Fred Astaire, o renovador do sapateado, começou a estudar dança aos quatro anos e aos sete estreava profissionalmente ao lado de sua irmã Adele.
A deusa Fama e o deus Sucesso foram seus protetores durante toda a vida envolvendo sua carreira artístista na mais sublime aura de elegância e beleza.
Em 1933 foi para Hollwood . Formou dupla durante seis anos com Ginger Rogers, encantando o publico com seu sapateado. Juntos fizeram dez filmes dentre eles "Top Hat" e "Swing Time". Fred dançou, também, com Rita Haywoorth, Judy Garland, Cyd Charisse e Audrey Hepburn.
Em l949, ele foi agraciado com o Oscar por sua extraordinária arte. Veja-o com Ginger Rogers em "Top Hat":
sexta-feira, 7 de novembro de 2008
Breve História do Cinema.
Desde o inicio dos tempos, o homem sempre desejou reproduzir o movimento. A prova disso são os desenhos encontrados nas cavernas de Altamira na Espanha onde um bisão desenhado a 12 mil anos apresenta 8 patas como se o autor tentasse decompor o movimento.
Fazendo um resumo dos precursores do cinema podemos citar:
Na China 5.000 anos antes de Cristo - as sombras chinesas que não passavam de silhuetas projetadas numa parede ou tela.
No século XVIII a lanterna mágica do alemão Athanasius Kircher composta de uma caixa, uma fonte de luz e lentes que enviavam imagem para uma tela.
No século XIX os franceses inventaram a fotografia.
Em 1833, o britânico W. G. Horner idealizou o zootrópio, jogo baseado na sucessão circular de imagens. Em 1877, o francês Émile Reynaud criou o teatro óptico, combinação de lanterna mágica e espelhos para projetar filmes de desenhos numa tela. Já então Eadweard Muybridge, nos Estados Unidos, experimentava o zoopraxinoscópio, decompondo em fotogramas corridas de cavalos. Por fim, outro americano, o prolífico inventor Thomas Alva Edison, desenvolvia, com o auxílio do escocês William Kennedy Dickson, o filme de celulóide e um aparelho para a visão individual de filmes chamado cinetoscópio.
Foi na França, na época em que os pintores impressionistas decompõem o movimento e a luz, que nasceu o cinematógrafo.
Embora seja a França o país que reivindica para si a descoberta do cinema, com a invenção do cinematógrafo pelos irmãos Luis e Augusto Lumière, não se pode dizer que esta invenção aconteceu isoladamente. Em outros países, várias experiências também estavam sendo realizadas.
Os irmãos Louis e Auguste Lumière, franceses, conseguiram projetar imagens ampliadas numa tela graças ao cinematógrafo, invento equipado com um mecanismo de arrasto para a película. Na apresentação pública de 28 de dezembro de 1895 no Grand Café do boulevard des Capucines, em Paris, o público viu, pela primeira vez, filmes como La Sortie des ouvriers de l'usine Lumière (A saída dos operários da fábrica Lumière) e L'Arrivée d'un train en gare (Chegada de um trem à estação), breves testemunhos da vida cotidiana
Em 1872, um milionário americano fez uma aposta. Ele garantiu que, quando o cavalo galopa, há um momento em que este fica com as 4 patas no ar. O fotógrafo inglês Muybridge decidiu fazer a demonstração. Colocou lado a lado 24 câmeras fotográficas presas por fios que, ao serem tocados pelas patas do cavalo, acionam as máquinas tirando 24 fotos que registram todos os movimentos do galope. Ele provou assim que, de fato, há um momento em que as 4 patas não tocam o chão. Sem o saber, ele dava um passo fundamental para o nascimento do cinema.
Os filmes dos irmãos Lumière eram de curta duração (um minuto) e não contavam uma história. Apenas registravam cenas da vida cotidiana: a chegada de um trem na estação, a saída de operários da fábrica, a queda de um muro, um bebê sendo alimentado, etc. Para os irmãos Lumière, o cinematógrafo era apenas "uma invenção sem futuro". Mas o francês Georges Méliès não pensava assim e comprou um cinematógrafo, a máquina de filmar. Como Méliès era mágico e diretor de teatro, conseguiu dar uma expressão dramática a setis filmes usando atores, cenários e figurinos. Seu filme Viagem à Lua, de 1902, é considerado a primeira ficção científica do cinema. Dura 13 minutos e é inspirado nos romances de Julio Verne.
Hollywood Em 1896, o cinema substituía o cinetoscópio e filmes curtos de dançarinas, atores de vaudeville, desfiles e trens encheram as telas americanas. Surgiram as produções pioneiras de Edison e das companhias Biograph e Vitagraph. Edison, ambicionando dominar o mercado, travou com seus concorrentes uma disputa por patentes industriais.
Em 1903, o americano Edwin S. Porter fez um filme que acabou com as formas teatrais do cinema: O grande roubo de trem é considerado o primeiro bang-bang da história do cinema. Porter consegue descobrir o ritmo cinematográfico, mostrando várias ações simultâneas. Mas foi outro americano, David Ward Griffith, que mais contribuiu, na época, para a formação da linguagem cinematográfica. Dirigiu Intolerância (1915), com mais de duas horas de duração. Os filmes até então eram todos curtos. Enormes primeiros planos close, não somente de rostos, mas de mãos e objetos, mostravam a preocupação de Griffith em dar uma forma nova à narrativa, isto é, à maneira cinematográfica de contar história. Se Edwin Porter descobriu o tempo, Griffith colaborou para modificar o espaço. Nessa época, o filme era mudo. Não tinha som. Colocavam um pianista no palco para tocar, dando mais emoção às cenas. Em 1927, o cinema falado causou grandes modificações na linguagem do cinema, e também alguns problemas: disfarçar o ruído do motor da câmera, afastar alguns atores cujas vozes eram muito finas causando riso no público, etc
No início, só se filmava à luz do dia. Depois descobriram recursos do claro e escuro com a luz artificial. Por exemplo: o filme Nosferatu, o Vampiro (1922), inspirado nos quadros do movimento expressionista, dá à luz e à sombra um papel dramático. Novamente o cinema se inspira na pintura. Descobridor de grandes talentos como as atrizes Mary Pickford e Lillian Gish, Griffith inovou a linguagem cinematográfica com elementos como o flash-back, os grandes planos e as ações paralelas, consagrados em The Birth of a Nation (1915; O nascimento de uma nação) e Intolerance (1916), epopéias que conquistaram a admiração do público e da crítica. Ao lado de Griffith é preciso destacar Thomas H. Ince, outro grande inovador estético e diretor de filmes de faroeste que já continham todos os tópicos do gênero num estilo épico e dramático. Quando o negócio prosperou, acirrou-se a luta entre as grandes produtoras e distribuidoras pelo controle do mercado. Esse fato, aliado ao clima rigoroso da região atlântica, passou a dificultar as filmagens e levou os industriais do cinema a instalarem seus estúdios em Hollywood, um subúrbio de Los Angeles. Ali passaram a trabalhar grandes produtores como William Fox, Jesse Lasky e Adolph Zukor, fundadores da Famous Players, que, em 1927, converteu-se na Paramount Pictures, e Samuel Goldwyn. As fábricas de sonho em que se transformaram as corporações do cinema descobriam ou inventavam astros e estrelas que garantiram o sucesso de suas produções, entre os quais nomes como Gloria Swanson, Dustin Farnum, Mabel Normand, Theda Bara, Roscoe "Fatty" Arbuckle (Chico Bóia) e Mary Pickford, que, em 1919, fundou, com Charles Chaplin, Douglas Fairbanks e Griffith, a produtora United Artists. O gênio do cinema silencioso foi o inglês Charles Chaplin, que criou o inolvidável personagem de Carlitos, mescla de humor, poesia, ternura e crítica social. The Kid (1921; O garoto), The Gold Rush (1925; Em busca do ouro) e The Circus (1928; O circo) foram os seus filmes longos mais célebres do período. Depois da primeira guerra mundial, Hollywood superou em definitivo franceses, italianos, escandinavos e alemães, consolidando sua indústria cinematográfica e tornando conhecidos em todo o mundo comediantes como Buster Keaton ou Oliver Hardy e Stan Laurel ("O gordo e o magro"), bem como galãs do porte de Rodolfo Valentino, Wallace Reid e Richard Barthelmess e as atrizes Norma e Constance Talmadge, Ina Claire e Alla Nazimova.
Em 1917 foi criada a UFA, potente produtora que encabeçou a indústria cinematográfica alemã quando florescia o expressionismo na pintura e no teatro que então se faziam no país. O expressionismo, corrente estética que interpreta subjetivamente a realidade, recorre à distorção de rostos e ambientes, aos temas sombrios e ao monumentalismo dos cenários. Iniciara-se em 1914 com Der Golem (O autômato), de Paul Wegener, inspirado numa lenda judaica, e culminou com Das Kabinet des Dr. Caligari (1919; O gabinete do Dr. Caligari), de Robert Wiene, que influenciou artistas do mundo inteiro com seu esteticismo delirante. Outras obras desse movimento foram Schatten (1923; Sombras), de Arthur Robison, e o alucinante Das Wachsfigurenkabinett (1924; O gabinete das figuras de cera), de Paul Leni. Convictos de que o expressionismo era apenas uma forma teatral aplicada ao filme, F. W. Murnau e Fritz Lang optaram por novas vertentes, como a do Kammerspielfilm, ou realismo psicológico, e o realismo social. Murnau estreou com o magistral Nosferatu, eine Symphonie des Grauens (1922; Nosferatu, o vampiro) e destacou-se com o comovente Der letzte Mann (1924; O último dos homens). Fritz Lang, prolífico, realizou o clássico Die Nibelungen (Os Nibelungos), lenda germânica em duas partes; Siegfrieds Tod (1923; A morte de Siegfried) e Kriemhildes Rache (1924; A vingança de Kremilde); mas notabilizou-se com Metropolis (1926) e Spione (1927; Os espiões). Ambos emigraram para os Estados Unidos e fizeram carreira em Hollywood. Outro grande cineasta, Georg Wilhelm Pabst, trocou o expressionismo pelo realismo social, em obras magníficas como Die freudlose Gasse (1925; A rua das lágrimas), Die Büchse der Pandora (1928; A caixa de Pandora) e Die Dreigroschenoper (1931; A ópera dos três vinténs).
O Filme: da Idéia à Sala de Projeção
Os vários passos em busca da melhor forma para contar uma história com imagens contribuíram para a linguagem cinematográfica que temos hoje. Esta caminhada foi gradativa. Cada passo seguinte dependeu do que fora feito anteriormente. A tela do cinema é bidimensional. Mas a realidade é tridimensional, os objetos, pessoas e animais têm volume. Como então mostrar isso na tela?
As primeiras câmeras eram pesadas. Com o tempo, conseguiram fabricar câmeras mais leves e isso facilitou o registro de pessoas, transportes, animais em movimento. Esse movimento chama-se "travelling". Ele permite maior mobilidade às cenas, deslocando a câmera para frente, para trás, para a direita, para a esquerda, para cima e para baixo. A panorâmica outro movimento importante, é diferente do "travelling" porque a câmera não sai do lugar, fica presa no tripé fazendo um movimento de 180 graus para a direita ou para a esquerda, imitando o olhar quando giramos a cabeça. Quando você assistir a um filme, repare: várias vezes ele começa com uma panorâmica, pois, com esse movimento, o cineasta estará mostrando ao espectador o cenário onde vai acontecer a história.
Mas para fazer um filme é preciso pensar tudo isso antes de começar a filmagem. E preciso planejar, para não desperdiçar o filme, que custa muito caro, e para não gastar tempo demais
Um filme é feito em várias etapas. A primeira etapa é o roteiro - história escrita na língua do cinema, com todos os seus termos técnicos - e nele de - vem estar indicados todos os planos, pontos de vista, enquadramentos, isto é: plano geral, plano médio, primeiro plano, etc, movimentos de câmera (travelling e panorâmica), diálogos, ruídos, elementos do cenário e figurinos.
Depois de tudo filmado, ainda há muito trabalho para fazer. Começa a fase da montagem. A montagem dá o ritmo do filme. Depois da filmagem, onde as cenas são repetidas várias vezes, o filme é revelado. O montador seleciona os planos melhores e faz a montagem.
Antes de filmar cada plano, usa-se a claquete, e, baseando-se nas numerações da claquete, é que o montador organiza a montagem.
Já em 1925 o cineasta russo Serguei Eisenstein mostra de forma magistral os recursos da montagem do filme O Encouraçado Potemkim. Som e imagens são registrados em películas separadas.
O montador faz a mixagem e depois faz a sonorização.
