Sofista, equivalente do substantivo grego sofistés, que quer dizer sábio, no sentido de especialista (ou homem de saber). O termo se forma a partir de sofós ( = sábio).
Pela orientação filosófica generalizada dos sábios da ilustração grega do 5-o século a.C., veio sofista a significar "filósofo cético".
Em acepção pejorativa, difundida sobretudo pela reação de Sócrates, significava aquele que ensinava com salário. É todavia, necessário levar em conta que, em vista da grande procura do ensino com o desenvolvimento grego, o mestre remunerado era uma decorrência necessária da estrutura social que se formava. O mesmo Platão, após a morte de seu mestre Sócrates, instituiu sua escola, a academia (c. 387 a.C.). Deve-se também a Platão a tendência no sentido de ridicularizar aos filósofos com os quais não se afinava.
Os sofistas deram amplo desenvolvimento à cultura grega, em virtude dos temas humanos de sua preferência. Substituíram a dominância dos temas especulativos da natureza, pelas disciplinas gnosiológicas e práticas. Os temas sobre a natureza do conhecimento, da lógica, da linguagem e ainda as questões morais, políticas, eis por onde se desdobraram os ensinamentos sofísticos. Não tivessem debatido tudo isto, Sócrates e Platão haveriam ficado sem assunto...
Importa não subestimar a importância dos sofistas. A contestação às variadas teorias filosóficas e científicas, induziu aos filósofos, tanto sofistas como não sofistas, a uma reflexão mais cautelosa, de onde resultou uma geral melhoria nas escolas filosóficas.
A vulgarização da cultura foi outro mérito dos sofistas. Vale dos sofistas o mesmo que Cícero afirmará de Sócrates; dizia que este fizera descer a filosofia do céu às cidades e às casas. Em vista do número considerável de sofistas, são geralmente arrolados em:
grandes sofistas, que são Protágoras (c. 480-410 a.C.) e Górgias de Leôncio (c. 480-375 a.C.),
sofistas menores, como Crítias, Cálicles, Polus, Pródicos, Trasímaco, etc.
Protágoras de Ábdera (c. 480-410 a.C.). Filósofo grego, n. em Ábdera, Trácia. O mais antigo e o mais destacado sofista, com mais magistério em várias cidades. Foi um sábio profícuo do mesmo porte do seu contemporâneo atomista Demócrito.
Transitou várias vezes por Atenas. Pela volta de 443 a. Cr., Péricles aproveitou a Protágoras para escrever uma constituição à colônia ateniense de Túrion, no Golfo de Tarento, Sul da Itália. Numa outra estadia em Atenas, pelos anos 432 e 430 a.C., de acordo com o que Platão refere em um diálogo, está frente à frente com Sócrates. Foi então descrito com ironia. Mas é preciso amenizar o que é dito ali, por causa do hábito de Platão levar aos interlocutores de outras doutrinas ao ridículo.
O final infeliz de Protágoras foi consequência de sua filosofia agnóstica frente as crenças dos populares. Tendo posto em dúvida a existência dos deuses, foi expulso da cidade de Atenas e queimados os seus livros. Morreu num naufrágio quando seguia para Sicília.
"A primeira obra de Protágoras lida por ele ao público é seu tratado Sobre os deuses. Foi acusado por causa desta obra" (D. Laércio IX).
Dentre seus muitos escritos Platão cita outro livro Sobre a verdade (Teeteto, 161 c), de que sobra expressivo fragmento. Com este e outros se reconstrói a doutrina do grande mestre.
"Foi também o primeiro que exigiu por suas lições um salário de cem minas" (D. Laércio IX).
Outros títulos que se lhe atribuem, podem ser partes destas duas, ambas perdidas, de que restam poucos fragmentos.
A doutrina de Protágoras foi entretanto mencionada com frequência, começando pelas menções de Platão, o qual entretanto se omitiu sobre o atomista Demócrito, também de Ábdera, talvez mais erudito que seu colega sofista.
