Ao contrário dos gregos, os hindus desprezaram a física e a cosmologia em favor da ontologia e podem ser considerados os verdadeiros fundadores da lógica e da metafísica. Taranto narra a visita de um filósofo hindu a Sócrates, e o Timeu de Platão é de nítida inspiração hinduísta.
Filosofia indiana é a denominação genérica que se dá ao conjunto de concepções, teorias e sistemas desenvolvidos pelas civilizações do subcontinente indiano. Três conceitos fundamentam o pensamento filosófico indiano: o eu, ou alma (atman), as ações (karma), e a libertação (moksha). Exceto pelo charvaka (materialismo radical), todas as filosofias indianas lidam com esses três conceitos e suas inter-relações, embora isso não signifique que aceitem sua validade objetiva precisamente da mesma maneira.
Dos três conceitos, o karma, que representa a eficácia moral das ações humanas, parece ser o mais tipicamente indiano. O conceito de atman corresponde, de certa maneira, ao conceito ocidental do eu espiritual transcendental ou absoluto. O conceito de moksha como o mais alto ideal igualmente aparece no pensamento ocidental, especialmente durante a era cristã, embora talvez nunca tenha sido tão importante quanto o é para a mente hindu. A maioria das filosofias indianas aceita o moksha como algo possível, e a "impossibilidade do moksha" (anirmoksha) é tida como uma falácia material que pode tornar viciosa uma teoria filosófica.
Textos sagrados. Os escritos sagrados da cultura hindu, sobretudo os Vedas (os mais antigos textos sagrados da Índia), os Upanishads e o Mahabharata, há muito influenciam o pensamento filosófico indiano. Os hinos védicos, escrituras hindus datadas do segundo milênio antes da era cristã, são os mais antigos registros remanescentes, na Índia, do processo pelo qual a mente humana produz seus deuses, bem como do processo psicológico da produção de mitos, que leva a profundos conceitos cosmológicos.
Os Upanishads (tratados filosóficos indianos) contêm uma das primeiras concepções da realidade universal, onipresente e espiritual que conduzem ao monismo radical (absoluto não-dualismo, ou unidade essencial da matéria e do espírito). Também contêm antigas especulações dos filósofos indianos sobre a natureza, a vida, a mente e o corpo humanos, além de ética e filosofia social.
Sistemas ortodoxos. Os sistemas clássicos, ou ortodoxos, chamados darsanas, discutem questões como o status do indivíduo finito; a distinção, assim como a relação, entre corpo, mente e indivíduo; a natureza do conhecimento e os tipos de que conhecimento válidos; a natureza e a origem da verdade; os tipos de entidades que se pode dizer existem; a relação entre realismo e idealismo; a questão sobre se os universos ou as relações são básicos; e o importantíssimo problema do moksha, ou libertação, sua natureza e os caminhos que a ela conduzem.
As várias filosofias indianas apresentam, no entanto, tal diversidade de visões, teorias e sistemas, que se torna quase impossível distinguir características comuns a todas. A aceitação da autoridade dos Vedas caracteriza todos os sistemas ortodoxos (astika): Nyaya, Vaisesika, Samkhya, Ioga, Purva Mimansa e Vedanta. Os sistemas não-ortodoxos (nastika) entre eles o charvaka, o budismo e o jainismo, rejeitam a autoridade védica. Mesmo entre os filósofos ortodoxos, porém, a fidelidade aos Vedas limitou muito pouco a liberdade das especulações, e os Vedas podiam ser citados para legitimar uma vasta diversidade de idéias, fossem monistas ou atomistas.
Mimansa, ou Purva Mimansa, é o sistema que fornece regras para a interpretação dos Vedas e oferece uma justificativa filosófica para a observância do ritual védico. O Vedanta forma a base da maioria das escolas modernas do hinduísmo e seus principais textos são os Upanishads e o Bhagavad-Gita. Ao contrário do Mimansa, é um sistema interessado na interpretação filosófica dos Vedas, mais que com seus aspectos ritualísticos.
Em sânscrito, Vedanta significa a "conclusão" (anta) dos Vedas. Como eram muitas as interpretações, desenvolveram-se várias escolas de Vedanta que, no entanto, têm muitas crenças em comum: transmigração do eu e o desejo de libertar-se do ciclo de renascimentos (samsara); a autoridade dos Vedas como meio para essa libertação; Brahma como motivo da existência do mundo; e o atman como agente de seus próprios atos e, portanto, receptor das conseqüências da ação (phala). Todas as escolas de Vedanta rejeitam tanto as filosofias heterodoxas do budismo e do jainismo como as conclusões das outras escolas ortodoxas. Sua influência no pensamento indiano é tão profunda que se pode dizer que, em qualquer de suas formas, a filosofia hindu se tornou Vedanta.