Dizem os especialistas que as artes se distinguem pela sua linguagem. A linguagem só existe a partir da repetição do uso e da aceitação de algumas formas que demonstraram maior comunicação. Você, portanto, vai completar. Ela depende de sua participação. Quando o cineasta aproxima a câmera num primeiro plano (close) destacando um objeto, este adquire maior importância dentro da história. Isto é linguagem. Mas, de um mesmo filme, eu posso ter uma interpretação e você outra. Nisso está a riqueza de uma obra de arte. Quando o cineasta e o espectador estão ligados pela mesma cultura, pelos mesmos fatos sociais e econômicos, a participação poderá ser ainda maior. Por exemplo, quando você assistir ao filme O menino maluquinho, de Helvecio Ratton, baseado no livro de Ziraldo, você vai entender muito mais, porque ele fala de um menino brasileiro. Se você tiver lido o livro, melhor ainda, porque vai poder comparar os dois, filme e livro, uma vez que cinema e literatura são linguagens que podem se enriquecer mutuamente.
Fonte: http://www.moviecom.com.br/cinema/
Imagens: http://www.prof2000.pt/users/albertina2/cinematografo.htm
Fazendo um resumo dos precursores do cinema podemos citar:
Na China 5.000 anos antes de Cristo - as sombras chinesas que não passavam de silhuetas projetadas numa parede ou tela.
No século XVIII a lanterna mágica do alemão Athanasius Kircher composta de uma caixa, uma fonte de luz e lentes que enviavam imagem para uma tela.
No século XIX os franceses inventaram a fotografia.
Em 1833, o britânico W. G. Horner idealizou o zootrópio, jogo baseado na sucessão circular de imagens. Em 1877, o francês Émile Reynaud criou o teatro óptico, combinação de lanterna mágica e espelhos para projetar filmes de desenhos numa tela. Já então Eadweard Muybridge, nos Estados Unidos, experimentava o zoopraxinoscópio, decompondo em fotogramas corridas de cavalos. Por fim, outro americano, o prolífico inventor Thomas Alva Edison, desenvolvia, com o auxílio do escocês William Kennedy Dickson, o filme de celulóide e um aparelho para a visão individual de filmes chamado cinetoscópio.
Foi na França, na época em que os pintores impressionistas decompõem o movimento e a luz, que nasceu o cinematógrafo.
Embora seja a França o país que reivindica para si a descoberta do cinema, com a invenção do cinematógrafo pelos irmãos Luis e Augusto Lumière, não se pode dizer que esta invenção aconteceu isoladamente. Em outros países, várias experiências também estavam sendo realizadas.
Os irmãos Louis e Auguste Lumière, franceses, conseguiram projetar imagens ampliadas numa tela graças ao cinematógrafo, invento equipado com um mecanismo de arrasto para a película. Na apresentação pública de 28 de dezembro de 1895 no Grand Café do boulevard des Capucines, em Paris, o público viu, pela primeira vez, filmes como La Sortie des ouvriers de l'usine Lumière (A saída dos operários da fábrica Lumière) e L'Arrivée d'un train en gare (Chegada de um trem à estação), breves testemunhos da vida cotidiana
Em 1872, um milionário americano fez uma aposta. Ele garantiu que, quando o cavalo galopa, há um momento em que este fica com as 4 patas no ar. O fotógrafo inglês Muybridge decidiu fazer a demonstração. Colocou lado a lado 24 câmeras fotográficas presas por fios que, ao serem tocados pelas patas do cavalo, acionam as máquinas tirando 24 fotos que registram todos os movimentos do galope. Ele provou assim que, de fato, há um momento em que as 4 patas não tocam o chão. Sem o saber, ele dava um passo fundamental para o nascimento do cinema.
Os filmes dos irmãos Lumière eram de curta duração (um minuto) e não contavam uma história. Apenas registravam cenas da vida cotidiana: a chegada de um trem na estação, a saída de operários da fábrica, a queda de um muro, um bebê sendo alimentado, etc. Para os irmãos Lumière, o cinematógrafo era apenas "uma invenção sem futuro". Mas o francês Georges Méliès não pensava assim e comprou um cinematógrafo, a máquina de filmar. Como Méliès era mágico e diretor de teatro, conseguiu dar uma expressão dramática a setis filmes usando atores, cenários e figurinos. Seu filme Viagem à Lua, de 1902, é considerado a primeira ficção científica do cinema. Dura 13 minutos e é inspirado nos romances de Julio Verne.
Hollywood Em 1896, o cinema substituía o cinetoscópio e filmes curtos de dançarinas, atores de vaudeville, desfiles e trens encheram as telas americanas. Surgiram as produções pioneiras de Edison e das companhias Biograph e Vitagraph. Edison, ambicionando dominar o mercado, travou com seus concorrentes uma disputa por patentes industriais.
Em 1903, o americano Edwin S. Porter fez um filme que acabou com as formas teatrais do cinema: O grande roubo de trem é considerado o primeiro bang-bang da história do cinema. Porter consegue descobrir o ritmo cinematográfico, mostrando várias ações simultâneas. Mas foi outro americano, David Ward Griffith, que mais contribuiu, na época, para a formação da linguagem cinematográfica. Dirigiu Intolerância (1915), com mais de duas horas de duração. Os filmes até então eram todos curtos. Enormes primeiros planos close, não somente de rostos, mas de mãos e objetos, mostravam a preocupação de Griffith em dar uma forma nova à narrativa, isto é, à maneira cinematográfica de contar história. Se Edwin Porter descobriu o tempo, Griffith colaborou para modificar o espaço. Nessa época, o filme era mudo. Não tinha som. Colocavam um pianista no palco para tocar, dando mais emoção às cenas. Em 1927, o cinema falado causou grandes modificações na linguagem do cinema, e também alguns problemas: disfarçar o ruído do motor da câmera, afastar alguns atores cujas vozes eram muito finas causando riso no público, etc
No início, só se filmava à luz do dia. Depois descobriram recursos do claro e escuro com a luz artificial. Por exemplo: o filme Nosferatu, o Vampiro (1922), inspirado nos quadros do movimento expressionista, dá à luz e à sombra um papel dramático. Novamente o cinema se inspira na pintura. Descobridor de grandes talentos como as atrizes Mary Pickford e Lillian Gish, Griffith inovou a linguagem cinematográfica com elementos como o flash-back, os grandes planos e as ações paralelas, consagrados em The Birth of a Nation (1915; O nascimento de uma nação) e Intolerance (1916), epopéias que conquistaram a admiração do público e da crítica. Ao lado de Griffith é preciso destacar Thomas H. Ince, outro grande inovador estético e diretor de filmes de faroeste que já continham todos os tópicos do gênero num estilo épico e dramático. Quando o negócio prosperou, acirrou-se a luta entre as grandes produtoras e distribuidoras pelo controle do mercado. Esse fato, aliado ao clima rigoroso da região atlântica, passou a dificultar as filmagens e levou os industriais do cinema a instalarem seus estúdios em Hollywood, um subúrbio de Los Angeles. Ali passaram a trabalhar grandes produtores como William Fox, Jesse Lasky e Adolph Zukor, fundadores da Famous Players, que, em 1927, converteu-se na Paramount Pictures, e Samuel Goldwyn. As fábricas de sonho em que se transformaram as corporações do cinema descobriam ou inventavam astros e estrelas que garantiram o sucesso de suas produções, entre os quais nomes como Gloria Swanson, Dustin Farnum, Mabel Normand, Theda Bara, Roscoe "Fatty" Arbuckle (Chico Bóia) e Mary Pickford, que, em 1919, fundou, com Charles Chaplin, Douglas Fairbanks e Griffith, a produtora United Artists. O gênio do cinema silencioso foi o inglês Charles Chaplin, que criou o inolvidável personagem de Carlitos, mescla de humor, poesia, ternura e crítica social. The Kid (1921; O garoto), The Gold Rush (1925; Em busca do ouro) e The Circus (1928; O circo) foram os seus filmes longos mais célebres do período. Depois da primeira guerra mundial, Hollywood superou em definitivo franceses, italianos, escandinavos e alemães, consolidando sua indústria cinematográfica e tornando conhecidos em todo o mundo comediantes como Buster Keaton ou Oliver Hardy e Stan Laurel ("O gordo e o magro"), bem como galãs do porte de Rodolfo Valentino, Wallace Reid e Richard Barthelmess e as atrizes Norma e Constance Talmadge, Ina Claire e Alla Nazimova.
Em 1917 foi criada a UFA, potente produtora que encabeçou a indústria cinematográfica alemã quando florescia o expressionismo na pintura e no teatro que então se faziam no país. O expressionismo, corrente estética que interpreta subjetivamente a realidade, recorre à distorção de rostos e ambientes, aos temas sombrios e ao monumentalismo dos cenários. Iniciara-se em 1914 com Der Golem (O autômato), de Paul Wegener, inspirado numa lenda judaica, e culminou com Das Kabinet des Dr. Caligari (1919; O gabinete do Dr. Caligari), de Robert Wiene, que influenciou artistas do mundo inteiro com seu esteticismo delirante. Outras obras desse movimento foram Schatten (1923; Sombras), de Arthur Robison, e o alucinante Das Wachsfigurenkabinett (1924; O gabinete das figuras de cera), de Paul Leni. Convictos de que o expressionismo era apenas uma forma teatral aplicada ao filme, F. W. Murnau e Fritz Lang optaram por novas vertentes, como a do Kammerspielfilm, ou realismo psicológico, e o realismo social. Murnau estreou com o magistral Nosferatu, eine Symphonie des Grauens (1922; Nosferatu, o vampiro) e destacou-se com o comovente Der letzte Mann (1924; O último dos homens). Fritz Lang, prolífico, realizou o clássico Die Nibelungen (Os Nibelungos), lenda germânica em duas partes; Siegfrieds Tod (1923; A morte de Siegfried) e Kriemhildes Rache (1924; A vingança de Kremilde); mas notabilizou-se com Metropolis (1926) e Spione (1927; Os espiões). Ambos emigraram para os Estados Unidos e fizeram carreira em Hollywood. Outro grande cineasta, Georg Wilhelm Pabst, trocou o expressionismo pelo realismo social, em obras magníficas como Die freudlose Gasse (1925; A rua das lágrimas), Die Büchse der Pandora (1928; A caixa de Pandora) e Die Dreigroschenoper (1931; A ópera dos três vinténs).
O Filme: da Idéia à Sala de Projeção
Os vários passos em busca da melhor forma para contar uma história com imagens contribuíram para a linguagem cinematográfica que temos hoje. Esta caminhada foi gradativa. Cada passo seguinte dependeu do que fora feito anteriormente. A tela do cinema é bidimensional. Mas a realidade é tridimensional, os objetos, pessoas e animais têm volume. Como então mostrar isso na tela?
As primeiras câmeras eram pesadas. Com o tempo, conseguiram fabricar câmeras mais leves e isso facilitou o registro de pessoas, transportes, animais em movimento. Esse movimento chama-se "travelling". Ele permite maior mobilidade às cenas, deslocando a câmera para frente, para trás, para a direita, para a esquerda, para cima e para baixo. A panorâmica outro movimento importante, é diferente do "travelling" porque a câmera não sai do lugar, fica presa no tripé fazendo um movimento de 180 graus para a direita ou para a esquerda, imitando o olhar quando giramos a cabeça. Quando você assistir a um filme, repare: várias vezes ele começa com uma panorâmica, pois, com esse movimento, o cineasta estará mostrando ao espectador o cenário onde vai acontecer a história.
Mas para fazer um filme é preciso pensar tudo isso antes de começar a filmagem. E preciso planejar, para não desperdiçar o filme, que custa muito caro, e para não gastar tempo demais
Um filme é feito em várias etapas. A primeira etapa é o roteiro - história escrita na língua do cinema, com todos os seus termos técnicos - e nele de - vem estar indicados todos os planos, pontos de vista, enquadramentos, isto é: plano geral, plano médio, primeiro plano, etc, movimentos de câmera (travelling e panorâmica), diálogos, ruídos, elementos do cenário e figurinos.
Depois de tudo filmado, ainda há muito trabalho para fazer. Começa a fase da montagem. A montagem dá o ritmo do filme. Depois da filmagem, onde as cenas são repetidas várias vezes, o filme é revelado. O montador seleciona os planos melhores e faz a montagem.
Antes de filmar cada plano, usa-se a claquete, e, baseando-se nas numerações da claquete, é que o montador organiza a montagem.
Já em 1925 o cineasta russo Serguei Eisenstein mostra de forma magistral os recursos da montagem do filme O Encouraçado Potemkim. Som e imagens são registrados em películas separadas.
O montador faz a mixagem e depois faz a sonorização.
Dizem os especialistas que as artes se distinguem pela sua linguagem. A linguagem só existe a partir da repetição do uso e da aceitação de algumas formas que demonstraram maior comunicação. Você, portanto, vai completar. Ela depende de sua participação. Quando o cineasta aproxima a câmera num primeiro plano (close) destacando um objeto, este adquire maior importância dentro da história. Isto é linguagem. Mas, de um mesmo filme, eu posso ter uma interpretação e você outra. Nisso está a riqueza de uma obra de arte. Quando o cineasta e o espectador estão ligados pela mesma cultura, pelos mesmos fatos sociais e econômicos, a participação poderá ser ainda maior. Por exemplo, quando você assistir ao filme O menino maluquinho, de Helvecio Ratton, baseado no livro de Ziraldo, você vai entender muito mais, porque ele fala de um menino brasileiro. Se você tiver lido o livro, melhor ainda, porque vai poder comparar os dois, filme e livro, uma vez que cinema e literatura são linguagens que podem se enriquecer mutuamente.
