dispersão da luz;
Descobriu a lei da gravitação universal;
Formulou as primeiras leis do cálculo infinitesimal e diferencial;
Descreveu, a partir de sua obra principal, as três primeiras leis do movimento:
A Inércia
F=m.a
A lei de ação e reação
Foi o primeiro a dividir a luz branca em várias cores, a partir de um prisma, no seu estudo das cores e da luz.
http://www.achetudoeregiao.com.br/astronomia/isaac_newton.htm

O Criador do método

René Descartes, filósofo e matemático, nasceu em La Haye, na Touraine, cerca de 300 quilômetros a sudoeste de Paris, em 31 de março de 1596, e veio a falecer em Estocolmo, Suécia, a 11 de fevereiro de 1650, aos 54 anos. Pertenceu a uma família de posses, dedicada ao comércio, ao direito e à medicina.
O pai, Joachim Descartes, advogado e juiz, possuía terras e o título de escudeiro, primeiro grau de nobreza, e era Conselheiro no Parlamento de Rennes, na vizinha província da Bretanha, que constitui o extremo noroeste da França.
Descartes, o segundo na família de dois filhos e uma filha, com um ano de idade perdeu a mãe, Jeanne Brochard, por complicações do terceiro parto.
Foi criado pela avó e por uma babá à qual ele depois pagou uma pensão até morrer. Seu pai casou novamente mas não se distanciou. Parte do ano passava em Rennes, atendendo às sessões parlamentares, parte em sua propriedade Les Cartes em La Haye, com a família. Chamava o filho ainda criança de seu "pequeno filósofo", devido à curiosidade demonstrada pela criança, porém. mais tarde aborreceu-se com ele porque não quis ser advogado, como seria do seu gosto.
Aos oito anos, em 1604, Descartes foi matriculado no colégio Real de La Fleche, em Anjou, aberto pelos jesuítas. Ele foi recomendado ao padre Charlet, um intelectual reconhecido, parente dos Descartes, e que logo seria o reitor. Descartes, cujas relações familiares seriam um tanto frouxas, mais tarde a ele se refere como "um segundo pai".
Descartes estudou em La Fleche por quase dez anos, até 1614. Foi uma criança e um adolescente frágil, passando a ter boa saúde só depois dos vinte anos. Na escola, um tanto desinteressado dos estudos e muito inclinado a "meditar", tinha por desculpa sua saúde para permanecer na cama até tarde, um hábito que manteve mesmo depois de adulto, e que só no último ano de sua vida foi obrigado a mudar, modificação que lhe foi fatal. Apesar das aulas perdidas todas as manhãs, era inteligente o bastante para acompanhar o curso e concluí-lo sem maiores dificuldades. As disciplinas eram designadas genericamente por "filosofia", contendo física, lógica, metafísica e moral; e "filosofia aplicada", que compreendia medicina e jurisprudência. Também estudou matemática através dos manuais didáticos do monge Clavius, matemático jesuíta que algumas décadas antes havia criado o Calendário Gragoriano.
Disse mais tarde que, embora admirasse a disciplina e a educação recebida dos jesuítas em La Fleche, o ensino propriamente era fútil e desinteressante, sem fundamentos racionalmente satisfatórios, e que somente na matemática havia encontrado algum atrativo. Era muito religioso e conservou a fé católica até morrer.
Decidiu deixar os estudos regulares: não queria a vida de um erudito e intelectual. Em lugar disso, queria ganhar experiência diretamente em contacto com o mundo; decidiu viajar e observar. Antes porém, passou um curto período aparentemente sem ocupação, em Paris e, depois, para atender ao pai, ingressou num curso de Direito de dois anos na universidade de Poitier onde seu irmão também se formara. Concluído o curso em 1616, não seguiu a tradição da família.
Em 1618 Descartes foi para a Holanda e se alistou na escola militar de Breda como oficial não pago do exército de Maurício de Nassau, príncipe de Orange que naquele momento estava dispondo suas tropas contra as forças espanholas, as quais tentavam recuperar aquela que fora a província mais rica da Espanha. Estudou arte de fortificações e a língua flamenga.
Amizade com BEECKMAN.
O serviço militar era uma escolha convencional da parte de Descartes, uma vez que a pratica da guerra era uma complementação da educação dos cavalheiros que não seguiam a carreira eclesiástica, além de ser, por excelência, o campo de aplicação das matemáticas, tanto no aperfeiçoamento das armas como na construção de fortalezas e edifícios em geral. Não requeria, e é mesmo dado como improvável, que Descartes participasse de alguma luta real. A vida de campanha o aborreceu. Havia nas suas próprias palavras muita ociosidade e dissipação. Ele continuava a observar e fazer notas e sobretudo a sua fascinação pelas ciências matemáticas ganhou ímpeto por seu conhecimento casual seguido de amizade com o duque filosofo, doutor e físico Isaac Beeckman, um professor distinguido pelos seus conhecimentos de mecânica e matemática e reitor do Colégio Holandês em Dort. Beeckman teria ficado surpreso com a habilidade e pendores matemáticos do jovem oficial francês, capaz de resolver sozinho, rapidamente, um complicado quebra-cabeça matemático. A amizade deveria continuar por 20 anos com alguns entreveros. A Beeckman Descartes dedicou o Compendium musicae, no qual indaga as relações matemáticas que determinam a ressonância, o tom e a dissonância musical, um tópico evidentemente de acordo com sua inclinação pitagórica de então. Beeckman o atualizou com respeito a vários progressos na matemática, incluindo o trabalho do matemático francês Vieta, um dos pioneiros da álgebra moderna. Uma parte importante da fama de Descartes vem, justamente, de ter aplicado a formulação algébrica para problemas geométricos em lugar de grupos de desenhos geométricos e teoremas separados.
