quarta-feira, 30 de julho de 2008
A Cosmologia Aristotélica
Uma questão geral da física aristotélica, como filosofia da natureza, é a análise dos vários tipos de movimento, mudança, que já sabemos ser passagem da potência ao ato, realização de uma possibilidade. Aristóteles distingue quatro espécies de movimentos:
1. Movimento substancial - mudança de forma, nascimento e morte;
2. Movimento qualitativo - mudança de propriedade;
3. Movimento quantitativo - acrescimento e diminuição;
4. Movimento espacial -mudança de lugar, condicionando todas as demais espécies de mudança.
Outra especial e importantíssima questão da física aristotélica é a concernente ao espaço e ao tempo, em torno dos quais fez ele investigações profundas. O espaço é definido como sendo o limite do corpo, isto é, o limite imóvel do corpo "circundante" com respeito ao corpo circundado. O tempo é definido como sendo o número - isto é, a medida - do movimento segundo a razão, o aspecto, do "antes" e do "depois". Admitidas as precedentes concepções de espaço e de tempo - como sendo relações de substâncias, de fenômenos - é evidente que fora do mundo não há espaço nem tempo: espaço e tempo vazios são impensáveis.
Uma terceira questão fundamental da filosofia natural de Aristóteles é a concernente ao teleologismo -finalismo - por ele propugnado com base na finalidade, que ele descortina em a natureza. "A natureza faz, enquanto possível, sempre o que é mais belo". Fim de todo devir é o desenvolvimento da potência ao ato, a realização da forma na matéria.
Quanto às ciências químicas, físicas e especialmente astronômicas, as doutrinas aristotélicas têm apenas um valor histórico, e são logicamente separáveis da sua filosofia, que tem um valor teorético. Especialmente célebre é a sua doutrina astronômica geocêntrica, que prestará a estrutura física à Divina Comédia de Dante Alighieri.
Extraido de: http://www.mundodosfilosofos.com.br/aristoteles4.htm
segunda-feira, 28 de julho de 2008
Percepção e Linguagem em Merleau-Ponty e Wittgenstein.
Tania Eden
Em sua última obra intitulada O Visível e o Invisível, Merleau-Ponty toca numa ferida da assim chamada virada linguística: "só conseguimos reduzir a filosofia a uma análise da linguagem se assumirmos que a linguagem contém sua evidência em si mesma" (Merleau-Ponty 1986, pg. 131). A linguagem é um instrumento de concepção do mundo, mas sua função de deduzir esse mundo não se esgota naquilo que pode ser obtido a partir de uma análise dos nossos significados de palavras lexicais. Como diz Austin, uma análise da linguagem não é de modo algum considerada como um fim em si mesmo. Uma "fenomenologia da linguagem" deve levar em conta o fato de que as distinções linguísticas são provenientes de um procedimento de escolha histórico, i.e., "um longo teste de sobrevivência do mais apto" que nos ensina, na discussão incessante com o mundo à nossa volta, a colocar em ação o instrumento ‘linguagem’ do modo mais eficiente possível (Cf. Austin 1977). O conhecimento, na relação recíproca homem/mundo, que não é adequadamente concebido nem como resultado do uso de dados empíricos nem através da suposição de uma natureza determinada racionalmente, torna necessário, para Merleau-Ponty (cf. Merleau-Ponty 1966, pg. 489), um novo conceito de sentido e de ação que se apõe tanto ao idealismo linguístico quanto ao esquema behaviorista estímulo-resposta. Sentido e significado não estão ligados a realizações linguísticas; antes, eles são imanentes a todos os modos de ação e vivência. Na medida em que a teoria da Gestalt, através da diferenciação entre figura e fundo, aponta para os trabalhos de formação e estrururação pré-linguísticos, ela se configura como paradigmática para a tentativa de esboçar uma genealogia do significado linguístico. Diante desse pano de fundo, a discussão de Wittgenstein - na segunda parte das Investigações Filosóficas e nas Considerações sobre a Filosofia da Psicologia -, sobre a apresentação da psicologia da Gestalt de Köhler (Köhler 1975), adquire um significado especial.