Fonte: http://www.moviecom.com.br/cinema/
Imagens: http://www.prof2000.pt/users/albertina2/cinematografo.htm
Nicolau Malebranche.
Com Spinoza, o racionalismo cartesiano entra em síntese com o panteísmo neoplatônico. Com Malebranche, o cartesianismo entra em síntese com o agostinianismo, sobre a base de um inicial platonismo comum. Mas, ao mesmo tempo, sofre um regresso sobre a linha do seu lógico desenvolvimento panteísta e racionalista, devido ao teísmo e ao cristianismo que Malebranche se esforça por conciliar com o cartesianismo.
Dos dois problemas fundamentais deixados em herança por Descartes (relações entre Deus e mundo, entre espírito e matéria), Spinosa resolvera o primeiro mediante o seu rígido monismo da substância; o segundo, mediante o famoso paralelismo dos atributos extensão e pensamento na substância. Malebranche, pelo que diz respeito ao primeiro problema, chega a conceber Deus como causa única, entretanto não ousa afirmá-lo como substância única; pelo que diz respeito ao segundo, nega também ele - como Descartes e Spinoza - toda interação entre espírito e matéria, e também ele recorre a Deus para explicar as relações entre o espírito e a matéria.
Vida e Obras
Nicolau Malebranche nasceu em Paris em 1638. Estudou filosofia no colégio "De la Marche" e teologia na Sorbona. Entrando jovem na Congregação do Oratório, em 1660, foi ordenado padre em 1664. Foi profundamente influenciado pelo agostinianismo dominante no Oratório, e pelo cartesianismo. Estas são as duas fontes principais do seu pensamento, procurando conciliá-las no seu sistema filosófico. Faleceu em 1715.
As obras de Malebranche tiveram grande êxito e levaram-no a várias polêmicas. As principais obras são: Recherche de la vérité (1674-1675); Méditations chrétiennes et métaphysiques (1683); Traité de morale (1684); Entretiens sur la métaphysique et sur la religion (1688).
O Pensamento: A Gnosiologia
Como Descartes e o conseqüente racionalismo, a gnosiologia de Malebranche desvaloriza o conhecimento sensível, especialmente os sentidos externos e atribui às idéias todo o valor do conhecimento. Pisando as pegadas de Agostinho e de Descartes, declara as idéias eternas e imutáveis, claras e distintas e, portanto, verdadeiras objetivamente. Visto essas idéias serem necessárias e universais, não só não podem derivar da sensação, mas nem sequer ser produzidas pelo espírito humano, como a sensação, é particular e contingente. As idéias, pois, nada mais são que o próprio objeto inteligível presente ao nosso pensamento: são idéias ontológicas, exteriores ao sujeito que conhece, a saber, são os arquétipos eternos e imutáveis, necessários e universais, das coisas; tais idéias estão na mente de Deus e nele nós temos a intuição delas (ontologismo). Esta visão é possível porque Deus está intimamente presente ao nosso espírito e lhe pode revelar a sua essência porquanto é comunicável. Noutras palavras: nós vemos, não propriamente a Deus, mas apenas o que há nele de imitável.
A Metafísica
Se bem que malebranche afirme que Deus está intimamente presente ao nosso espírito como revelador das idéias, sente ele a necessidade de provar a existência de Deus na sua realidade subsistente e de determinar-lhe a natureza. Para demonstrar a existência de Deus, Malebranche recorre substancialmente ao sólito argumento ontológico, caro aos platônicos e aos agostinianos. A respeito da natureza de Deus, julga ele que seja essencialmente incognoscível, pois nós não temos uma idéia clara e distinta do infinito. A única idéia clara e distinta que temos é a de extensão inteligível (e de seus modos); isto é, vemos a extensão inteligível em Deus, e tal idéia se torna representativa de Deus pelo seu caráter de infinidade. A respeito das relações entre Deus e o mundo, Malebranche teística e cristãmente afirma Deus criador dos espíritos e da matéria: quer dizer, admite uma pluralidade de substância. Diversamente afirma a unidade da causa, porquanto não há causas segundas. Deus opera diretamente em todas as criaturas; ele só é causa e atividade, e as assim chamadas causas segundas não passam de ocasiões para o operar da causa única divina (ocasionalismo).
Como não temos uma idéia clara de Deus, assim não temos uma idéia clara da nossa alma, quer dizer, da sua natureza. Temos uma intuição da sua existência, um sentimento, que - ao contrário das idéias - é racionalmente confuso, mas, em todo caso, ele só atinge a existência contingente, o que as idéias não podem fazer.
Acontece o contrário a respeito do mundo físico, material. Temos dele uma idéia clara, porque temos a idéia clara de extensão inteligível. Temos, porém, um sentimento confuso da existência atual do mundo material; trata-se de uma percepção sensível inferior à da existência do espírito, tanto assim que é mister a revelação cristã, que nos diz ter Deus criado o mundo, para que estejamos propriamente certos da sua existência.
As relações - a interação entre as coisas materiais de um lado e os espíritos humanos do outro, isto é, entre alma e corpo - dependem de Deus e são produzidas diretamente por ele segundo a doutrina do ocasionalismo. Malebranche baseia esta doutrina em duas teses de origem cartesiana: em física, inércia natural da extensão, único elemento constitutivo das coisas materiais; em psicologia, a impossibilidade de uma interação entre corpo e alma, espírito e matéria. Não há, logo, causalidade ativa nem dos corpos entre si, nem da alma sobre o corpo, nem do corpo sobre a alma. Toda energia produtora de ser e de atividade pertence propriamente a Deus.
A Moral
Malebranche procura conciliar essa atividade universal divina com o live arbítrio humano. O homem é livre não no sentido de que seja capaz de fazer, produzir alguma coisa, mas no sentido de que é capaz de suspender a ação divina em si: suspensão (antes de que produção) de efeitos. Dessa maneira, a vontade, livre embora, não é causa produtora.
Aspecto característico da moral de Malebranche é o apelo para o cristianismo e, precisamente, para o pecado original, a fim de explicar plena e verdadeiramente o homem na sua realidade atual. A desordem das paixões, bem como o erro no conhecimento, encontram só no pecado original a causa única que os explica. Sem o pecado haveria perfeita harmonia entre corpo e espírito, sensibilidade e pensamento, impulso e vontade. Assim, os filósofos "são obrigados à religião (revelada), pois só ela pode tirá-los do embaraço em que se encontram".
Guilherme Leibniz
Spinoza tentara a síntese do racionalismo cartesiano com o panteísmo neoplatônico; Malebranche tentara a síntese do racionalismo com o platonismo agostiniano; Leibniz tentará uma síntese mais vasta, a do pensamento aristotélico-tomista com o empirismo moderno. Diversamente de Spinoza e de acordo com Malebranche, procurará compor a necessidade racionalista-matemática com a contingência e a liberdade. E chegará também à negação da realidade material, da res extensa, resolvendo a realidade material em uma aparência fenomênica do espírito. O resultado é que a necessidade universal permanece, e, logo, também o panteísmo; e que, com a supressão do mundo físico, o racionalismo abre as portas ao idealismo.
Vida e Obras
Guilherme Leibniznasceu em Leipzig, em 1646. Seu pai era um jurista, professor de moral na universidade. Foi um autodidata desejoso de tudo conhecer; estudou filosofia e história da filosofia, matemática e jurisprudência, formando-se em direito em Altorf em 1666-1667. O barão de Boinebourg - convertido ao catolicismo - iniciou-o no conhecimento da igreja católica e introduziu-o na Corte eleitoral de Mogúncia.
Entre 1672 e 1676, chefiou uma missão diplomática junto de Luís XIV, para induzir o Rei Sol a dirigir contra os turcos a sua atividade de expansão, que constituía um perigo contínuo contra a Alemanha. A missão fracassou. Entretanto, Leibniz travou relações com os maiores filósofos e cientistas da época. Entre outros, tomou contacto com Malebranche. Durante uma viagem a Londres, conheceu também Newton, inventor, como ele, do cálculo infinitesimal.
Em 1676 foi convidado por João Frederico de Brunschwig para a corte ducal de Hannover, como conselheiro áulico e bibliotecário. Indo de Paris para a sua nova sede, parou na Holanda e visitou Spinoza. Ficou até à morte naquele emprego, ocupando-se com escrever a história da casa Brunschwig foi à Itália, visitando Veneza, Pádua, Florença, Roma e Nápoles. Realizou outras viagens a Viena e Berlim, onde fundou a Sociedade das Ciências, chamada, em seguida, Academia Prussiana. Fez tentativas para a união das igrejas protestante e católica e para a federalização política das nações cristãs, correspondendo-se com Bossuet para este fim. Faleceu em Hannover em 1716.
As fontes culturais e filosóficas de Leibniz são muitas e várias, também antigas e medievais, que ele fundiu em um ecletismo superior. Entre os filósofos antigos preferiu Platão e Plotino; Aristóteles influiu nele sobretudo pelo que diz respeito à lógica. Estudou Suarez e Tomás de Aquino, para os quais teve estima no que concerne ao pensamento, criticando entretanto a forma deles.
Conheceu certamente o pensamento da Renascença, em especial o neoplatonismo renascentista. Estudou também o empirismo, escrevendo contra o Ensaio sobre o Intelecto Humano de Locke os seus Novos Ensaios sobre o Intelecto Humano. Entretanto foi o cartesianismo o sistema filosófico que influiu mais profundamente sobre Leibniz, devido sobretudo ao racionalismo matemático, que ele procurou conciliar com uma concepção dinâmica da realidade. Também Malebranche influenciou profundamente Leibniz, tanto assim que do ocasionalismo de Malebranche surgirá a harmonia preestabelecida de Leibniz. Mais profundamente ainda, Spinoza influiu sobre Leibniz, que pode ser considerado spinoziano de fato se não de intenção. Seu sistema é uma afirmação do monismo spinoziano, ainda que sobre um plano mais rico e superior.
As obras de Leibniz, escritas pela maior parte em francês e em latim, não constituem uma elaboração sistemática e completa do seu pensamento. São ensaios ocasionais e esporádicos, mas de grande penetração e agudeza crítica. Eis as principais: Novos Ensaios sobre o Intelecto Humano (crítica ao Ensaio de Locke, composta em 1701, mas publicada postumamente em 1765); Teodicéia, escrita para resolver o problema do mal e publicada em 1710; Monadologia, escrita em francês para o príncipe Eugênio de Sabóia em 1714 e publicada postumamente. Deve-se ainda acrescentar uma copiosa correspondência filosófica.
O Pensamento: A Gnosiologia
A gnosiologia de Leibniz é fundamentalmente representada pela ciência geral ou lógica universal; esta deve proporcionar o método para inventar e demonstrar todas as ciências. A realidade apresenta-se indiscutivelmente sob dois aspectos: um idêntico, universal, necessário, e o outro diverso, particular, contingente. Leibniz distingue, portanto, as verdades de razão (juízos necessários de essência), que colheriam o primeiro aspecto da realidade, e as verdades de fato (juízos da existência contingente), que colheriam o segundo aspecto.
As verdades de razão fundamentam-se sobre o princípio de indentidade, imediatamente evidente, isto é, tais verdades reduzíveis a juízos, em que o predicado tem identidade com o sujeito, se pode ser tirado analiticamente dele. As verdades de fato seriam representadas por juízos de experiência, em que o predicado não se pode extrair analiticamente do sujeito; teria, porém, um fundamento, o princípio de razão suficiente na realidade criada.
Entretanto, estes juízos escapam às pretensões da necessidade racionalista. Então Leibniz procura conciliar a necessidade do racionalismo com as exigências da contingência: as verdades de fato seriam contingentes quoad nos, com respeito a nós, devido à nossa ignorância. Mas, de um ponto de vista absoluto, quoad se, seriam necessárias como as outras. Isto quer dizer, também as proposições contingentes verdadeiras seriam racionais e demonstráveis, porque o predicado é contido na noção adequada do sujeito. A definição do sujeito, para quem a penetrasse até o fundo, seria verdadeiramente o antecendente lógico infalível de cada um dos predicados.
A Metafísica
A Metafísica de Leibniz é a doutrina das mônadas (monadologia). Os elementos primeiros, fundamentais, da realidade, Leibniz chama-os mônadas; e são concebidos como átomos espirituais dotados de atividade, substâncias-forças. "A substância é um ser capaz de ação". A natureza das mônadas é espiritual, representativa: cada uma representa, reflete todo o universo de um determinado ponto de vista. Não apenas o homem é um microcosmo, mas cada ser é um microcosmo. Conforme o seu conteúdo representativo, mais ou menos elevado, as mônadas são dotadas de propriedade de perceber (pampsiquismo); entretanto, nem todas percebem conscientemente.
