quinta-feira, 28 de agosto de 2008

Pra Não Dizer que Não Falei de Flores – G.Vandré.

Filosofia: via, também, para a paz.



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Dilthey segundo Ricouer.

Dilthey se situa nessa encruzilhada crítica da hermenêutica, onde a amplitude do problema é percebida, muito embora permaneça colocada em termos do debate epistemológico característico de toda a época neokantiana.
A necessidade de incorporar o problema regional da interpretação
dos textos no domínio mais amplo do conhecimento histórico impunha-se a um espírito preocupado em tomar consciência do grande êxito da cultura alemã no século XIX, a saber, a invenção da história comociência de primeira grandeza. Entre Scheiermacher e Dilthey, há os grandes historiadores alemães do século XIX, L. Ranke, J. G. Droysen, etc. Por conseguinte, o texto a ser interpretado é a própria realidade e seu encadeamento {Zusammenhang). Antes da questão de como compreender um texto do passado, deve-se colocar uma questão prévia: como conceber um encadeamento histórico? Antes da coerência de um texto, vem a da história, considerada como o grande documento do homem, como a mais fundamental expressão da Dilthey é, antes de tudo, o intérprete desse pacto entre hermenêutica história. O que hoje chamamos de historicismo num sentido pejorativo, exprime inicialmente um fato de cultura, a saber, a transferência de interesse das obras-primas da humanidade sobre o encadeamento histórico que as transportou. O descrédito do historicismo não resulta apenas dos embaraços que ele mesmo suscitou, mas de outra mudança cultural, ocorrida mais recentemente, e que nos leva a privilegiar o sistema em detrimento da mudança, a sincronia em detrimento da diacronia. Veremos posteriormente como as tendências estruturais da crítica literária contemporânea exprimem ao mesmo tempo o fracasso do historicismo e a subversão, em profundidade, de sua problemática.
Todavia, ao mesmo tempo que Dilthey
trazia à luz da reflexão filosófica o grande problema da inteligibilidade do histórico enquanto tal, estava inclinado, por um segundo fato cultural relevante, a procurar a chave da solução, não do lado da ontologia, mas numa reforma da própria epistemologia. Este segundo fato cultural é representado pela ascensão do positivismo enquanto filosofia, se entendermos com isso, em termos bastante gerais, a exigência do espírito de manter como o modelo de toda inteligibilidade o tipo de explicação empírica que vinha sendo adotado no domínio das ciências naturais. O tempo de Dilthey é o da completa recusa do hegelianismo e o da apologia do conhecimento experimental. Por conseguinte, o único modo de se fazer justiça ao conhecimento histórico parecia consistir em conferir-lhe uma dimensão científica, comparável à que as ciências da natureza haviam conquistado. Assim, foi para replicar ao positivismo que Dilthey tentou dotar as ciênicas do espírito de uma metodologia e de uma epistemologia tão respeitáveis quanto as das ciências da natureza.
É sobre o fundo desses dois grandes fatos culturais que Dilthey
coloca sua questão fundamental: como o conhecimento histórico é possível? De um modo mais genérico: como as ciências do espírito são possíveis? Essa questão nos conduz ao limiar da grande oposição, que atravessa toda a obra de Dilthey, entre a explicação da natureza e a compreensão da história. Essa questão é repleta de conseqüências para a hermenêutica, que se vê, assim, cortada da explicação naturalista e relegada do lado da intuição psicológica.
Com efeito, é do lado da psicologia que Dilthey
procura o traço distintivo do compreender. Toda ciência do espírito - todas as modalidades do conhecimento do homem implicando uma relação histórica - pressupõe uma capacidade primordial: a de se transpor na vida psíquica de outrem. No conhecimento natural, o homem só atinge fenômenos distintos dele, cuja coisidade fundamental lhe escapa. Na ordem humana, pelo contrário, o homem conhece o homem. Por mais estranho que o outro homem nos seja, não é um estranho no sentido em que pode sê-lo a coisa física incognoscível. A diferença de estatuto entre a coisa natural e o espírito comanda, pois, a diferença de estatuto entre explicar e compreender. O homem não é radicalmente um estranho para o homem, porque fornece sinais de sua própria existência. Compreender esses sinais é compreender o homem. Eis o que a escola positivista ignora por completo: a diferença de princípio entre o mundo psíquico e o mundo físico. Poder-se-á objetar: o espírito, o mundo espiritual, não é forçosamente o indivíduo; não foi Hegel a testemunha de uma esfera do espírito - o espírito objetivo, o espírito das instituições e das culturas - que de forma alguma se reduz a um fenômeno psicológico? Mas Dilthey ainda pertence a essa geração de neokantianos para quem o pivô de todas as ciências humanas é o indivíduo, considerado, é verdade, em suas relações sociais, mas fundamentalmente singular. É por isso que as ciências do espírito exigem, como ciência fundamental, a psicologia, ciência do indivíduo agindo na sociedade e na história. Em última instância, as relações recíprocas, os sistemas culturais, a filosofia, a arte e a religião se constroem sobre essa base. Mais precisamente - e foi isso que também marcou época - é como atividade, como vontade livre, como iniciativa e empreendimento que o homem procura compreender-se. Podemos reconhecer, aqui, o firme propósito de se voltar as costas a Hegel, de se passar do conceito hegeliano do espírito dos povos e, assim, de se retomar a perspectiva kantiana, mas no ponto em que, como dissemos acima, Kant havia parado.