(1) Já na Estrutura do Comportamento, Merleau-Ponty reduz a concepção de comportamento à consciência perceptiva (MP 1976). Uma teoria do comportamento sem uma teoria da percepção é impensável. Entre uma estrutura de comportamento e uma de percepção existe uma relação de reciprocidade: o espaço do comportamento humano está, de um lado, limitado pela percepção, que media a nossa relação com o mundo e se constitui no pano de fundo ineliminável de todas as nossas atividades. Por outro lado, o campo da percepção, que se aperfeiçoa apenas através do nosso agir vivente, oferece orientações. Para Merleau-Ponty, o corpo individual é aquela zona de mediação na qual o limite entre o interno e o externo, entre o puro ato de consciência e o mero mecanismo corporal se confundem. O conceito de estrutura da teoria da Gestalt confirma a ambigüidade. Estruturas não são nem idéia nem coisa. Elas se organizam espontaneamente em totalidades irredutíveis, que são constitutivas de significado, mas não significados intelectuais. Numa perspectiva merleau-pontiana, as seguintes questões críticas podem ser dirigidas a Wittgenstein: o discurso do ‘comportamento’ resiste à ‘retificação’ social, enquanto expressão quasi-naturalista das vivências psíquicas, sem levar em conta o fato de que também "o nosso agir, que se funda no jogo de linguagem" (Über Gewissheit, parag. 204), encontra um limite naqueles horizontes e perspectivas que são representadas pela percepção? Uma teoria da percepção não poderia, ao contrário, contribuir para especificar mais detalhadamente a relação entre jogo de linguagem e forma de vida?
(2) Inversamente, a teoria do "sentido encarnado" (Waldenfels 1983, cap. 3.) de Merleau-Ponty poderia se enriquecer se a ela subjazer uma crítica analítica da linguagem. Merleau-Ponty também fala daquilo que gira em torno de conexões funcionais entre os organismos e o seu meio ambiente, a saber, a intencionalidade. A ela corresponde o princípio básico de Husserl de uma intencionalidade "atuante", que não é uma intencionados de atos conscientes, mas sim que fundamenta uma "unidade natural, ante-predicativa do homem e do mundo" (MP 1966, pg. 15). Tendo em vista que Merleau-Ponty estende o âmbito do intencional ao agir motor, afetivo e sexual, o processo de constituição de sentido pode também ter lugar na espontaneidade corporal e substituir o ‘eu penso’ cartesiano pelo ‘eu posso’ originário (ibid., pg. 166). A concepção de uma intencionalidade fundada no corpo e perceptiva torna possível a Merleau-Ponty estabelecer um contínuo genealógico entre a organização física da percepção e sua interpretação simbólica e cultural (Metraux 1986, pg. 232). Esse uso inflacionário do conceito de intencionalidade faz com que conceitos como ‘sentido’ e ‘significado’ se tornem imprecisos, de modo que a desejada transição de um sentido concreto e corporal para o significado linguístico não possa mais ser realizada teoricamente. Uma teoria que associa uma função constitutiva de sentido a reflexos físicos e meras figuras corre o risco de confundir o sentido não-proposicional com o sentido proposicional de ‘perceber’. Wittgenstein deixa claro, com o exemplo do ‘ver-asepcto’, que uma tal confusão leva a dificuldades insolúveis. Se a afirmada auto-organização da percepção de si, por parte do teórico da Gestalt, fosse gerada a partir de algo como o significado, então teria de ser possível que alguém que conhece um coelho mas não um pato, diante da figura pato-coelho, considere ainda um outro aspecto à parte do ‘aspecto-coelho’, mesmo que ele não tenha nenhuma palavra para o segundo, i.e., o ‘aspecto-pato’ (Bemerkungen über die Philsophie der Psychologie, parte I, pg. 70). O discurso a partir de meras figuras corre o risco de contrariar o nosso uso ordinário da linguagem. A suposição de que eu percebo primeiramente um algo determinado não se harmoniza com o modo como nós usualmente conferimos expressão a nossas experiências visuais. Eu afirmo ver um coelho, não uma figura ou um objeto visual a partir do qual eu posso depois afirmar que fora um coelho o que, naquele momento, eu via na figura.