As mônadas são eternas, inúmeras, não há duas mônadas perfeitamente iguais, a sua imensa série se dispõe em escala hierárquica ascendente, contínua, da ínfima mônada até à suprema, Deus. Elas não têm relações recíproca: "as mônadas são sem janelas" - diz Leibniz. "Nesta escala, Leibniz distingue quatro grandes ordens: 1.ª) mônadas nuas, que constituem o reino mineral e as plantas, dotadas de representação insconsciente (pampsiquismo); 2.ª) mônadas sensitivas, capazes de representação consciente ou apercepção; constituem as almas dos brutos; 3.ª) mônadas racionais, ou almas humanas, enriquecidas de conhecimento científico e consciência reflexa; 4.ª) mônada suprema, ou Deus, absolutamente perfeita, causa eficiente de todas as outras". A ordem entre elas é explicada pela harmonia preestabelecida, que Deus introduziu na criação.
Afirma Leibniz, mais ou menos, o conceito tradicional de Deus. Deus seria a mônada suprema, criadora e ordenadora de todas as outras. Este Absoluto - realidade única informada por uma alma côsmica - recorda a tão combatida Substância spinoziana, feita por Leibniz dinâmica, ativa, desenvolvendo-se não apenas matematicamente, mas também finalisticamente.
O homem, o indivíduo humano, seria um conjunto de mônadas de grau diverso. A uma mônada central, consciente, dotada de percepção, constituindo a alma, unem-se mônadas subconscientes e mônadas inconscientes, que constituem o corpo. Este todo é regulado pela harmonia preestabelecida, em virtude da qual a uma modificação física corresponde uma modificação psíquica e vice-versa, pois o corpo não atua diretamente sobre a alma, nem esta sobre o corpo.
Para Leibniz, o mundo físico, a matéria, não tem existência real. A matéria, a corporeidade, é um fenômeno, uma aparência da psiquicidade. Negada às mônadas a faculdade de agirem transitivamente, uma sobre as outras, como explicar a ordem do universo? Leibniz responde com a célebre teoria da harmonia preestabelecida. Deus, ab aeterno, regularizou todas as ações das mônadas de tal forma que se correspondessem como se realmente houvesse entre elas um influxo mútuo de causalidade recíproca. "Assim, um hábil relojoeiro constrói dois relógios, que, sem se influenciarem mutuamente, marcam ao mesmo tempo as mesmas horas".
A Moral
A moralidade é reconduzida à atividade, que, no homem, é consciente e racional. No campo da moral, Leibniz interessou-se especialmente pelo problema do mal e da liberdade. Afirma ele a liberdade; e, por certo, no seu sistema subsiste a liberdade metafísica, a espontaneidade racional. Mas vem fenecer o livre arbítrio, a livre escolha, devido à sua tese da ação necessariamente dirigida para o melhor, quer no homem quer em Deus.
Pelo que diz respeito à solução do problema do mal, Leibniz - como é sabido - distingue o mal em metafísico, moral e físico. O primeiro não é verdadeiro mal, porquanto constitui a limitação necessária dos seres criados; pois a natureza destes seres é necessariamente limitada, enquanto são criados. Sem esta limitação não haveria sequer o mundo.
O mal moral, ao contrário, é devido à resistência voluntária dos entes criados, humanos, à ação de Deus. Também o mal moral é uma privação de ser, como o mal metafísico: tem uma causa deficiente e não eficiente, na resistência humana à ação de Deus.
Leibniz explica o mal físico mediante a estética. O mal dos vários seres se torna um bem para o conjunto; as desarmonias particulares realçam a harmonia do todo. Entretanto, esta explicação não serve no caso do homem, pois cada homem não é um meio e sim um fim, sendo um ser racional.
Cristiano Wolff
O racionalismo moderno toma uma sistematização rígida, formal, com Cristiano Wolff, vulgarizador do pensamento de Leibniz. Em Wolff, o racionalismo moderno manifesta explicitamente o seu caráter fenomenista abstrato. A filosofia, a metafísica deveria ser construída a priori, partindo dedutivamente, analiticamente, da idéia inata de ser.
Compreende-se, portanto, a reação kantiana e a acusação de dogmatismo movida contra essa orientação filosófica, que pretendia ser válido para a realidade concreta um sistema construído a priori: um mundo de idéias para um mundo de coisas, sem uma relação real entre as duas ordens. A reação é facilmente compreensível, se se considerar que os manuais de Wolff invadiram a cultura alemã da época, e Kant lecionava na universidade servindo-se da Metaphysica de Baumgarten, que tinha condensado e ordenado em mil parágrafos o prolixo sistema de Wolff.
Dado esse caráter apriorístico, racionalista-matemático, do pensamento de Wolff, compreende-se como ele se diferencia profundamente da escolástica clássica, aristotélico-tomista, a qual concebe, sim, a ciência como uma dedução necessária de elementos e princípios primeiros, mas estes se baseiam no terreno sólido da experiência. Se é que Wolff teve algum conhecimento particular da escolástica aristotélico-tomista, certamente não compreendeu o espírito íntimo desse sistema.
Vida e Obras
Cristiano Wolff nasceu em Breslau em 1679. Dedicou-se aos problemas morais e religiosos, estudando também matemática. Formou-se em filosofia em Leipzig em 1703. Entrou, desde logo, em relações com Leibniz, graças ao qual teve em 1707 uma cátedra de matemática e filosofia na Universidade de Halle. O seu ensino claro e metódico, racionalista, sistemático teve um êxito imenso. No entanto, em 1723, foi demitido sob acusação de ateísmo em religião e determinismo em moral. A primeira acusação tem um fundamento na afirmação de Wolff de que a moral estaria de pé igualmente, mesmo prescindindo da existência de Deus. A segunda explica-se pela sua adesão ao determinismo racionalista de Leibniz, em que a liberdade de Deus e do homem vêm fornecer, porquanto ambos atuam necessariamente, do modo melhor. Wolff retirou-se então para a Universidade de Marburgo, voltando, em seguida, para a Universidade de Halle, aí ensinando até à morte (1754).
As obras filosóficas de Wolff são constituídas por duas séries de manuais, uma em latim, e a outra em alemão. A série dos manuais em latim, compreende precisamente: Philosophia rationalis sive logica; Philosophia prima seu ontologia; Cosmologia generalis; Psychologia empirica; Psychologia rationalis; Psychologia practica universalis; Jus naturae; Jus gentium; Philosophia moralis seu ethica; Oeconomia. Tais manuais tiveram um grande êxito.
O Pensamento
Wolff divide a filosofia em lógica, especulativa e prática. A filosofia especulativa é, fundamentalmente, a metafísica, abrangendo a ontologia, a cosmologia geral, a psicologia, a teologia natural. A filosofia prática abrange, antes de tudo, a filosofia prática geral e o direito natural e, logo, a ética, a política, a economia. É notável o critério de verdade segundo Wolff: a verdade consiste exclusivamente na coerência entre as idéias. É a revelação completa so fenomenismo racionalista, pelo qual não há relação entre pensamento e ser. É bem diverso o critério de verdade do sistema aristotélico-tomista, pelo qual a verdade é, ao contrário, a adequação especulativa da mente com a coisa.
Quanto à idéia de ética, Wolff diz justamente que a lei moral não pode depender ao arbítrio divino; mas é absoluta, necessária, primitiva (isto é, diríamos, tomisticamente, derivante da própria natureza de Deus e das coisas por ele criadas). Diversamente, admite a obrigação absoluta da lei moral, mesmo no caso do ateísmo (como se a negação de Deus não implicasse necessariamente na negação de todos os valores).
Em todo caso, Wolff não nega Deus, nem a religião natural. Separa, porém, a filosofia que conhece a religião natural, da religião positiva, ou revelada. Desta o filósofo prescinde.
Wolff é o pai do Aufklärung, do iluminismo racionalista alemão, que sustenta o divórcio entre a religião natural e a religião positiva, e finaliza na negação desta ultima.
Fonte: http://www.mundodosfilosofos.com.br/cartesianismo.htm
Imagem: www.memo.fr/en/dossier.aspx?ID=392
Dos dois problemas fundamentais deixados em herança por Descartes (relações entre Deus e mundo, entre espírito e matéria), Spinosa resolvera o primeiro mediante o seu rígido monismo da substância; o segundo, mediante o famoso paralelismo dos atributos extensão e pensamento na substância. Malebranche, pelo que diz respeito ao primeiro problema, chega a conceber Deus como causa única, entretanto não ousa afirmá-lo como substância única; pelo que diz respeito ao segundo, nega também ele - como Descartes e Spinoza - toda interação entre espírito e matéria, e também ele recorre a Deus para explicar as relações entre o espírito e a matéria.
Vida e Obras
Nicolau Malebranche nasceu em Paris em 1638. Estudou filosofia no colégio "De la Marche" e teologia na Sorbona. Entrando jovem na Congregação do Oratório, em 1660, foi ordenado padre em 1664. Foi profundamente influenciado pelo agostinianismo dominante no Oratório, e pelo cartesianismo. Estas são as duas fontes principais do seu pensamento, procurando conciliá-las no seu sistema filosófico. Faleceu em 1715.
As obras de Malebranche tiveram grande êxito e levaram-no a várias polêmicas. As principais obras são: Recherche de la vérité (1674-1675); Méditations chrétiennes et métaphysiques (1683); Traité de morale (1684); Entretiens sur la métaphysique et sur la religion (1688).
O Pensamento: A Gnosiologia
Como Descartes e o conseqüente racionalismo, a gnosiologia de Malebranche desvaloriza o conhecimento sensível, especialmente os sentidos externos e atribui às idéias todo o valor do conhecimento. Pisando as pegadas de Agostinho e de Descartes, declara as idéias eternas e imutáveis, claras e distintas e, portanto, verdadeiras objetivamente. Visto essas idéias serem necessárias e universais, não só não podem derivar da sensação, mas nem sequer ser produzidas pelo espírito humano, como a sensação, é particular e contingente. As idéias, pois, nada mais são que o próprio objeto inteligível presente ao nosso pensamento: são idéias ontológicas, exteriores ao sujeito que conhece, a saber, são os arquétipos eternos e imutáveis, necessários e universais, das coisas; tais idéias estão na mente de Deus e nele nós temos a intuição delas (ontologismo). Esta visão é possível porque Deus está intimamente presente ao nosso espírito e lhe pode revelar a sua essência porquanto é comunicável. Noutras palavras: nós vemos, não propriamente a Deus, mas apenas o que há nele de imitável.
A Metafísica
Se bem que malebranche afirme que Deus está intimamente presente ao nosso espírito como revelador das idéias, sente ele a necessidade de provar a existência de Deus na sua realidade subsistente e de determinar-lhe a natureza. Para demonstrar a existência de Deus, Malebranche recorre substancialmente ao sólito argumento ontológico, caro aos platônicos e aos agostinianos. A respeito da natureza de Deus, julga ele que seja essencialmente incognoscível, pois nós não temos uma idéia clara e distinta do infinito. A única idéia clara e distinta que temos é a de extensão inteligível (e de seus modos); isto é, vemos a extensão inteligível em Deus, e tal idéia se torna representativa de Deus pelo seu caráter de infinidade. A respeito das relações entre Deus e o mundo, Malebranche teística e cristãmente afirma Deus criador dos espíritos e da matéria: quer dizer, admite uma pluralidade de substância. Diversamente afirma a unidade da causa, porquanto não há causas segundas. Deus opera diretamente em todas as criaturas; ele só é causa e atividade, e as assim chamadas causas segundas não passam de ocasiões para o operar da causa única divina (ocasionalismo).
Como não temos uma idéia clara de Deus, assim não temos uma idéia clara da nossa alma, quer dizer, da sua natureza. Temos uma intuição da sua existência, um sentimento, que - ao contrário das idéias - é racionalmente confuso, mas, em todo caso, ele só atinge a existência contingente, o que as idéias não podem fazer.
Acontece o contrário a respeito do mundo físico, material. Temos dele uma idéia clara, porque temos a idéia clara de extensão inteligível. Temos, porém, um sentimento confuso da existência atual do mundo material; trata-se de uma percepção sensível inferior à da existência do espírito, tanto assim que é mister a revelação cristã, que nos diz ter Deus criado o mundo, para que estejamos propriamente certos da sua existência.
As relações - a interação entre as coisas materiais de um lado e os espíritos humanos do outro, isto é, entre alma e corpo - dependem de Deus e são produzidas diretamente por ele segundo a doutrina do ocasionalismo. Malebranche baseia esta doutrina em duas teses de origem cartesiana: em física, inércia natural da extensão, único elemento constitutivo das coisas materiais; em psicologia, a impossibilidade de uma interação entre corpo e alma, espírito e matéria. Não há, logo, causalidade ativa nem dos corpos entre si, nem da alma sobre o corpo, nem do corpo sobre a alma. Toda energia produtora de ser e de atividade pertence propriamente a Deus.