A chave da crítica do conhecimento histórico, que tanta falta fez ao kantismo, deve ser procurada do lado do fenômeno fundamental da conexão interna, ou do encadeamento mediante o qual a vida de outrem, em seu jorrar, deixa-se discernir e identificar. É porque a vida produz formas, exterioriza-se em configurações estáveis, que o conhecimento de outrem torna-se possível: sentimento, avaliação, regras de vontade tendem a depositar-se numa aquisição estruturada, oferecida à decifração de outrem. Os sistemas organizados que a cultura produz sob forma de literatura constituem uma camada de segundo nível, construída sobre esse fenômeno primário da estrutura teleológica das produções da vida. É sabido como Max Weber
irá tentar, por sua vez, resolver o mesmo problema com seu conceito dos tipos-ideais. Ambos, com efeito, defrontavam-se com o mesmo problema: como conceitualizar na ordem da vida, que é a da experiência flutuante, situada no oposto da regulação natural? A resposta é possível, porque a vida espiritual se fixa em conjuntos estruturados susceptíveis de serem compreendidos por outrem. A partir de 1900, Dilthey se apóia em Husserl para conferir certa consistência a essa noção de encadeamento. Na mesma época, Husserl estabelecia que o psiquismo se caracterizava pela intencionalidade, ou seja, pela propriedade de visar um sentido susceptível de ser identificado. Em si mesmo, o psiquismo não pode ser atingido, mas podemos captar aquilo que ele visa, o correlato objetivo e idêntico no qual o psiquismo se ultrapassa. Essa idéia da intencionalidade e do caráter idêntico do objeto intencional permitia a Dilthey reforçar seu conceito de estrutura psíquica pela noção de significação.
Neste novo contexto
o que ocorria com o problema hermenêutico recebido de Schleiermacher? A passagem da compreensão, definida amplamente pela capacidade de transpor-se em outrem, à interpretação, no sentido preciso da compreensão das expressões da vida fixadas pela escrita, colocava um duplo problema. Por um lado, a hermenêutica completava a psicologia compreensiva, acrescentando-lhe um estágio suplementar; por outro, a psicologia compreensiva infletia a hermenêutica num sentido psicológico. Isso explica por que Dilthey reteve de Schleiermacher o lado psicológico de sua hermenêutica, onde reconhecia seu próprio problema: o da compreensão por transferência a outrem. Considerada desse primeiro ponto de vista, a hermenêutica comporta algo de específico: visa a reproduzir um encadeamento, um conjunto estruturado, apoiando-se numa categoria de signos, os que foram fixados pela escrita ou por qualquer outro procedimento de inscrição equivalente à escrita. Torna-se impossível, pois, apreender a vida psíquica de outrem em suas expressões imediatas; deve-se reproduzi-la, reconstruí-la, interpretando os signos objetivados; regras distintas são exigidas por esse Nachbilden, por causa do investimento da expressão em objetos de natureza própria. Como em Schleiermacher, é a filologia, isto é, a explicação dos textos, que fornece a etapa científica da compreensão. Para ambos, o papel essencial da hermenêutica consiste no seguinte: "estabelecer teoricamente, contra a intromissão constante da arbitrariedade romântica e do subjetivismo cético (...), a validade universal da interpretação, base de toda certeza em história" (W. Dilthey, op. cit., pp. 332s.). A hermenêutica constitui, assim, a camada objetivada da compreensão, graças às estruturas essenciais do texto.
Contudo, a contrapartida de uma teoria hermenêutica
fundada sobre a psicologia é o fato de esta continuar sendo sua última justificação. A autonomia do texto, que estará no centro de nossas reflexões no segundo estudo, só pode ser um fenômeno provisório e superficial. É justamente por isso que a questão da objetividade permanece, em Dilthey um problema ao mesmo tempo inelutável e insolúvel. E inelutável em razão da própria pretensão de contrapor-se ao positivismo por uma concepção autenticamente científica da compreensão. Foi por isso que Dilthey não cessou de remanejar e de aperfeiçoar seu conceito de reprodução, de modo a torná-lo sempre mais apropriado à exigência da objetivação. Todavia, a subordinação do problema hermenêutico ao problema propriamente psicológico do conhecimento de outrem condenava-o a procurar fora do campo próprio da interpretação a fonte de toda objetivação. Para ele, a objetivação começa muito cedo, desde a interpretação de si mesmo. O que eu sou para mim mesmo só pode ser atingido através das objetivações de minha própria vida. O conhecimento de si mesmo já é uma interpretação que não é mais fácil que a dos outros; provavelmente, é mais difícil, porque só me compreendo a mim mesmo pelos sinais que dou de minha própria vida e que me são enviados pelos outros. Todo conhecimento de si é mediato, através de sinais e de obras.