O encontro com Beeckman renovou o entusiasmo de Descartes em prosseguir no caminho escolhido para seus estudos, despertando-lhe a ambição de encontrar uma fórmula geral, racional, de conhecimento universal.
Deixando o exército do príncipe de Orange após dois anos na Holanda, Descartes viajou para a Dinamarca, Polônia e Alemanha. Em Frankfurt assistiu as festas da coroação do imperador Ferdinando II. Em abril de 1619 foi juntar-se ao exército bávaro no seu acampamento de inverno próximo de Ulm, sob as ordens do Conde de Bucquoy. O duque católico da Baviera, Maximilian, estava se pondo em campo contra o protestante Frederico V, o eleitor palatino (Palatinado, Alemanha, fronteira com a França) e rei da Boêmia (atual Checoslováquia), nos primeiros estágios da Guerra dos 30 Anos que haveria de arrasar o Sacro Império Germânico. Frederico haveria de perder o trono em 1620 após a batalha decisiva em Monte Branco perto de Praga. Sua filha, a princesa Elizabete, tornou-se mais tarde, em 1643, uma das amigas e correspondentes mais próximas de Descartes. Descartes passou o inverno em Neuburg, no Danúbio Sul. Segundo seu próprio relato, dispunha de um compartimento bem aquecido, dormia dez horas toda noite, o que muito apreciava, e se ocupava de seus próprios pensamentos.
Disse que teve então uns sonhos os quais, de acordo com sua interpretação, significavam que ele tinha a missão de reunir todo o conhecimento humano em uma ciência universal única, toda construída de certezas racionais (daí ser Descartes um expoente do Racionalismo). Certamente ele se referia à física pois, era o sonho comum dos sábios na época encontrar uma fórmula matemática para o universo (também os alquimistas buscavam um fórmula milagrosa), e foi uma esperança ainda mais estimulada pela descoberta da equação da atração universal feita por Newton. Havia pois, na Física, a possibilidade de reduzir a fórmulas matematicamente exatas as leis fundamentais da natureza. Em Descartes era uma aspiração mais de ordem mística, embora buscasse uma solução racional, muito de acordo com seu interesse pela filosofia de Pitágoras, com fundamento em números, e pelos segredos dos Rosacruzes.
Viagens
Vivendo de rendas e perseguindo a realização de seu sonho profético, viajou por vários países da Europa; deixando a Boêmia seguiu para a Hungria onde, em 1621, viveu pela ultima vez a vida militar como oficial do exército imperial.
Vai à Alemanha, Holanda e França (1622-23). É então que renuncia definitivamente à carreira militar para dedicar-se à investigação cientifica e filosófica.
Em 1623 voltou à terra natal para vender umas terras que herdara da mãe em Poitou e uma pequena propriedade de Perron (Era chamado em família "Monsieur du Perron", devido a essa propriedade). Aplicou o dinheiro da venda sob a forma de bônus e com os rendimentos resultantes pôde viver uma vida descompromissada, simples porém sempre confortável. Do outono de 1623 a primavera de 1625, ele vagou pela Itália onde ficou em Veneza, Roma e Florença por algum tempo, retornando depois à França, onde viveu principalmente em Paris. A França à época de Descartes é a França de Luís XIII e do Cardeal Richelieu. A política de Richelieu gerou grande progresso para a França, atribuindo privilégios e monopólios aos negociantes e manufatureiros e ampliou o comércio marítimo. Porém a ciência oficial continuava estagnada em torno dos comentários dos antigos (particularmente de Aristóteles), isso porque tal atraso interessava indiretamente ao absolutismo monárquico. Discussões com amigos, estudos privados e reflexão eram o padrão da vida de Descartes em Paris. Realiza, com o matemático Mydorge, experiências de ótica. Fez novos amigos entre os sábios e renovou velhos conhecimentos, especialmente com o Padre Marin Mersenne, seu contemporâneo de La Fleche.
Mersenne, um grande erudito, seria depois seu conselheiro e correspondente de confiança, e quem o manteria informado sobre o universo cultural europeu por muitos anos no futuro. Estava em contacto com todos os intelectuais famosos da Europa e, desta forma, numa posição única para apresentar seus trabalhos a eles e relatar de volta seus comentários e críticas. Em novembro de 1627 Descartes participa de um debate na residência do núncio papal. Após alguém expor uma nova filosofia, ele fez um aparte em sucinta argumentação, baseada em raciocínio afim com os métodos de prova matemáticos, confundindo e refutando o postulante. Sua tese causou viva impressão no cardeal De Bérulle, o fundador da congregação do Oratório.
De Bérulle era o líder da reação católica contra o Calvinismo. O cardeal exorta-o a se consagrar à reforma da filosofia. Insistiu que Descartes assumisse o dever de utilizar seus talentos ao máximo e completasse o desenho que havia alí delineado para sua audiência. Foi incisivo ao ponto de adverti-lo de que responderia perante Deus se não utilizasse os dons Dele recebidos. Todos os presentes ficaram profundamente impressionados: o nome do jovem filósofo começou a ficar conhecido.