A Moral
Malebranche procura conciliar essa atividade universal divina com o live arbítrio humano. O homem é livre não no sentido de que seja capaz de fazer, produzir alguma coisa, mas no sentido de que é capaz de suspender a ação divina em si: suspensão (antes de que produção) de efeitos. Dessa maneira, a vontade, livre embora, não é causa produtora.
Aspecto característico da moral de Malebranche é o apelo para o cristianismo e, precisamente, para o pecado original, a fim de explicar plena e verdadeiramente o homem na sua realidade atual. A desordem das paixões, bem como o erro no conhecimento, encontram só no pecado original a causa única que os explica. Sem o pecado haveria perfeita harmonia entre corpo e espírito, sensibilidade e pensamento, impulso e vontade. Assim, os filósofos "são obrigados à religião (revelada), pois só ela pode tirá-los do embaraço em que se encontram".
Guilherme Leibniz
Spinoza tentara a síntese do racionalismo cartesiano com o panteísmo neoplatônico; Malebranche tentara a síntese do racionalismo com o platonismo agostiniano; Leibniz tentará uma síntese mais vasta, a do pensamento aristotélico-tomista com o empirismo moderno. Diversamente de Spinoza e de acordo com Malebranche, procurará compor a necessidade racionalista-matemática com a contingência e a liberdade. E chegará também à negação da realidade material, da res extensa, resolvendo a realidade material em uma aparência fenomênica do espírito. O resultado é que a necessidade universal permanece, e, logo, também o panteísmo; e que, com a supressão do mundo físico, o racionalismo abre as portas ao idealismo.
Vida e Obras
Guilherme Leibniznasceu em Leipzig, em 1646. Seu pai era um jurista, professor de moral na universidade. Foi um autodidata desejoso de tudo conhecer; estudou filosofia e história da filosofia, matemática e jurisprudência, formando-se em direito em Altorf em 1666-1667. O barão de Boinebourg - convertido ao catolicismo - iniciou-o no conhecimento da igreja católica e introduziu-o na Corte eleitoral de Mogúncia.
Entre 1672 e 1676, chefiou uma missão diplomática junto de Luís XIV, para induzir o Rei Sol a dirigir contra os turcos a sua atividade de expansão, que constituía um perigo contínuo contra a Alemanha. A missão fracassou. Entretanto, Leibniz travou relações com os maiores filósofos e cientistas da época. Entre outros, tomou contacto com Malebranche. Durante uma viagem a Londres, conheceu também Newton, inventor, como ele, do cálculo infinitesimal.
Em 1676 foi convidado por João Frederico de Brunschwig para a corte ducal de Hannover, como conselheiro áulico e bibliotecário. Indo de Paris para a sua nova sede, parou na Holanda e visitou Spinoza. Ficou até à morte naquele emprego, ocupando-se com escrever a história da casa Brunschwig foi à Itália, visitando Veneza, Pádua, Florença, Roma e Nápoles. Realizou outras viagens a Viena e Berlim, onde fundou a Sociedade das Ciências, chamada, em seguida, Academia Prussiana. Fez tentativas para a união das igrejas protestante e católica e para a federalização política das nações cristãs, correspondendo-se com Bossuet para este fim. Faleceu em Hannover em 1716.
As fontes culturais e filosóficas de Leibniz são muitas e várias, também antigas e medievais, que ele fundiu em um ecletismo superior. Entre os filósofos antigos preferiu Platão e Plotino; Aristóteles influiu nele sobretudo pelo que diz respeito à lógica. Estudou Suarez e Tomás de Aquino, para os quais teve estima no que concerne ao pensamento, criticando entretanto a forma deles.
Conheceu certamente o pensamento da Renascença, em especial o neoplatonismo renascentista. Estudou também o empirismo, escrevendo contra o Ensaio sobre o Intelecto Humano de Locke os seus Novos Ensaios sobre o Intelecto Humano. Entretanto foi o cartesianismo o sistema filosófico que influiu mais profundamente sobre Leibniz, devido sobretudo ao racionalismo matemático, que ele procurou conciliar com uma concepção dinâmica da realidade. Também Malebranche influenciou profundamente Leibniz, tanto assim que do ocasionalismo de Malebranche surgirá a harmonia preestabelecida de Leibniz. Mais profundamente ainda, Spinoza influiu sobre Leibniz, que pode ser considerado spinoziano de fato se não de intenção. Seu sistema é uma afirmação do monismo spinoziano, ainda que sobre um plano mais rico e superior.
As obras de Leibniz, escritas pela maior parte em francês e em latim, não constituem uma elaboração sistemática e completa do seu pensamento. São ensaios ocasionais e esporádicos, mas de grande penetração e agudeza crítica. Eis as principais: Novos Ensaios sobre o Intelecto Humano (crítica ao Ensaio de Locke, composta em 1701, mas publicada postumamente em 1765); Teodicéia, escrita para resolver o problema do mal e publicada em 1710; Monadologia, escrita em francês para o príncipe Eugênio de Sabóia em 1714 e publicada postumamente. Deve-se ainda acrescentar uma copiosa correspondência filosófica.
O Pensamento: A Gnosiologia
A gnosiologia de Leibniz é fundamentalmente representada pela ciência geral ou lógica universal; esta deve proporcionar o método para inventar e demonstrar todas as ciências. A realidade apresenta-se indiscutivelmente sob dois aspectos: um idêntico, universal, necessário, e o outro diverso, particular, contingente. Leibniz distingue, portanto, as verdades de razão (juízos necessários de essência), que colheriam o primeiro aspecto da realidade, e as verdades de fato (juízos da existência contingente), que colheriam o segundo aspecto.
As verdades de razão fundamentam-se sobre o princípio de indentidade, imediatamente evidente, isto é, tais verdades reduzíveis a juízos, em que o predicado tem identidade com o sujeito, se pode ser tirado analiticamente dele. As verdades de fato seriam representadas por juízos de experiência, em que o predicado não se pode extrair analiticamente do sujeito; teria, porém, um fundamento, o princípio de razão suficiente na realidade criada.
Entretanto, estes juízos escapam às pretensões da necessidade racionalista. Então Leibniz procura conciliar a necessidade do racionalismo com as exigências da contingência: as verdades de fato seriam contingentes quoad nos, com respeito a nós, devido à nossa ignorância. Mas, de um ponto de vista absoluto, quoad se, seriam necessárias como as outras. Isto quer dizer, também as proposições contingentes verdadeiras seriam racionais e demonstráveis, porque o predicado é contido na noção adequada do sujeito. A definição do sujeito, para quem a penetrasse até o fundo, seria verdadeiramente o antecendente lógico infalível de cada um dos predicados.
A Metafísica
A Metafísica de Leibniz é a doutrina das mônadas (monadologia). Os elementos primeiros, fundamentais, da realidade, Leibniz chama-os mônadas; e são concebidos como átomos espirituais dotados de atividade, substâncias-forças. "A substância é um ser capaz de ação". A natureza das mônadas é espiritual, representativa: cada uma representa, reflete todo o universo de um determinado ponto de vista. Não apenas o homem é um microcosmo, mas cada ser é um microcosmo. Conforme o seu conteúdo representativo, mais ou menos elevado, as mônadas são dotadas de propriedade de perceber (pampsiquismo); entretanto, nem todas percebem conscientemente.
As mônadas são eternas, inúmeras, não há duas mônadas perfeitamente iguais, a sua imensa série se dispõe em escala hierárquica ascendente, contínua, da ínfima mônada até à suprema, Deus. Elas não têm relações recíproca: "as mônadas são sem janelas" - diz Leibniz. "Nesta escala, Leibniz distingue quatro grandes ordens: 1.ª) mônadas nuas, que constituem o reino mineral e as plantas, dotadas de representação insconsciente (pampsiquismo); 2.ª) mônadas sensitivas, capazes de representação consciente ou apercepção; constituem as almas dos brutos; 3.ª) mônadas racionais, ou almas humanas, enriquecidas de conhecimento científico e consciência reflexa; 4.ª) mônada suprema, ou Deus, absolutamente perfeita, causa eficiente de todas as outras". A ordem entre elas é explicada pela harmonia preestabelecida, que Deus introduziu na criação.
Afirma Leibniz, mais ou menos, o conceito tradicional de Deus. Deus seria a mônada suprema, criadora e ordenadora de todas as outras. Este Absoluto - realidade única informada por uma alma côsmica - recorda a tão combatida Substância spinoziana, feita por Leibniz dinâmica, ativa, desenvolvendo-se não apenas matematicamente, mas também finalisticamente.
O homem, o indivíduo humano, seria um conjunto de mônadas de grau diverso. A uma mônada central, consciente, dotada de percepção, constituindo a alma, unem-se mônadas subconscientes e mônadas inconscientes, que constituem o corpo. Este todo é regulado pela harmonia preestabelecida, em virtude da qual a uma modificação física corresponde uma modificação psíquica e vice-versa, pois o corpo não atua diretamente sobre a alma, nem esta sobre o corpo.
Para Leibniz, o mundo físico, a matéria, não tem existência real. A matéria, a corporeidade, é um fenômeno, uma aparência da psiquicidade. Negada às mônadas a faculdade de agirem transitivamente, uma sobre as outras, como explicar a ordem do universo? Leibniz responde com a célebre teoria da harmonia preestabelecida. Deus, ab aeterno, regularizou todas as ações das mônadas de tal forma que se correspondessem como se realmente houvesse entre elas um influxo mútuo de causalidade recíproca. "Assim, um hábil relojoeiro constrói dois relógios, que, sem se influenciarem mutuamente, marcam ao mesmo tempo as mesmas horas".
A Moral
A moralidade é reconduzida à atividade, que, no homem, é consciente e racional. No campo da moral, Leibniz interessou-se especialmente pelo problema do mal e da liberdade. Afirma ele a liberdade; e, por certo, no seu sistema subsiste a liberdade metafísica, a espontaneidade racional. Mas vem fenecer o livre arbítrio, a livre escolha, devido à sua tese da ação necessariamente dirigida para o melhor, quer no homem quer em Deus.
Pelo que diz respeito à solução do problema do mal, Leibniz - como é sabido - distingue o mal em metafísico, moral e físico. O primeiro não é verdadeiro mal, porquanto constitui a limitação necessária dos seres criados; pois a natureza destes seres é necessariamente limitada, enquanto são criados. Sem esta limitação não haveria sequer o mundo.
O mal moral, ao contrário, é devido à resistência voluntária dos entes criados, humanos, à ação de Deus. Também o mal moral é uma privação de ser, como o mal metafísico: tem uma causa deficiente e não eficiente, na resistência humana à ação de Deus.
Leibniz explica o mal físico mediante a estética. O mal dos vários seres se torna um bem para o conjunto; as desarmonias particulares realçam a harmonia do todo. Entretanto, esta explicação não serve no caso do homem, pois cada homem não é um meio e sim um fim, sendo um ser racional.
Cristiano Wolff
O racionalismo moderno toma uma sistematização rígida, formal, com Cristiano Wolff, vulgarizador do pensamento de Leibniz. Em Wolff, o racionalismo moderno manifesta explicitamente o seu caráter fenomenista abstrato. A filosofia, a metafísica deveria ser construída a priori, partindo dedutivamente, analiticamente, da idéia inata de ser.
Compreende-se, portanto, a reação kantiana e a acusação de dogmatismo movida contra essa orientação filosófica, que pretendia ser válido para a realidade concreta um sistema construído a priori: um mundo de idéias para um mundo de coisas, sem uma relação real entre as duas ordens. A reação é facilmente compreensível, se se considerar que os manuais de Wolff invadiram a cultura alemã da época, e Kant lecionava na universidade servindo-se da Metaphysica de Baumgarten, que tinha condensado e ordenado em mil parágrafos o prolixo sistema de Wolff.
Dado esse caráter apriorístico, racionalista-matemático, do pensamento de Wolff, compreende-se como ele se diferencia profundamente da escolástica clássica, aristotélico-tomista, a qual concebe, sim, a ciência como uma dedução necessária de elementos e princípios primeiros, mas estes se baseiam no terreno sólido da experiência. Se é que Wolff teve algum conhecimento particular da escolástica aristotélico-tomista, certamente não compreendeu o espírito íntimo desse sistema.