A Nyaya examina em profundidade o método de raciocínio conhecido como inferência. Essa escola é importante por sua análise da lógica e da epistemologia. Já o Vaisesika sobressai por suas tentativas de identificar, inventariar e classificar as entidades da realidade que se apresentam à percepção humana. A Samkhya adota um dualismo coerente entre as ordens da matéria e as do eu, ou alma. Nessa escola, o conhecimento correto consiste na habilidade do eu de se distinguir da matéria. A Ioga influenciou muitas outras escolas por sua descrição da disciplina prática para realizar intuitivamente o conhecimento metafísico proposto pelo sistema Samkhya, a que a Ioga está intimamente relacionada.
Cada uma dessas escolas de pensamento foi sistematizada por meio dos conjuntos de sutras. Ao reunir um determinado número de aforismas, fórmulas ou regras breves e de fácil memorização, os sutras resumem cada uma das doutrinas.
Filosofia indiana e pensamento ocidental. Entre os temas considerados pelo pensamento indiano e ignorados pelo ocidental estão a origem (utpatti) e a apreensão (jnapti) da verdade (pramanya). Os problemas que os filósofos indianos na maioria ignoraram, mas que ajudaram a dar forma à filosofia ocidental, incluem a questão se o conhecimento surge da experiência ou da razão, além das distinções entre o juízo analítico e sintético e entre verdades contingentes e necessárias.
A filosofia indiana começou a interessar o Ocidente no século XVIII, quando foi feita a tradução do Bhagavad-Gita. No século seguinte, Anquetil-Duperron traduziu do persa, em latim, cinqüenta dos Upanishads. Foi também no século XIX que a Índia entrou em contato com o pensamento ocidental, especialmente com as filosofias empiristas, utilitaristas e agnósticas da Grã-Bretanha. No fim do século, John Stuart Mill, Jeremy Bentham e Herbert Spencer eram os pensadores mais influentes nas universidades indianas.
As idéias influenciadas pelo pensamento ocidental serviram para criar uma vertente de orientação secular e racional, ao mesmo tempo em que estimularam movimentos sociais e religiosos, entre os quais o movimento Brahmo (Brahma) Samaj, fundado por Rammohan Ray. No fim do século XIX, o grande santo Ramakrishna Paramahamsa de Calcutá renovou o interesse pelo misticismo, e muitos jovens racionalistas e céticos se converteram à fé que ele representava. Ramakrishna pregava uma diversidade essencial de caminhos que levam à mesma meta. Seus ensinamentos ganharam forma intelectual no trabalho de Swami Vivekananda, seu famoso discípulo.
Século XX. A primeira faculdade de filosofia da Índia surgiu na Universidade de Calcutá, no início do século XX, e o primeiro catedrático da matéria foi Sir Brajendranath Seal, acadêmico versátil que dominava diversas disciplinas científicas e humanísticas. Sua principal obra publicada é As ciências positivas dos antigos hindus, que discorre sobre a história da ciência e relaciona os conceitos filosóficos hindus a suas teorias científicas.
Em pouco tempo, porém, os filósofos mais estudados nas universidades indianas passaram a ser os alemães Kant e Hegel, e os sistemas filosóficos antigos foram avaliados à luz do idealismo alemão. A noção hegeliana do espírito absoluto encontrou ressonância na antiga noção vedanta de Brahma. O mais eminente estudioso hindu hegeliano é Hiralal Haldar, que abordou o problema da relação da personalidade humana com o absoluto, como se evidencia em seu livro Neo-hegelianismo. O acadêmico kantiano que se tornou mais conhecido foi K. C. Bhattacharyya.
Alguns indianos que viveram na primeira metade do século XX merecem menção por suas contribuições originais ao pensamento filosófico. Sri Aurobindo, ativista político que mais tarde se tornou yogin, vê a ioga como uma técnica não apenas de libertação pessoal, mas também de cooperação com a necessidade cósmica de evolução que levará o homem a um estado de consciência supramental. Rabindranath Tagore caracterizou o absoluto como a pessoa suprema e colocou o amor acima do conhecimento.
Para Mahatma Gandhi, líder social e político, a unidade da existência, que ele chamou de "verdade", pode realizar-se pela prática da não-violência (ahimsa), em que a pessoa atinge o limite máximo da humildade. Sob a influência do idealismo hegeliano e da filosofia da mudança, de Henri Bergson, o poeta e filósofo Mohamed Iqbal concebeu uma realidade criativa e essencialmente espiritual.