Com tal confissão, Dilthey
respondia à Lebensphilosophie, tão influente em sua época. Com ela, partilha a convicção segundo a qual a vida é essencialmente um dinamismo criador. Todavia, contra a filosofia da vida, sustenta que o dinamismo criador não se conhece a si mesmo nem pode se interpretar senão pelo desvio dos sinais e das obras. Desta forma, ele realizou uma fusão entre o conceito de dinamismo e o de estrutura, a vida aparecendo como um dinamismo que se estrutura a si mesmo. Foi assim que Dilthey se viu tentado a generalizar o conceito de hermenêutica, inserindo-o sempre mais profundamente na teleologia da vida. Significações adquiridas, valores presentes, fins longínquos estruturam constantemente a dinâmica da vida, segundo as três dimensões temporais do passado, do presente e do futuro. O homem se instrui apenas por seus atos, pela exteriorização de sua vida e pelos efeitos que ela produz sobre os outros. Só aprende a conhecer-se pelo desvio da compreensão que é, desde sempre, uma interpretação. A única diferença verdadeiramente significativa entre interpretação psicológica e a interpretação exegética é a seguinte: as objetivações da vida tendem a depositar-se e a sedimentar-se numa aquisição durável que assume todas as aparências do espírito objetivo hegeliano. Se posso compreender os mundos desaparecidos, é porque cada sociedade criou seus próprios órgãos de compreensão, criando mundos sociais e culturais nos quais ela se compreende. A história universal torna-se, assim, o próprio campo hermenêutico. Compreender-me, é fazer o maior desvio, o da grande memória que retém o que se tornou significante para o conjunto dos homens. A hermenêutica é o acesso do indivíduo ao saber da história universal, é a universalização do indivíduo.
A obra de
Dilthey , mais ainda que a de Schleiermacher, elucida a aporia central de uma hermenêutica que situa a compreensão do texto sob a lei da compreensão de outrem que nele se exprime. Se o empreendimento permanece psicológico em seu fundo, é porque confere, por visada última, à interpretação, não aquilo que diz o texto, mas aquele que nele se expressa. Ao mesmo tempo, o objeto da hermenêutica é incessantemente deportado do texto, de seu sentido e de sua referência, para o vivido que nele se exprime. H. G. Gadamer exprimiu bem esse conflito latente na obra de Dilthey (H. G. Gadamer, op. cit., pp. 205-208.): o conflito se situa, finalmente, entre uma filosofia da vida, com seu irracionalismo profundo, e uma filosofia do sentido, possuindo as mesmas pretensões que a filosofia hegeliana do espírito objetivo. Dilthey transformou essa dificuldade em axioma: em si mesma, a vida comporta o poder de ultrapassar-se em significações (Cf. F. Mussner, Histoire de l’herméneutique de Schleiermacher à nos jours, Paris, 1972, pp. 27-30.). Ou, como diz Gadamer: "A vida faz sua própria exegese: ela mesma possui uma estrutura hermenêutica" (H. G. Gadamer, op. cit., p. 213.). Mas o fato de essa hermenêutica da vida ser uma história é o que permanece incompreensível. A passagem da compreensão psicológica à compreensão histórica supõe, com efeito, que o encadeamento das obras da vida não seja mais vivido nem experimentado por ninguém. É neste ponto que reside sua objetividade. É por isso que podemos nos perguntar se, para pensar as objetivações da vida e tratá-las como dados, não foi preciso colocar todo o idealismo especulativo na raiz mesma da vida, vale dizer, finalmente, pensar a própria vida como espírito (Geist). Do contrário, como compreendermos que seja na arte, na religião e na filosofia que a vida se exprime de modo mais completo, objetivando-se o máximo? Não seria por que o espírito se encontra, aqui, em sua morada? Não seria ao mesmo tempo confessar que a hermenêutica só é possível como filosofia sensata mediante os empréstimos que faz ao conceito hegeliano? Torna-se, então, possível dizer da vida o que Hegel diz do espírito: a vida apreende aqui a vida.
No entanto,
Dilthey percebeu perfeitamente o âmago do problema: a vida só apreende a vida pela mediação das unidades de sentido que se elevam acima do fluxo histórico. Percebeu um modo de ultrapassagem da finitude sem sobrevôo, sem saber absoluto, que é, propriamente, a interpretação. Com isso, aponta a direção na qual o historicismo poderia ser vencido por ele mesmo, sem invocar nenhuma coincidência triunfante com qualquer saber absoluto. Contudo, para levar adiante essa descoberta, será preciso que se renuncie a vincular o destino da hermenêutica à noção puramente psicológica de transferência numa vida psíquica estranha, e que se desvende o texto, não mais em direção a seu autor, mas em direção ao seu sentido imanente e a este tipo de mundo que ele abre e descobre.
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http://www.hyperlogos.bem-vindo.net/tiki-index.php?page=Dilthey+segundo+Ricoeur
Imagem retirada de http://www.dhm.de/lemo/objekte/pict/dilthey/