Vida e Obras
Cristiano Wolff nasceu em Breslau em 1679. Dedicou-se aos problemas morais e religiosos, estudando também matemática. Formou-se em filosofia em Leipzig em 1703. Entrou, desde logo, em relações com Leibniz, graças ao qual teve em 1707 uma cátedra de matemática e filosofia na Universidade de Halle. O seu ensino claro e metódico, racionalista, sistemático teve um êxito imenso. No entanto, em 1723, foi demitido sob acusação de ateísmo em religião e determinismo em moral. A primeira acusação tem um fundamento na afirmação de Wolff de que a moral estaria de pé igualmente, mesmo prescindindo da existência de Deus. A segunda explica-se pela sua adesão ao determinismo racionalista de Leibniz, em que a liberdade de Deus e do homem vêm fornecer, porquanto ambos atuam necessariamente, do modo melhor. Wolff retirou-se então para a Universidade de Marburgo, voltando, em seguida, para a Universidade de Halle, aí ensinando até à morte (1754).
As obras filosóficas de Wolff são constituídas por duas séries de manuais, uma em latim, e a outra em alemão. A série dos manuais em latim, compreende precisamente: Philosophia rationalis sive logica; Philosophia prima seu ontologia; Cosmologia generalis; Psychologia empirica; Psychologia rationalis; Psychologia practica universalis; Jus naturae; Jus gentium; Philosophia moralis seu ethica; Oeconomia. Tais manuais tiveram um grande êxito.
O Pensamento
Wolff divide a filosofia em lógica, especulativa e prática. A filosofia especulativa é, fundamentalmente, a metafísica, abrangendo a ontologia, a cosmologia geral, a psicologia, a teologia natural. A filosofia prática abrange, antes de tudo, a filosofia prática geral e o direito natural e, logo, a ética, a política, a economia. É notável o critério de verdade segundo Wolff: a verdade consiste exclusivamente na coerência entre as idéias. É a revelação completa so fenomenismo racionalista, pelo qual não há relação entre pensamento e ser. É bem diverso o critério de verdade do sistema aristotélico-tomista, pelo qual a verdade é, ao contrário, a adequação especulativa da mente com a coisa.
Quanto à idéia de ética, Wolff diz justamente que a lei moral não pode depender ao arbítrio divino; mas é absoluta, necessária, primitiva (isto é, diríamos, tomisticamente, derivante da própria natureza de Deus e das coisas por ele criadas). Diversamente, admite a obrigação absoluta da lei moral, mesmo no caso do ateísmo (como se a negação de Deus não implicasse necessariamente na negação de todos os valores).
Em todo caso, Wolff não nega Deus, nem a religião natural. Separa, porém, a filosofia que conhece a religião natural, da religião positiva, ou revelada. Desta o filósofo prescinde.
Wolff é o pai do Aufklärung, do iluminismo racionalista alemão, que sustenta o divórcio entre a religião natural e a religião positiva, e finaliza na negação desta ultima.
Fonte: http://www.mundodosfilosofos.com.br/cartesianismo.htm
Imagem: www.memo.fr/en/dossier.aspx?ID=392
segunda-feira, 3 de novembro de 2008
ARTE ALÉM DA MORAL E ALTERIDADE NO UNO
Gustavo Gadelha
Mestre em Filosofia pela PUC-Rio
Mestre em Filosofia pela PUC-Rio
Palavras-chave: tragédia, niilismo e cultura
Resumo: Apoiando-nos em apontamentos de Gilles Deleuze e Karl Löwith buscaremos em Nietzsche os elementos trágicos capazes de rivalizar com o pensamento moralista. Desde os tempos em que era professor até a sua autobiografia intelectual (“Ecce Homo”), Nietzsche infere, de forma latente ou não, a repetição do mote de “Dionísio contra o Crucificado”. E é na Grécia pré-socrática que o filósofo do Eterno Retorno vai buscar a inspiração para elaborar um pensamento afirmativo capaz de englobar a dor e a partir da realidade dada, não importa qual seja, criar e agir. O fenômeno dionisíaco individualiza o que sofre, devolvendo-lhe o sentimento de pertencimento ao mundo - o que pode ser entendido como uma transformação imanente ao niilismo, que o supera. Do elogio a Wagner ao canto solo de Zaratustra, Nietzsche apostava no retorno dos valores gregos presentificados no palco da modernidade.
Key words: tragedy, nihilism, culture
Abstract: Been supported by the notes made by Gilles Deleuze and Karl Löwith we will try to bring the tragic elements in Nietzsche which are able to rival with moralist thought. Since the time where he was a professor untill his intelectual autobiography (“Ecce Homo”) Nietzsche infers, in a latent way or not, “Dioniso against the Crucified”’s moto repetition. And it is in pre-socratic Greece that the Eternal Return’s philosopher will search the inspiration to create an affirmative thought able to englobe pain and thence, from de given reality, it doesn’t matter which, set out, create and act. The dionisiac phenomenon individualizes the one that suffers, giving him back the world belonging feeling - what could be understood as an immanent transformation to nihilism that surmounts it. From the praise of Wagner to Zarathoustra’s solo singing, Nietzsche bet in greek values’s return presented in modernity’s stage.
Resumo: Apoiando-nos em apontamentos de Gilles Deleuze e Karl Löwith buscaremos em Nietzsche os elementos trágicos capazes de rivalizar com o pensamento moralista. Desde os tempos em que era professor até a sua autobiografia intelectual (“Ecce Homo”), Nietzsche infere, de forma latente ou não, a repetição do mote de “Dionísio contra o Crucificado”. E é na Grécia pré-socrática que o filósofo do Eterno Retorno vai buscar a inspiração para elaborar um pensamento afirmativo capaz de englobar a dor e a partir da realidade dada, não importa qual seja, criar e agir. O fenômeno dionisíaco individualiza o que sofre, devolvendo-lhe o sentimento de pertencimento ao mundo - o que pode ser entendido como uma transformação imanente ao niilismo, que o supera. Do elogio a Wagner ao canto solo de Zaratustra, Nietzsche apostava no retorno dos valores gregos presentificados no palco da modernidade.
Key words: tragedy, nihilism, culture
Abstract: Been supported by the notes made by Gilles Deleuze and Karl Löwith we will try to bring the tragic elements in Nietzsche which are able to rival with moralist thought. Since the time where he was a professor untill his intelectual autobiography (“Ecce Homo”) Nietzsche infers, in a latent way or not, “Dioniso against the Crucified”’s moto repetition. And it is in pre-socratic Greece that the Eternal Return’s philosopher will search the inspiration to create an affirmative thought able to englobe pain and thence, from de given reality, it doesn’t matter which, set out, create and act. The dionisiac phenomenon individualizes the one that suffers, giving him back the world belonging feeling - what could be understood as an immanent transformation to nihilism that surmounts it. From the praise of Wagner to Zarathoustra’s solo singing, Nietzsche bet in greek values’s return presented in modernity’s stage.
ARTE ALÉM DA MORAL E ALTERIDADE NO UNO
A tragédia Ática nasceu e morreu cedo, e passa ao largo da visada de Nietzsche um ingênuo renascimento da tragédia grega na Europa do século XIX. Mesmo sua conturbada amizade com Richard Wagner nutria mais a esperança de que a arte pudesse interferir na vida pública atualizando em nova forma valores presentes na Grécia - tais como a autodeterminação individual e a capacidade de lidar e criar com o sofrimento - do que uma transposição mecânica de ritos, encenações e costumes para a modernidade. A estética seria uma justificativa da existência, num mundo em que a cultura se tornou um sistema de incultura, que impede o surgimento do novo, a criação que faz estranhar a própria cultura. Uma passagem de “O Livro do Filósofo”, conjunto de notas escrito entre 1872 e 1875 e só publicado postumamente, deixa esse projeto romântico claro: “Não nos é possível produzir de novo uma estirpe de filósofos como o da Grécia na época da tragédia. Daqui para frente apenas a arte executa a sua tarefa. Agora um sistema assim só é possível como arte” (Nietzsche, 2001B, p.9). Deleuze aponta com perspicácia que um renascimento da tragédia exigiria que a platéia também renascesse junto com o espetáculo (são uma só e mesma coisa), para que os trágicos isolados que porventura restam sejam, no futuro, libertos da violência dos maus auditores, “(...) que lhe deram um sentido medíocre originado da má consciência” (1988, p.20). “É possível uma cultura ser revigorada com a tragédia?”, postula o pathos. O decaimento da tragédia fez surgir o diálogo no palco, criando o psicologismo de alcova; o coro - que com poucas palavras dá o ritmo à narrativa - e o ritual do despedaçamento na embriaguez da encenação desaparecem. A mudança no teatro é um sintoma dos valores validados e compartilhados. A dor é de toda uma cultura, aí incluídos os deuses, não podendo ser algo privado. A música dionisíaca seria anterior a qualquer singularidade, “pranto tonal” ou “melodia original dos afetos” que dá à luz a linguagem. Se a linguagem é o espelho musical do mundo, a música é o espelho dionisíaco das coisas. O querer universal é ainda informe: prazer e desprazer já sofreram individuação. O modelo musical não se esgota com a linguagem, obrigando-a a efetuar deslocamentos; na reprodução há o fracasso que obriga à repetição. Diante de um sofrimento espetacular, requer-se espectadores: divindades são criadas no espelho da encenação, na celebração do horror de existir. Novos símbolos expressivos surgem no desvairo da orgia; por exemplo, a dança (Nietzsche, 1999, p.35). Dionísio prega o caráter saudável da fabricação de novas ilusões.Há a mesma paixão e o mesmo martírio tanto em Dionísio quanto no Cristo: “É o mesmo fenômeno, mas com dois sentidos opostos”. Se, de um lado, a vida justifica e afirma o sofrimento, por outro crê numa injustiça essencial, onde o sofrimento testemunha contra a vida (Deleuze, 1988, p.16). A “taça de vida”, o sagrado leite felliniano a transformar Roma no “Boccacio 70”, é a metáfora escolhida por Karl Löwith para mostrar tão discordante atitude em relação à existência: “Zaratustra quer esvaziar a taça da abundância de ouro”, ao passo que Cristo “(...) esvazia a taça do amargo sofrimento” (1998, p.226). O cristianismo nega os valores estéticos gregos. Temos aqui o niilismo cristão, a forma cristã de se negar a vida com o fenômeno da “má consciência” ou “interiorização da dor” - também denunciado por Deleuze como “ideologia cristã”. O homem que assim funciona é uma verdadeira “máquina de culpa”: responde à dor com o castigo, multiplica a dor e faz dela uma justificativa para seus atos. A visão de Nietzsche seguiria Feuerbach em sua apreciação do cristianismo: “A alegria cristã é a alegria da ‘resolução’ da dor: a dor é interiorizada, oferecida a Deus por esse meio, conduzida a Deus por esse meio”. A crença em Deus é atrelada à dor; sofre-se por amor a Deus. Quando se diz que a dilaceração e a transvaloração independem da crucificação e da transubstancialização é porque o “caminho do salvador” nega a “vida santa que se acrescenta à dor”. A essência do trágico é a afirmação múltipla ou pluralista que coloca sua angústia na pergunta: “pode tudo vir a ser objeto de afirmação, quer dizer, de alegria?”. Atenção: o trágico não é a angústia ou a falta, “a nostalgia da unidade perdida”; sua alegria não é sublimação ou a solução moral da dor. A tarefa de Dionísio é a de nos tornar leves, dançarinos. No cristianismo e na tragédia há um problema em comum, o do sentido da existência. Em Nietzsche essa é a mais alta questão da filosofia, reunindo a interpretação do que existe e a avaliação para o uso criativo. Pode-se elaborar essa pergunta em outros termos: “O que é a justiça?”