Filosofia indiana é a denominação genérica que se dá ao conjunto de concepções, teorias e sistemas desenvolvidos pelas civilizações do subcontinente indiano. Três conceitos fundamentam o pensamento filosófico indiano: o eu, ou alma (atman), as ações (karma), e a libertação (moksha). Exceto pelo charvaka (materialismo radical), todas as filosofias indianas lidam com esses três conceitos e suas inter-relações, embora isso não signifique que aceitem sua validade objetiva precisamente da mesma maneira.
Dos três conceitos, o karma, que representa a eficácia moral das ações humanas, parece ser o mais tipicamente indiano. O conceito de atman corresponde, de certa maneira, ao conceito ocidental do eu espiritual transcendental ou absoluto. O conceito de moksha como o mais alto ideal igualmente aparece no pensamento ocidental, especialmente durante a era cristã, embora talvez nunca tenha sido tão importante quanto o é para a mente hindu. A maioria das filosofias indianas aceita o moksha como algo possível, e a "impossibilidade do moksha" (anirmoksha) é tida como uma falácia material que pode tornar viciosa uma teoria filosófica.
Textos sagrados. Os escritos sagrados da cultura hindu, sobretudo os Vedas (os mais antigos textos sagrados da Índia), os Upanishads e o Mahabharata, há muito influenciam o pensamento filosófico indiano. Os hinos védicos, escrituras hindus datadas do segundo milênio antes da era cristã, são os mais antigos registros remanescentes, na Índia, do processo pelo qual a mente humana produz seus deuses, bem como do processo psicológico da produção de mitos, que leva a profundos conceitos cosmológicos.
Os Upanishads (tratados filosóficos indianos) contêm uma das primeiras concepções da realidade universal, onipresente e espiritual que conduzem ao monismo radical (absoluto não-dualismo, ou unidade essencial da matéria e do espírito). Também contêm antigas especulações dos filósofos indianos sobre a natureza, a vida, a mente e o corpo humanos, além de ética e filosofia social.
Sistemas ortodoxos. Os sistemas clássicos, ou ortodoxos, chamados darsanas, discutem questões como o status do indivíduo finito; a distinção, assim como a relação, entre corpo, mente e indivíduo; a natureza do conhecimento e os tipos de que conhecimento válidos; a natureza e a origem da verdade; os tipos de entidades que se pode dizer existem; a relação entre realismo e idealismo; a questão sobre se os universos ou as relações são básicos; e o importantíssimo problema do moksha, ou libertação, sua natureza e os caminhos que a ela conduzem.
As várias filosofias indianas apresentam, no entanto, tal diversidade de visões, teorias e sistemas, que se torna quase impossível distinguir características comuns a todas. A aceitação da autoridade dos Vedas caracteriza todos os sistemas ortodoxos (astika): Nyaya, Vaisesika, Samkhya, Ioga, Purva Mimansa e Vedanta. Os sistemas não-ortodoxos (nastika) entre eles o charvaka, o budismo e o jainismo, rejeitam a autoridade védica. Mesmo entre os filósofos ortodoxos, porém, a fidelidade aos Vedas limitou muito pouco a liberdade das especulações, e os Vedas podiam ser citados para legitimar uma vasta diversidade de idéias, fossem monistas ou atomistas.
Mimansa, ou Purva Mimansa, é o sistema que fornece regras para a interpretação dos Vedas e oferece uma justificativa filosófica para a observância do ritual védico. O Vedanta forma a base da maioria das escolas modernas do hinduísmo e seus principais textos são os Upanishads e o Bhagavad-Gita. Ao contrário do Mimansa, é um sistema interessado na interpretação filosófica dos Vedas, mais que com seus aspectos ritualísticos.
Em sânscrito, Vedanta significa a "conclusão" (anta) dos Vedas. Como eram muitas as interpretações, desenvolveram-se várias escolas de Vedanta que, no entanto, têm muitas crenças em comum: transmigração do eu e o desejo de libertar-se do ciclo de renascimentos (samsara); a autoridade dos Vedas como meio para essa libertação; Brahma como motivo da existência do mundo; e o atman como agente de seus próprios atos e, portanto, receptor das conseqüências da ação (phala). Todas as escolas de Vedanta rejeitam tanto as filosofias heterodoxas do budismo e do jainismo como as conclusões das outras escolas ortodoxas. Sua influência no pensamento indiano é tão profunda que se pode dizer que, em qualquer de suas formas, a filosofia hindu se tornou Vedanta.