O conselho do Cardeal de Bérulle correspondia exatamente aos sentimentos mais íntimos de Descartes. Dedica-se a escrever, em 1628, o Studium bonae mentis ("Regras para a Direção do Espírito"), obra que se perdeu. Então, convencido de que necessitava de paz e quietude para realizar seu trabalho e que, por outro lado, Paris era muito agitada, pensou um novo local onde se fixar. As viagens à cata de experiências haviam terminado: era tempo de por em escrito os resultados de seu contacto com o mundo e de suas próprias meditações.
Holanda
No outono de 1628, aos 32 anos, ele passou uns poucos meses no norte da França mas, no balanço das opções, decidiu-se pela Holanda como a terra que melhor se adaptava à realização de seus planos. Aparentemente nunca se arrependeu. Na Holanda, desde que cuidasse de sua própria vida e não se metesse com os calvinistas dominantes, encontrou uma elite que vivia pelos padrões sociais mais altos da época, um panorama político intenso e aventureiro e liberdade para escrever. Essa liberdade atraia cientistas e filósofos de toda a Europa. Avistou-se com Beeckman em Dordrecht e depois se instalou em Franeker, no litoral da Friesland; fez prontamente vários amigos, particularmente Constantyn Huygens, pai do futuro cientista Christian Huygens (1629-1695).
Manteve contacto também com Hortensius e Van Schooten (o velho). Lá podia gozar períodos de trabalho solitário e ainda manter contacto com amigos por meio de visitas e correspondência. Por quatro anos, de 1629 para a frente, Descartes gastou seu tempo primeiro buscando a consolidação de um método, segundo o qual, partindo da dúvida absoluta pudesse chegar à mais absoluta certeza. Depois ateve-se ao estudo de diferentes ciências, as quais, unificadas pelo novo método, levariam a um esquema universal de conhecimento. Escreveu inicialmente um tratado não publicado, sobre metodologia chamado "Regras para a Direção do Espírito" (abreviado geralmente como o Regulae). Este tratado, incompleto e apenas rascunhado, com repetições e inconsistências, foi composto por Descartes durante os meses de inverno de 1629 e no ano seguinte. Possivelmente nunca pretendido para publicação ele pode ter sido usado por Descartes como caderno de notas para futuras referências. Leva avante sua pesquisa em ciências físicas e matemáticas trocando informações com amigos, freqüentemente através de cartas, especialmente com o padre Mersenne e mesmo sozinho, nos diferentes endereços que teve na Holanda.
A pesquisa cobria muitos campos: ótica, a natureza da luz, as leis da refração e meteorologia (explicação do arco-íris), a natureza e estrutura dos corpos materiais, o ar a água a terra, matemática especialmente geometria. Fez estudos de anatomia e de fisiologia dissecando diferentes órgãos que obtinha nos açougues locais.
Inventou o termo embriogenia para o que agora é chamado embriologia.
Era ambição de Descartes publicar um trabalho abrangente que ele intitula o "Mundo" (Le Monde, ou Traité de la Lumière).
Por volta de 1633 ele tinha quase completado o rascunho quando então soube, por uma carta de Mersenne, que o astrônomo Galileu tinha sido condenado em Roma pela igreja católica por advogar o sistema de Copérnico. Beeckman lhe passou um livro de Galileu, no qual ele reconheceu muitas de suas próprias conclusões, particularmente seu apoio à teoria coperniana do movimento da terra ao redor do sol. Apesar de não estar se arriscando a nenhum perigo físico na Holanda, ele foi suficientemente prudente para não publicar seu trabalho. Nem sequer mandou o manuscrito para Mersenne. Mas continuou com uma inabalável convicção a respeito da verdade das conclusões de Galileu. Descartes foi, no entanto, pressionado pelos seus amigos para publicar suas idéias. Escreveu um tratado de ciência expondo um método de se chegar à verdade e decidiu publicá-lo anonimamente. Nessa obra intitulada Discours de la méthod pour bien conduire sa raison et chercher la vérité dans les sciences ("Discurso sobre o Método para Bem Conduzir a Razão a Buscar a Verdade Através da Ciência"), o novo método é exposto em termos simples e com menos ênfase à matemática, com uma introdução sobre alguns traços autobiográficos, relatando seu método e doutrina filosófica. Essa se tornou sua mais famosa obra. Os três apêndices desta obra foram La Dioptrique, Les Météores, e La Géométrie. O tratado foi publicado em Leyden em 1637 e Descartes escreveu para Mersenne dizendo que havia buscado no seu La Dioptrique e no seu Les Météores mostrar que o seu método era melhor que o vulgar, e no seu La Géométrie havia demonstrado isso. A obra descreve o que Descartes considerava um meio mais satisfatório de adquirir o conhecimento representado pela lógica aristotélica. Somente a matemática, Descartes sente, está certa; assim tudo deve ser baseado na matemática. La Dioptrique é um trabalho no sistema ótico e nele trata da lei da refração. Embora Descartes não cite cientistas precedentes para as idéias que apresenta; os fatos apresentados não são novos. Entretanto sua aproximação através da observação e da experiência era uma contribuição nova muito importante.
Les Météores é um trabalho de meteorologia e é importante por ser o primeiro trabalho que tenta colocar o estudo do tempo em bases científicas; busca uma explicação científica sobre o tempo, e inclui uma explicação do arco ires. Entretanto, muitas colocações científicas de Descartes estão não somente erradas como também poderiam ser evitadas se ele tivesse feito algumas experiências simples. Por exemplo, Roger Bacon, o monge franciscano inventor da pólvora estável, já havia demonstrado o erro da crença de que a água fervida congela mais rapidamente, entretanto Descartes reivindica ter comprovado, pela experiência, que a água que foi levada ao fogo por algumas horas se congela mais rapidamente do que de outra maneira e dá a razão: suas partículas que podem ser mais facilmente dobradas são expulsas durante o aquecimento, deixando somente aquelas que são rígidos e facilitarão o congelamento. Após a publicação do Les Météores a obras de Boyle, Hooke e Halley se encarregaram de contestar e corrigir suas postulações falsas.