Os prelúdios da lógica se encontram em Protágoras. Foi um dos precursores da lógica, como aliás os sofistas em geral, todavia sendo ele o mais antigo. É óbvio que Aristóteles, conhecido como fundador da lógica, já encontrasse os primeiros indícios em filósofos anteriores.
As indicações históricas, que de então nos restam, são lacônicas e, não nos permitem chegar a conclusões sobre o que efetivamente realizaram os sofistas.
Os escritos de Platão, que se transmitiram integralmente, não revelam a presença de uma grande lógica, mas também não a negam diretamente.
A respeito de Protágoras se afirma que foi
"o primeiro... que ideou as lutas oratórias e introduziu sofismas nas exposições... o primeiro que estabeleceu argumentos para as teses" (D. Laércio IX, 52).
"Foi também o inventor da argumentação chamada socrática. Platão em Eutidemo diz que foi o primeiro em servir-se de raciocínio por meio dos quais Antístenenes buscava estabelecer que nada se pode contradizer.
Artemidoro dialético, no Tratado contra Crísipo, lhe concede a primaza em instituir a argumentação regular acerca de um assunto dado...
Foi também o primeiro em dividir o discurso em quatro partes: prece, interrogação, resposta e prescrição.
Outros dizem que distingue sete partes: narração, interrogação, resposta, prescrição, declaração, prece, invocação e que chamava a estas partes dos fundamentos do discurso" (D. Laércio IX).
O sensismo é uma tese gnosiológica fundamental de Protágoras, como também da sofística em geral.
"O conhecimento não é outra coisa que a sensação ... " (Teeteto 151 e).
Contrariava assim aos atomistas e eleatas, que distingam claramente a sensação e a inteligência, pela diversidade específica de objeto.
O sensismo dos sofistas será também combatido por Sócrates, Platão e Aristóteles. Só modernamente o sensismo será amplamente retomado por alguns setores empiristas e positivistas.
Relativismo. Do ponto de vista gnosiológico, Protágoras foi também relativista. O relativismo tem como fundamento o fluxo universal dos seres, conforme a doutrina proveniente já de Heráclito. Enquanto a sofística de Górgias se filiava ao racionalismo dos eleatas, a de Protágoras procedia do materialismo positivista da filosofia dos jônicos, agravada ainda pela interpretação do conhecimento como não sendo outra coisa que sensação.
A gnosiologia relativista de Protágoras é uma espécie de ceticismo. Ocorrendo a impressão dos objetos em função às disposições de cada indivíduo, ensinou que "o homem é a medida de todas as coisas", conforme transmitiu Platão (Teeteto 152 a).
Repete-se a notícia em Aristóteles:
"Dizia Protágoras que o homem é a medida de todas as coisas, o que significa que o que parece a cada um, também o é para ele com certeza" (Metaf. 1062b 12).
Sexto Empírico complementa:
"Admite, em consequência, somente aquilo que parece a cada um e, assim introduz a relatividade" (Pyrrhon. Hyp., I, 216).
Protágoras também aduz exemplos:
"Não ocorre às vezes que o mesmo sopro de vento faz a um tiritar de frio e a outro não? Que a uma acaricia ligeiramente e a outros de maneira pronunciada? "(Teeteto 152b).
Arranja também uma explicação especulativa para a relatividade, situando-a no fluir dos entes, que tanto altera as coisas que se fazem conhecer, como mudam as disposições subjetivas do indivíduo conhecedor.
A tese da relatividade admite a identidade dos contrários, identificando a verdade e a falsidade.
Percebeu-o Protágoras e o admitiu:
"Sobre cada argumento podem-se enunciar dois discursos com esta antítese entre si" (Fragmento encontrado em D. Laércio).
Do assunto também se ocupou Aristóteles, procurando contestar ao sofista (Cf. Metaf. 1009a 7-14).
Agnosticismo. No que se refere às questões metafísicas Protágoras conduz coerentemente sua filosofia relativista e sensista, colocando-se no agnosticismo:
"Dos deuses nada posso dizer. Quanto à questão se eles existem ou não, muitas razões impedem que se possa chegar a sabê-lo, entre outras a obscuridade da questão e a curta duração da vida" (em D. Laércio IX).