. Um ponto fixo e eternamente idêntico a si mesmo - Deus - interpretava a existência, julgada por um valor sempre igual, o “mesmo”. Seu dispositivo consistia em “acusar para recuperar e recuperar para acusar”. A valoração aceita correspondia ao ponto de vista da má consciência (Deleuze, 1988, p.17-21). Com Nietzsche a vida deve englobar o sofrimento ao invés de ser julgada por ele; o sofrimento é um de seus múltiplos. A vida olha com amor o seu Nowhereman, sentado em sua Waste Land, e lhe diz, fortemente: “Eu sou tu; já tu, para que continuemos livres e dignos, deves criar, ser outro, como eu diante de ti. Venha”, ordena por fim.“A Repetição Anticristã da Antigüidade no Auge da Modernidade” é o título do quarto capítulo do estudo de Karl Löwith sobre o Eterno Retorno. Título este que aponta para um retorno da diferença do modus vivendi grego que, repetido em outro período, pode trazer o velho sentimento de pertencimento do homem ao mundo. Dionísio contra o Crucificado, esse é o mote do pensamento nietzscheano. Exemplo dessa busca ética é o fragmento segundo de Empédocles, em que a racionalidade aparece como uma aceitação - trágica - da physis, o que faz o homem naturalizar uma defesa contra o niilismo e o não sentido da vida. A extrema clareza desse filósofo que também foi político mostra que o “isolamento” não é físico, mas diz muito mais respeito a uma escolha intelectual: “Pois estreitamente limitadas são as forças de que são dotados os membros dos homens; e numerosos são os males que caem sobre eles, entorpecendo os pensamentos. E em sua vida vêem apenas fraca parte da vida, e, condenados à morte próxima, são levados e dissipam-se como a fumaça no alto. Cada um convencido tão só daquilo que encontrou ao azar de seus muitos e incertos caminhos, embora se vanglorie de ter encontrado o todo. A tal ponto são estas coisas difíceis de serem vistas ou ouvidas ou apreendidas pelo espírito. Tu, porém, saberás, pois dos outros te separaste - mas não mais do que permite a inteligência do espírito mortal” (1972, p.68).Todavia, a oposição entre essas duas figuras - Cristo e Dionísio - não é tanto a respeito do sofrimento, mas ao que se faz com ele, realidade trazida pelo retorno da vida. Há um sofrimento cristão e um sofrimento bem diverso, o trágico. O cristão deve lutar para ter acesso a um ser sagrado que, com aparelhos institucionais, coordena toda uma grade de valores; o homem trágico, por sua vez, é “suficientemente sagrado” para justificar qualquer sofrimento. “O Deus na cruz”, diz ele, “é uma blasfêmia contra a vida, um signo para que nos libertemos dele” (Löwith, 1998, p.294-5). A constatação de que o cristianismo é contra a natureza não perfaz de si “um novo continente da alma”. Esse primeiro momento da verdade é o nada da moral de até então. E descobrir esse nada da moral é descobrir o não valor dos valores. A moral encarada por olhos trágicos é um conjunto de “mentiras fatais”, que assim o são - levam à morte e à loucura - porque fascinam a princípio. Em “O Nascimento da Tragédia” já se queria converter o “estado de espírito trágico”, típico da Grécia, num “pathos filosófico”, numa ferramenta de compreensão da realidade. A Grécia antiga se ergue como modelo de nossas possibilidades para o pensar, como uma cultura que recebeu outra cultura (op. cit., p.134-5). Trata-se, no século XIX e hoje, de refazer o Nó Górdio, de trazer os fragmentos dispersos ao léu, simplificar o mundo ao lhe dar uma forma, helenizar o que se orientalizou, dar ser ao devir (Nietzsche in idem, p.136-7). Esse “mundo simplificado” do qual fala Nietzsche na intempestiva sobre Wagner não é só o anel dos Nibelungos: “O ‘fragmento’ homem se completa no conjunto desse anel da história universal por uma vontade que quer atingir o que ainda poderia ser querendo retornar em direção do que já foi”. Liberta-se o futuro do pretérito, o homem do niilismo. No entanto, não se volta à Grécia - ou a qualquer localidade -, mas é algo dela que aparece. Todos os pontos de relação com os gregos antigos foram cortados, salvo seus conceitos (Löwith, 1998, p.137) e sua produção cultural. Em um fragmento Nietzsche delibera que é preciso passar das fórmulas às formas (in Löwith, 1998, p.137). Dizer não é a pré-condição para se dizer sim ao que é. Assim agir é tornar-se mais grego, novo Colombo do mundo antigo. A Grécia faz a síntese com o oriente, dando origem à Europa: a resistência e a disciplina de si ganham a “saúde mediterrânea”. Entrar em contato com o mundo antigo - e, por que não, com a história - é uma experiência, muito além da representação: “Para a lembrança do mundo antigo Nietzsche parou de viver intelectualmente e começou a viver”. A contraposição de Nietzsche a Sócrates passa, sobretudo, por Heráclito. Constata Löwith que o homem está “alienado do cosmos” e que, a partir de Sócrates, a metafísica se tornou história, no sentido moral ou grade de valores que norteiam as ações (Löwith, 1998, p.141-2). A tese de que o fogo é o gerador do processo cósmico pode ser conferida no fragmento 30: “Este mundo, igual para todos, nenhum dos deuses e nenhum dos homens o fez; sempre foi, é e será um fogo eternamente vivo, acendendo-se e apagando-se conforme a medida”. A unidade dos contrários no ser de tudo que é e existe, homem e mundo, pode ser facilmente depreendida dos fragmentos 51 e 67, por exemplo: “Eles não compreendem como, separando-se, podem harmonizar-se: harmonia de forças contrárias, como o arco e a lira”; e “Deus é dia e noite, inverno e verão, guerra e paz, abundância e fome. Mas toma formas variadas, assim como o fogo, quando misturado com essências, toma o nome segundo o perfume de cada uma delas”. A dialética dos extremos do ser que mostra o devir tem seu registro no fragmento 88: “Em nós, manifesta-se sempre uma e a mesma coisa: vida e morte, vigília e sono, juventude e velhice. Pois a mudança de um dá o outro e reciprocamente” (1972, p.38-41). Segundo Löwith, aí estariam as primeiras bases para o Eterno Retorno.Nietzsche retira do efésio a noção de que tudo o que existe deve ter a “forma suprema do orgulho”; o orgulho se transforma então em pathos nobre, numa “identificação voluntária de si com a verdade”. O ser justifica o devir, não o pune - isso jaz no mundo desde sempre, e já era dito na Grécia (Löwith, 1998, p.142-3). “Ecce Homo” assume que a hipótese de Heráclito é possível e que mesmo o Eterno Retorno poderia ter sido ensinado por quem Nietzsche considerava ser seu antecessor (1957, p.79-80). Ao mostrar o devir do que a essência é o logos, Heráclito chega a uma “(...) medida transformada do tempo da percepção sensível, para a qual a duração aparente do mundo se dissolve numa ‘tempestade do devir’”. O jogo de Zeus e do fogo é como a criança a brincar e o artista que contempla sua obra - na aproximação secular da filosofia. O devir desconstrói a teleologia e, portanto, a noção de causalidade - pelo menos no sentido cosmológico, de uma natureza dotada de Razão ou de uma objetividade fetichizada, já que a vontade estabelece metas, que podem ser atingidas ou não, que realizam algo esperado ou não. Referenciando o homem no devir ao acontecimento específico da morte de Deus, os elementos em relação mudam, mudando também a relação. A morte de Deus desperta uma nova compreensão do mundo: “A história do pensamento preenche sempre um esquema fundamental de maneiras de pensar possíveis, e sob a influência de uma necessidade ele retorna sempre em direção de uma imemorial ‘organização interna da alma’”. A contingência histórica muda “a idéia imemorial do Eterno Retorno”. O Eterno Retorno de Nietzsche se debruça diante da absurdidade da fé cristã que destruiu a racionalidade do cosmos arbitrariamente. O cristianismo transvalorara o paganismo e agora é o ponto de partida. O pensamento de Nietzsche não é mais “grego”, não é a atualização do passado: a vontade de potência quer o futuro. Nietzsche era tão contraditório - cristão e anticristão - que somente o desejo de futuro e a vontade de criar o levariam adiante na tarefa de “desalienar o mundo” (Löwith, 1998, p.144-8). Enquanto a cosmologia grega acredita que o movimento das esferas celestes “revelava o logos cósmico e a perfeição divina”, Nietzsche depara-se com a contradição do retorno natural com a vontade que quer se libertar; enquanto um pensa no homem mortal - “Oh, alma minha, não almejai a vida eterna, mas esgota o campo do possível!” (Píndaro, Pítica III in Camus, 1967, p.9) - Nietzsche tentava imortalizar o homem (Löwith, 1998, p.149). Löwith também aponta semelhanças entre o pensamento de Empédocles e o de Nietzsche. No que chegou a nós de seus poemas é possível retirar a tese de que a vida sempre retorna a si - o que seria um dos primórdios do Eterno Retorno do ser. O fim de ambos filósofos foi bem distinto, contudo: enquanto o grego teve uma morte beirando o relato mítico - louco e cercado pelo povo foi tragado pelo vulcão Etna e, poucos antes de desaparecer nas incandescentes frestas da terra, anunciou “a verdade do renascimento” -, o pensador do Eterno Retorno faleceu vigiado por moralizantes e paralizantes quatro paredes, num quarto de doente (op. cit., p.215). O fragmento 17, excerto do poema “Sobre a Natureza”, talvez seja o mais representativo da obra de Empédocles. A fragmentação das coisas e a dissolução dos corpos faz parte do processo de geração do ser, ritmo do ciclo cósmico regido pelo amor e pelo ódio: “Dupla é a gênese das coisas mortais, duplo também seu aparecimento. Pois uma gera e destrói a união de todos [elementos]; a outra, [apenas] surgida, se dissipa, quando aqueles [os elementos] se separam. E esta constante mudança jamais cessa: às vezes todas as coisas unem-se pelo amor, outras, separam-se novamente [os elementos] na discórdia do ódio”. A vida não é imutável na geração cíclica da constante mudança: a criação faz o múltiplo do uno e também o uno do múltiplo (1972, p.69-70).
BIBLIOGRAFIA:
DELEUZE, G. Nietzsche et la Philosophie. Paris: Presses Universitaires de France, 1988.___________. Nietzsche. Trad. Campos, A. Lisboa: Edições 70, 1994.___________. Conclusions - Sur la Volonté de Puissance et l’Éternel Retour. In: Nietzsche, Cahiers de Royaumont. Paris: Minuit, 1967.ELIOT, T. S. Poesia. Trad. Junqueira, I. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1981.LÖWITH, K. Nietzsche: Philosophie de l’Éternel Retour du Même. Trad. Astrup, A-N. Paris: Calmann-Lévy, 1998.___________. Nietzsche et sa Tentative de Récuperation du Monde. Trad. Kelkel, A. In: Nietzsche, Cahiers de Royaumont. Paris: Minuit, 1967.NIETZSCHE, F. Assim Falava Zaratustra. Trad. Silva, M. Rio: Civilização Brasileira, 1998._____________. O Nascimento da Tragédia. Trad. Guinsburg, J. São Paulo: Companhia das Letras, 1999. _____________. A Gaia Ciência. Trad. Souza, P. C. São Paulo: Companhia das Letras, 2001 A.____________. Ecce Homo. Trad. Marinho, J. Rio de Janeiro: Organizações Simões, 1957.____________. Genealogia da Moral. Trad. Souza, P. C. São Paulo: Companhia das Letras, 2004A.___________. El Crepúsculo de los Ídolos. Trad. Blanco González, P. Buenos Aires: Tor, sem data.___________. Segunda Consideração Intempestiva. Trad. Casanova, M. A. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2003B.___________. O Livro do Filósofo. Trad. Frias Ferreira, R. E. São Paulo: Centauro, 2001B.___________. Além do Bem e do Mal. Trad. Souza, P. C. São Paulo: Companhia das Letras, 2003 A.___________. Humano, Demasiado Humano. Trad. Souza, P. C. São Paulo: Companhia das Letras, 2004B.PRÉ-SOCRÁTICOS. Trad. Bornheim, G. São Paulo: Cultrix, 1972.