O terceiro, La Geometrie, talvez cientifica e historicamente o mais importante, introduz as famosas "coordenadas cartesianas", - que teriam sido assim batizadas por G. W. Leibniz, e lança os fundamentos da moderna geometria analítica usando a notação algébrica para tratar os problemas geométricos. Obra escrita em francês, o que era pouco comum, pois tudo era escrito em Latim, a língua comum de todos os trabalhos eruditos, O "Discurso" visava, evidentemente, ter sua divulgação circunscrita ao mundo cultural francês. Segundo ele, o raciocínio silogístico no qual a filosofia escolástica está baseada pode ser rejeitado como inútil para a descoberta da verdade. Todo homem que é são tem a habilidade natural de discernir o verdadeiro do falso, uma luz natural da razão. Somente descobrindo a natureza e o limite desse poder alguém pode determinar o modo correto de usar essa habilidade. Isso implica, em primeiro lugar, a eliminação de qualquer fator que possa constituir um estorvo, tal como é a opinião preconcebida de qualquer tipo e, em segundo lugar, a prática estrita de um método ordenado como é encontrado, por exemplo, nas ciências matemáticas. Assim deve-se começar de dados auto evidentes que já são sabidos ser claros e verdadeiros e fazer duplamente seguro e certo que cada passo no processo dedutivo deste dado seja ele próprio auto evidente. A despeito da anonimidade do "Discurso", o nome do autor e suas teorias logo se tornaram conhecidos nos círculos ilustrados da Europa. Seu dito "Penso, logo existo" tornou-se prontamente popular entre os franceses, uma gente nacionalmente amante de frases de efeito. Porém, foram os ensaios científicos das três partes que atrairiam a atenção dos matemáticos e provocariam muita controvérsia. Ainda em 1637 Descartes começa a preparar o "Meditações sobre a filosofia primeira", uma versão pouco modificada do "Discurso" escrita em latim e dirigida aos filósofos e teólogos, que vai explorar o êxito da parte filosófica do Discurso. Por isso o "Meditações" constitui a principal exposição da doutrina filosófica de Descarte.
A diferença mais notável é da dúvida metodológica que é levada ainda mais longe para incluir a hipótese de um demônio, maligno e onipotente, que poderia fazer com que todas as coisas que alguém pensasse existir fossem apenas ilusão. Consistia de seis meditações: 1. Das coisas de que podemos duvidar, 2. Da Natureza do Espírito Humano, 3. De Deus, que Ele existe; 4. Da verdade e do Erro, 5. Da Essência das coisas materiais, 6. Da existência das coisas materiais e da verdadeira distinção entre o espírito e o corpo do homem.
O manuscrito final foi enviado ao seu correspondente Mersenne com o encargo de conseguir a aprovação formal da Sorbone, bem como, conquistar também as opiniões dos eruditos. Muitos cientistas se opuseram às idéias de Descartes, inclusive o teólogo Arnauld, o filósofo inglês Hobbes e o matemático e filósofo francês Gassendi. Mersenne reuniu essas opiniões críticas e enviou-as a Descartes, o qual rascunhou respostas irritadas e relutantemente. Finalmente em 1640 o "Respostas" com as objeções e réplicas foi publicado em Paris. Entre 1638 a 1640 Descartes vive na pequena cidade de Santpoort, com sua amante holandesa Helen e sua filha nascida em 1635 com essa mulher, antes sua empregada doméstica. Para sua grande mágoa, a criança faleceu em 1640. Se a publicação das "Meditações" trouxe para Descartes renome como um famoso filósofo, também o envolveu direta ou indiretamente em amargas controvérsias de conotações teológicas. Na própria Holanda, o presidente da Universidade de Utrecht (ao sul de Amsterdã) acusou-o de ateísmo e Descartes foi, de fato, condenado pelas autoridades locais em 1642 e em 1643. Descartes pediu o apoio de Huygens e, através dele e do embaixador francês, obteve a proteção do Príncipe de Orange, o que evitou conseqüências piores. Em 1644 aparece em Amsterdã o Principia Philosophiae ("Princípios da Filosofia"), um livro em grande parte dedicado à física, especialmente às leis do movimento e à teoria dos vórtices, o qual ele ofereceu à princesa Elizabete da Boêmia, com a qual Descartes mantinha assídua correspondência. Haviam se encontrado em 1643 e uma amizade afetuosa se desenvolveu entre eles. É de então o início de seu trabalho no futuro "Tratado das Paixões".