(3) Faz parte de uma teoria fenomenológica da intencionalidade que a experiência é uma transcrição do vivido atual e comum (Husserl 1963, parag. 20). A idéia de uma intencionalidade constitutiva de sentido, que se move em horizontes abertos de interpretações potenciais do percebido, corresponde à idéia de que o homem possui a capacidade de negação. Ele pode romper sistemas de regra existentes e criar novos. Isso vale também para a linguagem. O fato de que sinais linguísticos possam ser empregados de maneira imprevista é, por sua vez, constitutivo de significado. Novos jogos de linguagem podem modificar nossa forma de vida. Cada emprego de um conceito contribui para sua formação. A multiplicidade de possibilidades de uso de nossas relações com o meio linguístico dá margem à concepção de uma "linguagem atuante", que tanto cria algo de novo quanto se deixa ela própria ser provocada pelos dados e estimulada para essa atividade produtiva. Para Merleau-Ponty, aprende-se a conhecer uma tal linguagem efetiva ou atuante apenas de dentro e através da práxis (MP, 1986, pg. 168). E, de fato, Wittgenstein afirma na Gramática Filosófica que compreender uma linguagem significa ter presente o simbolismo com o qual a linguagem pode falar por si mesma.
in Casati, G. (et allia)(ed.) (1993): Philosophie und die cognitiven Wissenschaften, Kirchberg: Österreichischen Ludwig Wittgenstein Gesellschaft, pgs. 123-6.
Texto retirado de :http://www.cfh.ufsc.br/~wfil/tania.htm
(1) Já na Estrutura do Comportamento, Merleau-Ponty reduz a concepção de comportamento à consciência perceptiva (MP 1976). Uma teoria do comportamento sem uma teoria da percepção é impensável. Entre uma estrutura de comportamento e uma de percepção existe uma relação de reciprocidade: o espaço do comportamento humano está, de um lado, limitado pela percepção, que media a nossa relação com o mundo e se constitui no pano de fundo ineliminável de todas as nossas atividades. Por outro lado, o campo da percepção, que se aperfeiçoa apenas através do nosso agir vivente, oferece orientações. Para Merleau-Ponty, o corpo individual é aquela zona de mediação na qual o limite entre o interno e o externo, entre o puro ato de consciência e o mero mecanismo corporal se confundem. O conceito de estrutura da teoria da Gestalt confirma a ambigüidade. Estruturas não são nem idéia nem coisa. Elas se organizam espontaneamente em totalidades irredutíveis, que são constitutivas de significado, mas não significados intelectuais. Numa perspectiva merleau-pontiana, as seguintes questões críticas podem ser dirigidas a Wittgenstein: o discurso do ‘comportamento’ resiste à ‘retificação’ social, enquanto expressão quasi-naturalista das vivências psíquicas, sem levar em conta o fato de que também "o nosso agir, que se funda no jogo de linguagem" (Über Gewissheit, parag. 204), encontra um limite naqueles horizontes e perspectivas que são representadas pela percepção? Uma teoria da percepção não poderia, ao contrário, contribuir para especificar mais detalhadamente a relação entre jogo de linguagem e forma de vida?