Como para os sofistas em geral, para Protágoras não há a lei natural, nem em ética e nem em política.
A sociedade política resulta da compreensão dos mais fortes ou de um acordo, sem que exista por natureza.
Górgias (c.483-375 a.C.). Filósofo de expressão grega, principal sofista depois de Protágoras. Nasceu no Ocidente, em Leôncio, Sicília. Atuou nesta região até cerca de 55 anos, quando acompanhou em 427 a.C. uma legação que foi a Atenas pleitear o apoio desta contra a poderosa Siracusa. Foi quando impressionou pela sua eloquência. A partir de então atuou nas cidades da Grécia, até falecer mais que centenário em Larissa.
Do ponto de vista gnosiológico foi Górgias relativista e sensista. Partiu da dialética eleática, ao contrário do sofista Protágoras, que alegava a mutabilidade de todas as coisas segundo Heráclito. Os sentidos não conferem com o que diz a inteligência sobre o ser; por sua vez a doutrina do ser da inteligência é insustentável, porquanto conduz à paradoxos.
Portanto o ser não existe: mesmo que exista alguma coisa, não conseguimos conhecê-la; se conseguimos conhecer algo, isto de novo não o conseguiríamos comunicar.
A gramática, a lógica e a retórica têm em Górgias e nos sofistas em geral os seus precursores, aos quais Aristóteles leu, para criar a lógica. Ainda que a produção dos sofistas se tenha perdido praticamente toda, ela se conservou em Platão e sobretudo em Aristóteles. Nas citações restam alguns fragmentos. Obras: escreveu um tratado de retórica, o qual poderia ter tido reflexos no diálogo Górgias de Platão. Um tratado sobre o não-ser teria sido escrito no curso da 74. olimpíada (444-441 a.C.), de que se conservam dois fragmentos. Restam ainda fragmentos de 5 discursos: uma oração fúnebre, que terá sido enunciada depois da Paz de Nícias (421 a.C.); um discurso olímpico, pelo ano 408 ou ainda mais tarde; um elogio de Helena, talvez anterior às Troianas de Eurípides (415 a.C.); uma defesa de Palomedes.
Antifon o Sofista (Antifonte de Atenas) (século 5-o a.C.). Filósofo sofista grego. Ainda que Antifonte de Atenas não seja mencionado por Platão, que se refere a tantos outros sofistas, é de Antifonte de Atenas que resta o maior número de fragmentos citados por outros autores.
Dado que os sofistas consideravam a lei humana apenas uma convenção, Antifonte declarou que podemos transgredir tranquilamente tal lei, desde que ninguém o saiba. Mas advertiu que não podemos transgredir do mesmo modo uma lei natural.
Reportou-se profusamente sobre a alma humana, a cidade política, a natureza. Dos escritos de Antifonte restam fragmentos, entre os quais o papiro Oxyrinchus, editado por Hunt em 1898.
Pródicos de Ceos (Queos) (c. 470- ). Filósofo grego, n. em Juli, na Ilha de Ceos (arquipélago das Cíclades). Pela proximidade com Atenas, frequentou a esta, finalmente nela permanecendo. Era da mesma idade de Hipias de Elis. Provavelmente como os sofistas em geral, ocupou-se no ensino da gramática e dialética.
Destacou-se como filósofo sofista, seguidor de Protágoras. Acentuou a importância da virtude. Apresenta-a como condição para a conquista dos bens da vida. Refutando a crença popular sobre os deuses, mostra que tais convicções surgiram em virtude de falsas interpretações sobre as forças da natureza. A reinterpretação dos deuses gregos lhe valeu a fama de ateu, ainda que não o fosse por isso necessariamente.
Obras. Autor do apólogo Hércules in bivio. Dos seus escritos restam apenas fragmentos (em Diels-Kranz, 84).
Modernamente os sofistas terão um paralelo nos fazedores de paradoxos.
Fonte: Enciclopédia Simpozio
http://www.cfh.ufsc.br/~simpozio/novo/2216y013.htm#BM2216y018
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