O reboliço causado pelo " Princípios da Filosofia " foi tão grande que, em 1645, a universidade de Utrecht criou um armistício proibindo a publicação de qualquer trabalho a favor ou contra a doutrina cartesiana. Em Leyden, em 1647, outro ataque incluindo uma acusação de pelagianismo (a crença de que a vontade é igualmente livre para escolher fazer o bem ou o mal) produz um decreto semelhante de censura neutra. Na França os jesuítas, com algumas exceções entre os mais jovens, deram acolhimento frio ao trabalho do antigo aluno. "Princípios de Filosofia" foi traduzido do latim para o francês em 1647, durante uma curta visita de Descartes à França, Ele esperava que um relato mais formalizado da totalidade do seu pensamento científico pudesse receber o apoio dos círculos católicos, especialmente dos jesuítas, porém, sua esperança foi em vão e os jesuítas inicialmente rejeitaram o cartesianismo. Seu trabalho foi colocado no índex, lista católica dos livros proibidos. Apesar de tudo recebeu do rei, por iniciativa do ministro Mazarino, regente na menoridade de Luís XIII, uma pensão vitalícia em honra de suas descobertas matemáticas, a qual ele não se empenhou em receber. Este mais abrangente dos trabalhos de Descartes foi publicado em quatro partes: As suas doutrinas filosóficas são formalmente repetidas na primeira parte, "Os princípios do conhecimento humano". As outras três partes são uma ampla tentativa de dar uma explicação lógica dos fenômenos naturais em um único sistema de princípios mecânicos, através de todo o campo da física, da química, e da fisiologia: "Os princípios das coisas materiais", "Do mundo visível" e "A Terra", como tentativa de, finalmente, por todo o universo sobre fundamentos matemáticos reduzindo o seu estudo à Mecânica.
As doutrinas de Princípios de Filosofia foram recebidas com desconfiança. Mesmo os adeptos de sua filosofia natural, como o metafísico e teólogo Henry More, encontraram objeções. Certamente More admirava Descartes, entretanto, entre 1648 e 1649 trocaram um certo número de cartas em que More fez várias objeções a suas afirmações. Descartes, por sua vez, não fez nenhuma concessão aos pontos de vista de More em suas respostas. Historicamente a importância do Princípios de Filosofia está na total rejeição de toda noção qualitativa ou espiritual nas explanações científicas. A determinação expressa de explicar todo fenômeno físico em termos mecânicos e relacionar esses termos a idéias geométricas e o uso de hipóteses para ajudar generalizações, abriu caminho para a abordagem moderna da teoria científica.
Final
Na França, em 1647, Descartes se encontrou com Pascal e discutiram sobre o vácuo, cuja existência era necessária ao postulado da influência à distância. Resultou a famosa experiência de Pascal, provando que o ar exerce pressão sobre todos os objetos. Sua última visita a Paris, em 1648, permitiu-lhe rever ainda uma vez alguns de seus famosos contemporâneos, entre eles Gassendi e Hobbes, este exilado em Paris desde 1640, e, é claro, seu amigo Mersenne, que haveria de morrer em breve. Montmor ofereceu-lhe uma casa nas proximidades de Paris e uma pensão valiosa que ele recusou, a qual mais tarde Montmor transferiu para Gassendi que, por não dispor de rendas pessoais como Descartes, aceitou para poder se manter.Uma cópia manuscrita do Tratado das Paixões foi para a Raínha Cristina da Suécia, quem, desde 1647, através do embaixador francês, tinha obtido os trabalhos de Descartes e começou a escrever para ele. Uma ambiciosa patronesse das artes e coletora de homens instruídos para sua corte, ela estava ansiosa para conhecer o celebrado Descartes, com o plano de naturaliza-lo sueco, introduzi-lo na aristocracia sueca e dar-lhe uma propriedade em terras que havia tomado à Alemanha. Mas, a despeito de pressionantes convites, inclusive o envio de um almirante em seu vaso de guerra para busca-lo, Descartes estava extremamente relutante em deixar Egmond, uma vila um pouco a noroeste de Amsterdã, onde residia então. Descartes ofereceu desculpas de todo tipo, sugerindo que era suficiente ler seus livros. Finalmente ele aceitou e, como próprio escreveu, nascido nos jardins da Touraine, ele foi para a terra dos ursos entre rochas e gelo. Chegando em Estocolmo em outubro de 1649, Descartes foi recebido com grande cerimônia e ficou impressionado pela determinação e energia da rainha de 23 anos de idade e sua devoção aos estudos clássicos. Dispensado da maior parte do cerimonial da corte, exceto de escrever versos franceses para um ballet, sua obrigação principal era instruir a rainha em matemática e filosofia. O horário da aula era cinco horas da manhã, o que o obrigou a quebrar o hábito de se levantar diariamente por volta das 11 horas. No clima rigoroso, onde, nas palavras do filósofo, os pensamentos do homem congelam-se durante os meses de inverno, sua saúde deteriorou. Em Fevereiro de 1650, ele pegou um resfriado que se transformou em pneumonia. Dez dias depois, após receber os últimos sacramentos, faleceu.
Descartes foi, como um católico, enterrado em cemitério reservado para crianças não batizadas. Em 1667, seus restos foram trasladados para Paris e enterrados na igreja de Santa Genieve-du-Mont. Desenterrado durante a Revolução francesa para ser enterrado entre os pensadores franceses ilustres no Panteón, seu túmulo esta hoje na igreja de St. Germain-des-Près. Além de seus escritos publicados ou apenas rascunhados, Descartes deixou uma correspondência volumosa e de grande valor documental, principalmente a correspondência com Mersenne e com Antoine Arnauld. Ela cobre uma variedade de campos, desde a geometria às ciências políticas, medicina à metafísica e, principalmente, sobre os problemas da interação do corpo com o espírito, buscando aspectos mecânicos e fisiológicos que pudessem explica-la.