A Nyaya examina em profundidade o método de raciocínio conhecido como inferência. Essa escola é importante por sua análise da lógica e da epistemologia. Já o Vaisesika sobressai por suas tentativas de identificar, inventariar e classificar as entidades da realidade que se apresentam à percepção humana. A Samkhya adota um dualismo coerente entre as ordens da matéria e as do eu, ou alma. Nessa escola, o conhecimento correto consiste na habilidade do eu de se distinguir da matéria. A Ioga influenciou muitas outras escolas por sua descrição da disciplina prática para realizar intuitivamente o conhecimento metafísico proposto pelo sistema Samkhya, a que a Ioga está intimamente relacionada.
Cada uma dessas escolas de pensamento foi sistematizada por meio dos conjuntos de sutras. Ao reunir um determinado número de aforismas, fórmulas ou regras breves e de fácil memorização, os sutras resumem cada uma das doutrinas.
Filosofia indiana e pensamento ocidental. Entre os temas considerados pelo pensamento indiano e ignorados pelo ocidental estão a origem (utpatti) e a apreensão (jnapti) da verdade (pramanya). Os problemas que os filósofos indianos na maioria ignoraram, mas que ajudaram a dar forma à filosofia ocidental, incluem a questão se o conhecimento surge da experiência ou da razão, além das distinções entre o juízo analítico e sintético e entre verdades contingentes e necessárias.
A filosofia indiana começou a interessar o Ocidente no século XVIII, quando foi feita a tradução do Bhagavad-Gita. No século seguinte, Anquetil-Duperron traduziu do persa, em latim, cinqüenta dos Upanishads. Foi também no século XIX que a Índia entrou em contato com o pensamento ocidental, especialmente com as filosofias empiristas, utilitaristas e agnósticas da Grã-Bretanha. No fim do século, John Stuart Mill, Jeremy Bentham e Herbert Spencer eram os pensadores mais influentes nas universidades indianas.
As idéias influenciadas pelo pensamento ocidental serviram para criar uma vertente de orientação secular e racional, ao mesmo tempo em que estimularam movimentos sociais e religiosos, entre os quais o movimento Brahmo (Brahma) Samaj, fundado por Rammohan Ray. No fim do século XIX, o grande santo Ramakrishna Paramahamsa de Calcutá renovou o interesse pelo misticismo, e muitos jovens racionalistas e céticos se converteram à fé que ele representava. Ramakrishna pregava uma diversidade essencial de caminhos que levam à mesma meta. Seus ensinamentos ganharam forma intelectual no trabalho de Swami Vivekananda, seu famoso discípulo.
Século XX. A primeira faculdade de filosofia da Índia surgiu na Universidade de Calcutá, no início do século XX, e o primeiro catedrático da matéria foi Sir Brajendranath Seal, acadêmico versátil que dominava diversas disciplinas científicas e humanísticas. Sua principal obra publicada é As ciências positivas dos antigos hindus, que discorre sobre a história da ciência e relaciona os conceitos filosóficos hindus a suas teorias científicas.
Em pouco tempo, porém, os filósofos mais estudados nas universidades indianas passaram a ser os alemães Kant e Hegel, e os sistemas filosóficos antigos foram avaliados à luz do idealismo alemão. A noção hegeliana do espírito absoluto encontrou ressonância na antiga noção vedanta de Brahma. O mais eminente estudioso hindu hegeliano é Hiralal Haldar, que abordou o problema da relação da personalidade humana com o absoluto, como se evidencia em seu livro Neo-hegelianismo. O acadêmico kantiano que se tornou mais conhecido foi K. C. Bhattacharyya.
Alguns indianos que viveram na primeira metade do século XX merecem menção por suas contribuições originais ao pensamento filosófico. Sri Aurobindo, ativista político que mais tarde se tornou yogin, vê a ioga como uma técnica não apenas de libertação pessoal, mas também de cooperação com a necessidade cósmica de evolução que levará o homem a um estado de consciência supramental. Rabindranath Tagore caracterizou o absoluto como a pessoa suprema e colocou o amor acima do conhecimento.
Para Mahatma Gandhi, líder social e político, a unidade da existência, que ele chamou de "verdade", pode realizar-se pela prática da não-violência (ahimsa), em que a pessoa atinge o limite máximo da humildade. Sob a influência do idealismo hegeliano e da filosofia da mudança, de Henri Bergson, o poeta e filósofo Mohamed Iqbal concebeu uma realidade criativa e essencialmente espiritual.
Texto originalmente publicado em: http://www.estudantedefilosofia.com.br/.
Imagem de Vishnu retirada de: w.sangha.net/messengers/all-pantheon.htm
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