A tragédia Ática nasceu e morreu cedo, e passa ao largo da visada de Nietzsche um ingênuo renascimento da tragédia grega na Europa do século XIX. Mesmo sua conturbada amizade com Richard Wagner nutria mais a esperança de que a arte pudesse interferir na vida pública atualizando em nova forma valores presentes na Grécia - tais como a autodeterminação individual e a capacidade de lidar e criar com o sofrimento - do que uma transposição mecânica de ritos, encenações e costumes para a modernidade. A estética seria uma justificativa da existência, num mundo em que a cultura se tornou um sistema de incultura, que impede o surgimento do novo, a criação que faz estranhar a própria cultura. Uma passagem de “O Livro do Filósofo”, conjunto de notas escrito entre 1872 e 1875 e só publicado postumamente, deixa esse projeto romântico claro: “Não nos é possível produzir de novo uma estirpe de filósofos como o da Grécia na época da tragédia. Daqui para frente apenas a arte executa a sua tarefa. Agora um sistema assim só é possível como arte” (Nietzsche, 2001B, p.9). Deleuze aponta com perspicácia que um renascimento da tragédia exigiria que a platéia também renascesse junto com o espetáculo (são uma só e mesma coisa), para que os trágicos isolados que porventura restam sejam, no futuro, libertos da violência dos maus auditores, “(...) que lhe deram um sentido medíocre originado da má consciência” (1988, p.20). “É possível uma cultura ser revigorada com a tragédia?”, postula o pathos. O decaimento da tragédia fez surgir o diálogo no palco, criando o psicologismo de alcova; o coro - que com poucas palavras dá o ritmo à narrativa - e o ritual do despedaçamento na embriaguez da encenação desaparecem. A mudança no teatro é um sintoma dos valores validados e compartilhados. A dor é de toda uma cultura, aí incluídos os deuses, não podendo ser algo privado. A música dionisíaca seria anterior a qualquer singularidade, “pranto tonal” ou “melodia original dos afetos” que dá à luz a linguagem. Se a linguagem é o espelho musical do mundo, a música é o espelho dionisíaco das coisas. O querer universal é ainda informe: prazer e desprazer já sofreram individuação. O modelo musical não se esgota com a linguagem, obrigando-a a efetuar deslocamentos; na reprodução há o fracasso que obriga à repetição. Diante de um sofrimento espetacular, requer-se espectadores: divindades são criadas no espelho da encenação, na celebração do horror de existir. Novos símbolos expressivos surgem no desvairo da orgia; por exemplo, a dança (Nietzsche, 1999, p.35). Dionísio prega o caráter saudável da fabricação de novas ilusões.Há a mesma paixão e o mesmo martírio tanto em Dionísio quanto no Cristo: “É o mesmo fenômeno, mas com dois sentidos opostos”. Se, de um lado, a vida justifica e afirma o sofrimento, por outro crê numa injustiça essencial, onde o sofrimento testemunha contra a vida (Deleuze, 1988, p.16). A “taça de vida”, o sagrado leite felliniano a transformar Roma no “Boccacio 70”, é a metáfora escolhida por Karl Löwith para mostrar tão discordante atitude em relação à existência: “Zaratustra quer esvaziar a taça da abundância de ouro”, ao passo que Cristo “(...) esvazia a taça do amargo sofrimento” (1998, p.226). O cristianismo nega os valores estéticos gregos. Temos aqui o niilismo cristão, a forma cristã de se negar a vida com o fenômeno da “má consciência” ou “interiorização da dor” - também denunciado por Deleuze como “ideologia cristã”. O homem que assim funciona é uma verdadeira “máquina de culpa”: responde à dor com o castigo, multiplica a dor e faz dela uma justificativa para seus atos. A visão de Nietzsche seguiria Feuerbach em sua apreciação do cristianismo: “A alegria cristã é a alegria da ‘resolução’ da dor: a dor é interiorizada, oferecida a Deus por esse meio, conduzida a Deus por esse meio”. A crença em Deus é atrelada à dor; sofre-se por amor a Deus. Quando se diz que a dilaceração e a transvaloração independem da crucificação e da transubstancialização é porque o “caminho do salvador” nega a “vida santa que se acrescenta à dor”. A essência do trágico é a afirmação múltipla ou pluralista que coloca sua angústia na pergunta: “pode tudo vir a ser objeto de afirmação, quer dizer, de alegria?”. Atenção: o trágico não é a angústia ou a falta, “a nostalgia da unidade perdida”; sua alegria não é sublimação ou a solução moral da dor. A tarefa de Dionísio é a de nos tornar leves, dançarinos. No cristianismo e na tragédia há um problema em comum, o do sentido da existência. Em Nietzsche essa é a mais alta questão da filosofia, reunindo a interpretação do que existe e a avaliação para o uso criativo. Pode-se elaborar essa pergunta em outros termos: “O que é a justiça?”. Um ponto fixo e eternamente idêntico a si mesmo - Deus - interpretava a existência, julgada por um valor sempre igual, o “mesmo”. Seu dispositivo consistia em “acusar para recuperar e recuperar para acusar”. A valoração aceita correspondia ao ponto de vista da má consciência (Deleuze, 1988, p.17-21). Com Nietzsche a vida deve englobar o sofrimento ao invés de ser julgada por ele; o sofrimento é um de seus múltiplos. A vida olha com amor o seu Nowhereman, sentado em sua Waste Land, e lhe diz, fortemente: “Eu sou tu; já tu, para que continuemos livres e dignos, deves criar, ser outro, como eu diante de ti. Venha”, ordena por fim.“A Repetição Anticristã da Antigüidade no Auge da Modernidade” é o título do quarto capítulo do estudo de Karl Löwith sobre o Eterno Retorno. Título este que aponta para um retorno da diferença do modus vivendi grego que, repetido em outro período, pode trazer o velho sentimento de pertencimento do homem ao mundo. Dionísio contra o Crucificado, esse é o mote do pensamento nietzscheano. Exemplo dessa busca ética é o fragmento segundo de Empédocles, em que a racionalidade aparece como uma aceitação - trágica - da physis, o que faz o homem naturalizar uma defesa contra o niilismo e o não sentido da vida. A extrema clareza desse filósofo que também foi político mostra que o “isolamento” não é físico, mas diz muito mais respeito a uma escolha intelectual: “Pois estreitamente limitadas são as forças de que são dotados os membros dos homens; e numerosos são os males que caem sobre eles, entorpecendo os pensamentos. E em sua vida vêem apenas fraca parte da vida, e, condenados à morte próxima, são levados e dissipam-se como a fumaça no alto. Cada um convencido tão só daquilo que encontrou ao azar de seus muitos e incertos caminhos, embora se vanglorie de ter encontrado o todo. A tal ponto são estas coisas difíceis de serem vistas ou ouvidas ou apreendidas pelo espírito. Tu, porém, saberás, pois dos outros te separaste - mas não mais do que permite a inteligência do espírito mortal” (1972, p.68).Todavia, a oposição entre essas duas figuras - Cristo e Dionísio - não é tanto a respeito do sofrimento, mas ao que se faz com ele, realidade trazida pelo retorno da vida. Há um sofrimento cristão e um sofrimento bem diverso, o trágico. O cristão deve lutar para ter acesso a um ser sagrado que, com aparelhos institucionais, coordena toda uma grade de valores; o homem trágico, por sua vez, é “suficientemente sagrado” para justificar qualquer sofrimento. “O Deus na cruz”, diz ele, “é uma blasfêmia contra a vida, um signo para que nos libertemos dele” (Löwith, 1998, p.294-5). A constatação de que o cristianismo é contra a natureza não perfaz de si “um novo continente da alma”. Esse primeiro momento da verdade é o nada da moral de até então. E descobrir esse nada da moral é descobrir o não valor dos valores. A moral encarada por olhos trágicos é um conjunto de “mentiras fatais”, que assim o são - levam à morte e à loucura - porque fascinam a princípio. Em “O Nascimento da Tragédia” já se queria converter o “estado de espírito trágico”, típico da Grécia, num “pathos filosófico”, numa ferramenta de compreensão da realidade. A Grécia antiga se ergue como modelo de nossas possibilidades para o pensar, como uma cultura que recebeu outra cultura (op. cit., p.134-5). Trata-se, no século XIX e hoje, de refazer o Nó Górdio, de trazer os fragmentos dispersos ao léu, simplificar o mundo ao lhe dar uma forma, helenizar o que se orientalizou, dar ser ao devir (Nietzsche in idem, p.136-7). Esse “mundo simplificado” do qual fala Nietzsche na intempestiva sobre Wagner não é só o anel dos Nibelungos: “O ‘fragmento’ homem se completa no conjunto desse anel da história universal por uma vontade que quer atingir o que ainda poderia ser querendo retornar em direção do que já foi”. Liberta-se o futuro do pretérito, o homem do niilismo. No entanto, não se volta à Grécia - ou a qualquer localidade -, mas é algo dela que aparece. Todos os pontos de relação com os gregos antigos foram cortados, salvo seus conceitos (Löwith, 1998, p.137) e sua produção cultural. Em um fragmento Nietzsche delibera que é preciso passar das fórmulas às formas (in Löwith, 1998, p.137). Dizer não é a pré-condição para se dizer sim ao que é. Assim agir é tornar-se mais grego, novo Colombo do mundo antigo. A Grécia faz a síntese com o oriente, dando origem à Europa: a resistência e a disciplina de si ganham a “saúde mediterrânea”. Entrar em contato com o mundo antigo - e, por que não, com a história - é uma experiência, muito além da representação: “Para a lembrança do mundo antigo Nietzsche parou de viver intelectualmente e começou a viver”. A contraposição de Nietzsche a Sócrates passa, sobretudo, por Heráclito. Constata Löwith que o homem está “alienado do cosmos” e que, a partir de Sócrates, a metafísica se tornou história, no sentido moral ou grade de valores que norteiam as ações (Löwith, 1998, p.141-2). A tese de que o fogo é o gerador do processo cósmico pode ser conferida no fragmento 30: “Este mundo, igual para todos, nenhum dos deuses e nenhum dos homens o fez; sempre foi, é e será um fogo eternamente vivo, acendendo-se e apagando-se conforme a medida”. A unidade dos contrários no ser de tudo que é e existe, homem e mundo, pode ser facilmente depreendida dos fragmentos 51 e 67, por exemplo: “Eles não compreendem como, separando-se, podem harmonizar-se: harmonia de forças contrárias, como o arco e a lira”; e “Deus é dia e noite, inverno e verão, guerra e paz, abundância e fome. Mas toma formas variadas, assim como o fogo, quando misturado com essências, toma o nome segundo o perfume de cada uma delas”. A dialética dos extremos do ser que mostra o devir tem seu registro no fragmento 88: “Em nós, manifesta-se sempre uma e a mesma coisa: vida e morte, vigília e sono, juventude e velhice. Pois a mudança de um dá o outro e reciprocamente” (1972, p.38-41). Segundo Löwith, aí estariam as primeiras bases para o Eterno Retorno.Nietzsche retira do efésio a noção de que tudo o que existe deve ter a “forma suprema do orgulho”; o orgulho se transforma então em pathos nobre, numa “identificação voluntária de si com a verdade”. O ser justifica o devir, não o pune - isso jaz no mundo desde sempre, e já era dito na Grécia (Löwith, 1998, p.142-3). “Ecce Homo” assume que a hipótese de Heráclito é possível e que mesmo o Eterno Retorno poderia ter sido ensinado por quem Nietzsche considerava ser seu antecessor (1957, p.79-80). Ao mostrar o devir do que a essência é o logos, Heráclito chega a uma “(...) medida transformada do tempo da percepção sensível, para a qual a duração aparente do mundo se dissolve numa ‘tempestade do devir’”. O jogo de Zeus e do fogo é como a criança a brincar e o artista que contempla sua obra - na aproximação secular da filosofia. O devir desconstrói a teleologia e, portanto, a noção de causalidade - pelo menos no sentido cosmológico, de uma natureza dotada de Razão ou de uma objetividade fetichizada, já que a vontade estabelece metas, que podem ser atingidas ou não, que realizam algo esperado ou não. Referenciando o homem no devir ao acontecimento específico da morte de Deus, os elementos em relação mudam, mudando também a relação. A morte de Deus desperta uma nova compreensão do mundo: “A história do pensamento preenche sempre um esquema fundamental de maneiras de pensar possíveis, e sob a influência de uma necessidade ele retorna sempre em direção de uma imemorial ‘organização interna da alma’”. A contingência histórica muda “a idéia imemorial do Eterno Retorno”. O Eterno Retorno de Nietzsche se debruça diante da absurdidade da fé cristã que destruiu a racionalidade do cosmos arbitrariamente. O cristianismo transvalorara o paganismo e agora é o ponto de partida. O pensamento de Nietzsche não é mais “grego”, não é a atualização do passado: a vontade de potência quer o futuro. Nietzsche era tão contraditório - cristão e anticristão - que somente o desejo de futuro e a vontade de criar o levariam adiante na tarefa de “desalienar o mundo” (Löwith, 1998, p.144-8). Enquanto a cosmologia grega acredita que o movimento das esferas celestes “revelava o logos cósmico e a perfeição divina”, Nietzsche depara-se com a contradição do retorno natural com a vontade que quer se libertar; enquanto um pensa no homem mortal - “Oh, alma minha, não almejai a vida eterna, mas esgota o campo do possível!” (Píndaro, Pítica III in Camus, 1967, p.9) - Nietzsche tentava imortalizar o homem (Löwith, 1998, p.149). Löwith também aponta semelhanças entre o pensamento de Empédocles e o de Nietzsche. No que chegou a nós de seus poemas é possível retirar a tese de que a vida sempre retorna a si - o que seria um dos primórdios do Eterno Retorno do ser. O fim de ambos filósofos foi bem distinto, contudo: enquanto o grego teve uma morte beirando o relato mítico - louco e cercado pelo povo foi tragado pelo vulcão Etna e, poucos antes de desaparecer nas incandescentes frestas da terra, anunciou “a verdade do renascimento” -, o pensador do Eterno Retorno faleceu vigiado por moralizantes e paralizantes quatro paredes, num quarto de doente (op. cit., p.215). O fragmento 17, excerto do poema “Sobre a Natureza”, talvez seja o mais representativo da obra de Empédocles. A fragmentação das coisas e a dissolução dos corpos faz parte do processo de geração do ser, ritmo do ciclo cósmico regido pelo amor e pelo ódio: “Dupla é a gênese das coisas mortais, duplo também seu aparecimento. Pois uma gera e destrói a união de todos [elementos]; a outra, [apenas] surgida, se dissipa, quando aqueles [os elementos] se separam. E esta constante mudança jamais cessa: às vezes todas as coisas unem-se pelo amor, outras, separam-se novamente [os elementos] na discórdia do ódio”. A vida não é imutável na geração cíclica da constante mudança: a criação faz o múltiplo do uno e também o uno do múltiplo (1972, p.69-70).
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Fonte: a) Texto: Revista Eletrônica em Ciências Humanas- Conhecimento e Sociedade - publicação on-line semestral - ISSN 1676-2924
http://www.unirio.br/morpheusonline/index.htm
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b) Imagem: textando.zip.net/arch2005-03-01_2005-03-31.html
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