Pensamento de Descartes
A maior parte da obra de Descartes é consagrada às ciências, notadamente no domínios da matemática e da ótica. Entretanto, o que ele mais procurou foi um modo de chegar a verdades concretas. Sua filosofia, exposta principalmente no Discurso sobre o Método, o mais amplamente lido de todos os seus trabalhos, é a proposta de meios para tal. Descartes parte da dúvida chamada metódica, porque ela é proposta como uma via para se chegar à certeza e não da dúvida sistemática, sem outro fim além do próprio duvidar. Argumenta que as idéias são incertas em geral e instáveis, sujeitas à imperfeição dos sentidos (marca registrada do Racionalismo). Algumas idéias, porém, se apresentam ao espírito com nitidez e estabilidade, e ocorrem a todas as pessoas da mesma maneira, independentes das experiências dos sentidos. Isto significa que são idéias inatas. Descartes considera essas idéias claras, distintas, e inatas e vai demonstrar que essas são as verdadeiras idéias. A primeira idéia que examina é a do próprio Eu. Desta idéia, diz êle, não se pode duvidar. É a idéia do próprio Eu pensante, enquanto pensante. E então conclui com sua célebre frase: "Penso, logo existo". É considerado muito provável que Campanella tenha inspirado a Descartes sua célebre frase. Campanella foi o primeiro filósofo moderno a estabelecer a dúvida universal como ponto de partida para o pensar verdadeiro, considerando também a autoconsciência como base do conhecimento e da certeza. Apesar do Discurso de Descartes ter saído antes da Metafísica de Campanella (1638), o próprio Descartes dizia ter lido obras de Campanella, nas quais este deduzira vir da autoconsciência a certeza da própria realidade. Mas, Descartes pondera a idéia da existência como coisa pensante ("Penso, logo existo") e não traz nenhuma certeza sobre qualquer idéia do mundo físico. De todo esse raciocínio Descartes saiu com apenas uma única verdade; a de que ele existe. E isto não basta para encontrar a verdade sobre o universo. Uma de suas idéias considerada inata, clara e evidente e que é exigida pelo mundo físico é a idéia da extensão. Esta idéia sugere questionar se o mundo existe ou é uma ilusão, apenas imaginação? Tenho várias idéias com grande nitidez e estabilidade e delas compartilho com muitas pessoas, mas nada me garante que não estejamos todos enganados. Essa idéia existe no espírito humano como a idéia de algo dotado de grandeza e forma: é fundamental à geometria e torna provável a existência dos corpos, a existência dos objetos e do mundo. Porém, apesar de clara e distinta, a idéia de extensão não é garantia de que os objetos correspondam às idéias que deles fazemos.O problema está em encontrar uma garantia de que a tais idéias de objetos correspondam efetivamente algo real. Sobre Deus Descartes consedira também termos uma idéia. A garantia que Descartes dá para a existência de Deus é que nenhum ser imperfeito ou finito, sendo igual ao homem, poderia ter produzido a idéia de um ser infinito e perfeito; somente Deus poderia ter revelado isto ao homem, como "a marca do artista impressa em sua obra". Portanto, conclui no Discurso sobre o Método, a idéia de Deus implica a real existência de Deus. Voltemos então à noção de idéia clara, distinta e inata da extensão. Se a percepção que temos da extensão não correspondesse a uma realidade extensa, isso significaria que o espírito humano estaria sempre errado, e então essa idéia de extensão seria obra de um gênio maligno, incompatível com a idéia de um Deus bom e verdadeiro. Se Deus existe como ser perfeitíssimo, Ele é bom e verdadeiro; não pode permitir o erro sistemático do espírito humano. Porque Deus é perfeito, Ele é bom, e então a imagem do mundo exterior não é uma ficção. Eu tenho a certeza de que penso, e de que indubitavelmente existo porque sou essa coisa que pensa e Deus é a garantia de que aquilo que penso deve existir como coisa física. Portanto, as idéias claras e distintas correspondem de fato à realidade, elas não são a armadilha de um gênio enganador e perverso.
Outro aspecto importante da filosofia de Descartes é sua concepção do homem em uma dualidade corpo-espírito.
O universo consiste de duas diferentes substâncias: as mentes, ou substância pensante, e a matéria, a última sendo basicamente quantitativa, teoreticamente explicável em leis científicas e fórmulas matemáticas.
Só no homem as duas substâncias se juntaram em uma união substancial, unidas porém delimitadas, e assim Descartes inaugura um dualismo radical, oposto da consubstancialidade ensinada pela escolástica tomista.
Ele também rejeita a visão escolástica de que existe uma distinção entre vários tipos de conhecimento baseados na diversidade dos objetos conhecíveis, cada um com seu conceito fixo. Para ele o poder de conhecer é sempre o mesmo, qualquer que seja o objeto ao qual seja aplicado. Bem aplicado pode chegar à verdade e à certeza, mal aplicado vai cair no erro ou dúvida. A mente, em muitas de suas atividades, é dependente do corpo: a paixão, ou seja, aquilo que é sentido, é uma ação sobre o corpo. Fisiologicamente, Descartes colocou o centro da interação entre as duas substâncias na glândula pineal, convencido de que o aspecto geométrico de sua posição anatômica, - um pequeno corpo localizado centralmente na base do cérebro -, indicava uma função nobre, porém sem nada saber de sua atividade fisiológica por muito tempo desconhecida pela ciência. Alguns dão a Descartes a distinção de haver fundado a psicologia fisiológica, porque foi ele que explicou o comportamento de animais inteiramente em bases de funções mecânicas do sistema nervoso, negando que tivessem almas. Ele também propôs uma teoria que explicava a percepção visual de distancia, forma e tamanho, em termos de indicações secundárias. Descartes reconhece o corpo humano como a mais perfeita das máquinas (mecanicismo); trabalha por impulsos naturais (instintos), mas os efeitos destes instintos automáticos e desejos podem ser controlados ou modificados pela mente, pelo poder de vontade racional. A higiene do corpo é importante mas há, igualmente, a necessidade de uma higiene mental, baseada no conhecimento verdadeiro dos fatores psicológicos que condicionam o comportamento. A mente necessita do treinamento do bom senso e da aquisição de sabedoria, o que por sua vez depende do conhecimento das verdades da metafísica, entre as quais, inclui o conhecimento de Deus. Descartes assim conclui que a atividade moral está baseada no conhecimento verdadeiro dos valores, ou seja, em idéias garantidas por Deus, claras e distintas, sobre o valor relativo das coisas.O seu Método para o raciocínio correto é principalmente "nunca aceitar qualquer coisa como verdade se essa coisa não pode ser vista clara e distintamente como tal". Descartes assim implica a rejeição de todas as idéias e opiniões aceitas até ser convencido por fatos auto evidentes.