terça-feira, 26 de agosto de 2008

O amor em Santo Agostinho


Marco Antonio Separavich


Santo Agostinho é entre os filósofos antigos aquele que mais destacou a importância do amor na vida intelectual e moral dos humanos.
O amor é substância da alma, eis porque todo homem é capaz de amar, e expressa a vontade em sua forma intensa. No processo cognitivo é o elemento que une ou separa a memória da inteligência. Aliás, é na tríade memória, inteligência e vontade que Santo Agostinho encontra a semelhança que o homem traz da imagem do Eterno impressa na parte mais excelente da sua alma, ou melhor, da mens.
É na mens que o homem se assemelha a Deus, podendo conhecer a si mesmo e ao Seu Criador, podendo também, por ela, discernir a justiça da injustiça, a verdade da mentira, o certo do errado etc. Conhecer plenamente é um ato de amor.
Como princípio instaurador da vida ética e moral, o amor se revela como início e fim último da existência humana. De um ponto de vista temporal, o amor em sua forma perfeita – charitas - ordena a vontade e os atos virtuosos na direção do Bem Imaterial, assegurando a possibilidade de o homem chegar à beatitude.
Partindo de uma leitura paulina do campo moral, Santo Agostinho ressalta que, todo homem pode amar, contudo, se tudo pode ser amável nem tudo deve ser amado. Explica-se: na economia moral agostiniana o amor é um bem médio, isso significa que pode ser dirigido tanto aos bens que nos aproximam como àqueles que nos afastam do Eterno, respectivamente aos bens superiores e inferiores. O homem deve amar acima de tudo o que é imutável, imortal, imperecível e incorruptível, o homem deve amar, portanto, primeiramente a Deus, único ser que possui simultaneamente estes “atributos”.
A ordem do amor normativa para a vida ético-moral estabelece a partir da divindade a ordenação dos bens para os quais deve se dirigir o amor: o homem deve amar o próximo como a si mesmo, amar primordialmente a alma ao corpo, a razão à paixão, a virtude ao vício, enfim, cumprindo essa ordem os humanos se aproximam do Bem Absoluto.
Somos aquilo que amamos, ou seja, o amor torna o amante parecido com o amado, sendo o amor um enlaçamento entre duas vidas, e implicando sempre na fruição daquilo que se ama. O amor quando o que se ama está ausente é desejo, quando na presença do ser amado torna-se fruição.
O cumprimento da ordem do amor possibilita ao homem a busca pela plenitude, a felicidade, aspiração de todos os humanos.
Para encontrar a plenitude, a vida feliz, o homem deve se religar ao Eterno. O amor é o meio pelo qual isso pode se dar, possibilitando a reorganização da vida interior humana: eis um dos aspectos fundamentais da teologia e filosofia agostinianas.

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Contato com o autor: croata_sp@bol.com.br