(2) Inversamente, a teoria do "sentido encarnado" (Waldenfels 1983, cap. 3.) de Merleau-Ponty poderia se enriquecer se a ela subjazer uma crítica analítica da linguagem. Merleau-Ponty também fala daquilo que gira em torno de conexões funcionais entre os organismos e o seu meio ambiente, a saber, a intencionalidade. A ela corresponde o princípio básico de Husserl de uma intencionalidade "atuante", que não é uma intencionados de atos conscientes, mas sim que fundamenta uma "unidade natural, ante-predicativa do homem e do mundo" (MP 1966, pg. 15). Tendo em vista que Merleau-Ponty estende o âmbito do intencional ao agir motor, afetivo e sexual, o processo de constituição de sentido pode também ter lugar na espontaneidade corporal e substituir o ‘eu penso’ cartesiano pelo ‘eu posso’ originário (ibid., pg. 166). A concepção de uma intencionalidade fundada no corpo e perceptiva torna possível a Merleau-Ponty estabelecer um contínuo genealógico entre a organização física da percepção e sua interpretação simbólica e cultural (Metraux 1986, pg. 232). Esse uso inflacionário do conceito de intencionalidade faz com que conceitos como ‘sentido’ e ‘significado’ se tornem imprecisos, de modo que a desejada transição de um sentido concreto e corporal para o significado linguístico não possa mais ser realizada teoricamente. Uma teoria que associa uma função constitutiva de sentido a reflexos físicos e meras figuras corre o risco de confundir o sentido não-proposicional com o sentido proposicional de ‘perceber’. Wittgenstein deixa claro, com o exemplo do ‘ver-asepcto’, que uma tal confusão leva a dificuldades insolúveis. Se a afirmada auto-organização da percepção de si, por parte do teórico da Gestalt, fosse gerada a partir de algo como o significado, então teria de ser possível que alguém que conhece um coelho mas não um pato, diante da figura pato-coelho, considere ainda um outro aspecto à parte do ‘aspecto-coelho’, mesmo que ele não tenha nenhuma palavra para o segundo, i.e., o ‘aspecto-pato’ (Bemerkungen über die Philsophie der Psychologie, parte I, pg. 70). O discurso a partir de meras figuras corre o risco de contrariar o nosso uso ordinário da linguagem. A suposição de que eu percebo primeiramente um algo determinado não se harmoniza com o modo como nós usualmente conferimos expressão a nossas experiências visuais. Eu afirmo ver um coelho, não uma figura ou um objeto visual a partir do qual eu posso depois afirmar que fora um coelho o que, naquele momento, eu via na figura.
(3) Faz parte de uma teoria fenomenológica da intencionalidade que a experiência é uma transcrição do vivido atual e comum (Husserl 1963, parag. 20). A idéia de uma intencionalidade constitutiva de sentido, que se move em horizontes abertos de interpretações potenciais do percebido, corresponde à idéia de que o homem possui a capacidade de negação. Ele pode romper sistemas de regra existentes e criar novos. Isso vale também para a linguagem. O fato de que sinais linguísticos possam ser empregados de maneira imprevista é, por sua vez, constitutivo de significado. Novos jogos de linguagem podem modificar nossa forma de vida. Cada emprego de um conceito contribui para sua formação. A multiplicidade de possibilidades de uso de nossas relações com o meio linguístico dá margem à concepção de uma "linguagem atuante", que tanto cria algo de novo quanto se deixa ela própria ser provocada pelos dados e estimulada para essa atividade produtiva. Para Merleau-Ponty, aprende-se a conhecer uma tal linguagem efetiva ou atuante apenas de dentro e através da práxis (MP, 1986, pg. 168). E, de fato, Wittgenstein afirma na Gramática Filosófica que compreender uma linguagem significa ter presente o simbolismo com o qual a linguagem pode falar por si mesma.
in Casati, G. (et allia)(ed.) (1993): Philosophie und die cognitiven Wissenschaften, Kirchberg: Österreichischen Ludwig Wittgenstein Gesellschaft, pgs. 123-6.
Texto retirado de :http://www.cfh.ufsc.br/~wfil/tania.htm