Outro preceito cartesiano é conduzir os pensamentos em ordem, começando com os objetos que são os mais simples e fáceis de saber e, gradualmente, preocupar-se com o conhecimento dos mais complexos. Recomenda recapitular a cadeia de raciocínio para se estar certo de que não há omissões. Propõe também preceitos metodológicos complementares ou preparatórios da evidência: 1. O preceito da análise que divide as dificuldades que se apresentem em tantas parcelas quantas sejam necessárias para serem resolvidas, 2. O preceito da síntese que conduz com ordem os pensamentos, começando dos objetos mais simples e mais fáceis de serem conhecidos, para depois tentar gradativamente o conhecimento dos mais complexos e 3. O preceito da enumeração que enumera de modo a verificar que nada foi omitido.
Classificação das Ciências
Em Princípios da Filosofia, Descartes classifica as ciências quanto à sabedoria ou grau de clareza e nitidez de idéias possível de se atingir em cada uma delas. A ciência, ele diz, pode ser comparada a uma árvore; a metafísica é a raiz, a física é o tronco, e os três principais ramos são a mecânica, a medicina e a moral, estes formando as três aplicações do nosso conhecimento, que são, o mundo externo, o corpo humano, e a conduta da vida. Mas os conhecimentos científicos não bastam a si mesmos: o tronco da física sustenta-se em raízes metafísicas. É o Bom Deus quem garante o conhecimento científico, porque garante as idéias claras. A física cartesiana resulta, assim, de deduções racionais abstratas: Deus existe e serve de apoio para retirar do domínio da dúvida o conhecimento que é claro e evidente. O mundo físico está de antemão provado por uma idéia inata, a de extensão, que é a essência da corporeidade. Deus garante que idéias claras da realidade têm correspondência na realidade, Deus torna os objetos inteligíveis e os sujeitos capazes de intelecção, mas há que vencer a imperfeição do homem, cujas impressões sensíveis vem de fora e são deformadas.
Geometria
O La Géométrie é a parte mais importante do Discurso. Ele representa o primeiro passo para uma teoria dos invariantes, que em estágios posteriores desrelativisa o sistema de referencia e remove arbitrariedades; a álgebra faz possível reconhecer os problemas típicos na geometria. A álgebra introduz na geometria os princípios mais naturais da divisão e a mais natural hierarquia do método. Com ela as questões de solvabilidade e possibilidade geométricas podem ser resolvidas elegantemente, rapidamente e inteiramente da álgebra paralela; e sem ela não podem ser decididas de modo algum. Realmente, o grande avanço feito por Descartes foi criar uma fórmula algébrica para representar um fato trivial e infantilmente já conhecido por todos; de que um ponto em uma folha de papel retangular está infalivelmente, como é evidente, onde as duas linhas de suas duas distancias medidas perpendicularmente a duas margens adjacentes da folha, se encontram. Em linguagem geométrica, isto quer dizer que um ponto em um plano pode ser representado pelos valores (hoje chamados "coordenadas cartesianas") das suas duas distâncias (x, y), tomadas perpendicularmente a dois eixos que se cruzam em ângulo reto nesse plano, com a convenção de lado positivo e negativo para um e outro lado do ponto de cruzamento dos eixos. Então uma equação f (x,y) = 0 pode ser satisfeita por um infinito número de valores de x e y. O importante é que esses valores de x e y podem representar as coordenadas de vários pontos de uma curva, da qual a referida equação expressa alguma propriedade geométrica, isto é, a propriedade verdadeira da curva em cada ponto dela. Por exemplo, o gráfico da função f (x) = x2 consiste de todos os pares (x, y) tais que y=x2, ou seja, é a coleção de todos os pares (x, x2), como (1,1), (2, 4), (-1, 1), (-3, 9), etc. A curva resulta ser uma parábola. Qualquer propriedade particular desta curva pode ser deduzida da equação, sem necessidade de se fazer o desenho da curva para encontrar os pontos graficamente, e duas ou mais curvas podem ser referidas a um e mesmo sistema de coordenadas; o ponto no qual duas curvas intersectam é determinado pela raiz comum às suas duas equações. E isto é geometria analítica, sua invenção. Um de seus críticos diz que algumas idéias no La Géométrie podem ter vindo de um trabalho anterior de Oresme mas reconhece que no trabalho de Oresme não há nenhuma evidência de ligar a álgebra e a geometria. Wallis, um contemporâneo de Descartes, argumenta em sua Álgebra (1685), que as idéias do La Géométrie foram copiadas do trabalho de Harriot sobre equações. Isto é considerado possível pelos historiadores da matemática, apesar de que Descartes sempre alegou que nada em sua obra era influência do trabalho de outros.
Ótica e Universo
Dos dois restantes apêndices do Discurso, um era devotado à ótica, outro a natureza. Seu maior interesse está nas leis da refração, coincidentes no entanto com os achados de Snell, cujos experimentos originais Descartes deve ter repetido em Paris, em 1626 e 1627 e, provavelmente se esqueceu de mencionar. Grande parte da ótica está dedicada a determinar a melhor forma para as lentes de um telescópio, mas as dificuldades mecânicas para polir uma superfície de vidro até uma forma requerida eram tão grandes naquela época que tornavam essas pesquisas de pouca utilidade prática. De qualquer forma, os eescritos de Descartes revelam que estava em dúvida se os raios de luz procediam do olho e tocavam os objetos, como supunham os gregos, ou se, ao contrário, procediam do objeto e afetavam o olho. Porém, como ele considerava a velocidade da luz ser infinita, ele não considerou esse ponto particularmente importante. Em Meteoros, Descartes discute numerosos fenômenos atmosféricos, inclusive o arco-íris, que não explica corretamente por ignorar fatos importantes relativos ao índice de refração das substâncias para diferentes cores de luz.. Sua física do universo, de base metafísica, reunindo muito do que havia preparado para o não publicado Le Monde, encontra-se exposta no seu Principia, de 1644. Descartes não acredita em ação à distância. Conseqüentemente, não podia admitir haver vácuo em torno da terra e sim alguma matéria que seria o meio pelo qual as forças poderiam ser transferidas. A mecânica de Descartes supõe o universo cheio com alguma matéria que, devido a algum movimento inicial, se estabeleceu como um sistema de vórtices que carregam o sol, as estrelas, os planetas e seus satélites, e os cometas em seus trajetos.Por muitas razões a teoria de Descartes, é mais satisfatória do que o efeito misterioso da gravidade agindo a distância. Ele assume que a matéria do universo tem que estar em movimento, e que o movimento deve resultar em diversos vórtices. Sustenta que o Sol está no centro de um imenso redemoinho de matéria, no qual os planetas flutuam e são arrastados em círculo como palhas em um redemoinho de água. Supõe que cada planeta está, por sua vez, no centro de um redemoinho secundário no qual os seus satélites são carregados em órbita. Estes redemoinhos secundários supostamente produzem variações de densidade no meio que os circunda e assim afetam o redemoinho primário principal, fazendo os planetas se moverem em elipses e não em círculos. De acordo com essa concepção, o Sol estaria no centro das elipses planetárias e não em um de seus focos, como Kepler havia demonstrado. Newton, em 1687, examinou sua teoria e verificou que não apenas estava em desacordo com as leis de Kepler mas também com as leis fundamentais da mecânica. No entanto, apesar de seus defeitos, a teoria dos vórtices marca um momento na astronomia, porque foi uma tentativa feita, antes de Newton, de explicar todo o universo por leis mecânicas conhecidas na terra e não milagres do céu.More pergugntou a Descartes: "Por que os seus vórtices não são em forma de coluna ou cilindro (como um ciclone) em vez de elipses, desde que, tanto quanto eu entendo, qualquer ponto do eixo de um vortex é como se fosse o centro do qual a matéria celestial se afasta com um ímpeto inteiramente constante?" Mas Descartes não lhe deu resposta. Apesar dos problemas com a teoria dos vórtices, ela dominou na França por quase cem anos, mesmo depois que Newton mostrou que ela era impossível como um sistema dinâmico. Embora não aplicável ao sistema planetário, provou ser verdadeira quando se descobriu a forma das galáxias que revolvem ao redor de um burado negro que é um vórtice.
Ballone GJ - René Descartes - in. PsiqWeb - Psiquiatria Geral - Internet, 2000 disponível em http://sites.uol.com.br/gballone/hlp/descartes.html
Esta página é um resumo de "René Descartes" in. Filosofia Moderna - Rubem Queiroz Cobra Cobra, Rubem Q. - René Descartes. Página de Filosofia Moderna, Geocities, Internet, 2000. http://www.geocities.com/Athens/7880/

Sob Velha Direção


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Ética e Moral

Ética e Moral são conceitos comumente relacionados, cujos limites se confundem, tornando-se difícil estabelecer onde termina a ética e começa a moral.

De forma incompleta, se pode dizer que a moral pode ser definida como ciência especulativa, consubstanciada em normas prescritivas que regem os comportamentos sociais, dizendo como os cidadãos devem agir valorativamente. Neste sentido, a moral tem caráter teórico.

A ética, tal como os gregos antigos concebiam, diz respeito ao foro íntimo de cada cidadão, tendo por base a liberdade de escolha: só se pode falar em comportamento ético quando não há constrangimento e coerção do agir. Neste sentido, a ética se vincula à prática, e tem por juíz a própria consciência de quem executa a ação.

Contudo, somos herdeiros do pensamento cristão, que atribui uma consciência exterior ao homem, representada por Deus Trino Onipotente, que não só conhece nossos atos como julga nossas intenções. A consciência ética, a partir de então, funda-se na escolha que fizermos sempre referida a outro que é exterior a nós mesmos, quer seja ele Deus ou nossos semelhantes.
Marco Antonio Separavich
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