Preliminar sobre a ilustração grega. O período pré-socrático contém uma fase de transição, no qual o pensamento se encaminha para sua nova forma.
Nesta transição se encontram os últimos filósofos das primeiras escolas pré-socráticas, como ainda modalidades consideravelmente novas, como as escolas dos atomistas e dos sofistas.
Entre os últimos das primeiras escolas pré-socráticas se arrolam Anaxágoras (jônico), Àrquitas (da Liga pitagórica nova), Zenão (eleata).
Restam-nos as últimas escolas pré-socráticas, a atomista, de que os principais nomes são Leucipo e Demócrito, e a sofista, em que se destacam Protágoras e Górgias. Tais escolas já pertencem originariamente à Grécia continental. Elas surgiram dentro do novo clima político e cultural conhecido por ilustração grega.
Em meados do século 5-o a.C. após a consolidação da vitória sobre os persas, ocorreu, ao lado
so econômico, um desenvolvimento do espírito grego em todos os sentidos, com especial destaque para o lado humano, seja das liberdades democráticas, seja para a cultura do espírito e da forma física. No futuro este acontecer será comparado com o século das luzes (1688-1789) e por isso denominado por analogia, ilustração grega.
Terminadas as guerras contra os persas, marcadas pelas vitórias de Maratona (490a.C.), centralizou-se em Atenas o comércio e a cultura, consolidando-se especialmente esta.
O tempo ateniense foi também conhecido como século de Péricles, (44-429), referência ao grande líder da cidade. O destaque político dos atenienses foi logo eclipsado pelas desventuras da Guerra do Peloponeso (431-404). A perda da hegemonia política em favor de Esparta, não retira, todavia, à Atenas sua importância cultural, em vista da conservação de suas escolas, que perdurariam até 429 d.C., quando o imperador cristão de Constantinopla as forçaria a fechar.
São apreciáveis, no decurso da ilustração grega, os desenvolvimentos do teatro (com anfiteatro) e dos ginásios de esporte. Os jogos olímpicos, ainda que existissem desde 776 a.C, crescem, agora, em esplendor). A literatura, que até cerca de 475 a.C. era quase só épica e lírica, ganha todas as formas, como prosa, história, filosofia, teatro, etc. Heródoto (c.484-425 a.C.) é o renomado iniciador da história como ciência.
Nas artes plásticas, o arcaico já vai sendo substituído por volta de 500 a.C., pelo clássico. A arquitetura também progride e ainda hoje se aprecia nos restos da Acrópole. Esculturas destacadas de Miron, Fídias, Plícleto, Praxítiles, Scopas ainda se conservam, demonstrando o adiantado grau atingido pelos gregos neste setor, que talvez fosse o que mais se distinguiu dentre todos. A pintura de Zeuxis e Polignoto era muito decantada. O lado humano da arte grega será perdido de vista pelos primeiros cristãos, em troca de um radicalismo ascético; mas é retomado por eles mesmos na Renascença do século 16.
A escola atomista se originou ao norte da Grécia, em Ábdera, representativa cidade da Trácia. Desconhecida ao que parece de Platão, é citada como respeitável entre as doutrinas do seu primeiro representante, Leucipo e seu sucessor Demócrito, deveríamos tratar ao fundador como um pré-socrático e ao seu mais ilustre representante como um socrático. Entretanto, as notícias, que nos chegaram da escola atomista tratam suas doutrinas como corpus, atribuído globalmente aos seus seguidores. Presume-se que os aspectos peculiares à sofística e que se encontram embutidos nas doutrinas atomistas sejam posteriores; seriam, consequentemente, mais próprios de Demócrito. Aquilo que é mais essencial à escola, - o atomismo, - seria em primeiro lugar doutrina de Leucipo, do qual Demócrito terá sido o continuador e aperfeiçoador. Alguns autores, como Windelband, tentaram a exposição em separado, mas sem resultados concretos.
Com referência ao grande número de livros atribuídos a Demócrito, poder-se-á opinar o mesmo, re-atribuindo alguns ao velho Leucipo. Infelizmente perdidos todos estes livros, presume-se que antes de Platão fosse a única obra capaz de lhe ser comparada, tanto pelo valor, como pelo número de tratados. Leucipo (c.490-420 a.C.), que precede 40 anos talvez a Demócrito, é o autor essencial da escola. O mesmo Demócrito citou o sistema de Leucipo, dizendo - o "grande sistema cósmico".
Foi Leucipo discípulo de Zenão de Elea; este fato explica algumas semelhanças entre as doutrinas atomistas e as eleáticas. Demócrito (c.460-360 a.C.), Filósofo grego, nascido em Abdera. Embora considerado do período pré-socrático, viveu, adentradamente, no socrático.
Rico, Demócrito viajou muito, dispendendo sua fortuna em viagens de estudos, na Grécia, Ásia e Egito, conquistando um vasto saber. Discípulo de Leucipo conheceu, também, ao jônico Anaxágoras, a quem contrariou em alguns aspectos.
Foi Demócrito o principal representante da escola atomista, bem como dos maiores expoentes de todo o quadro de homens sábios da antiguidade grega, rivalizando com Platão, ao qual superou em conhecimentos sobre a natureza.
Antístenes descreveu a Demócrito na soledade e retirado entre as tumbas, a fim de poder meditar desembaraçadamente e exercitar livremente sua inteligência. Segundo o mesmo autor, gastou toda sua fortuna em viagens e regressou em completa nudez, tanto que seu irmão Dámaso se viu obrigado a mantê-lo.
Sabendo Demócrito, que uma lei proibia enterrar em sua pátria aquele que houvesse gasto seu patrimônio e, não querendo dar razão aos invejosos e caluniadores, leu a seus concidadãos seu Mega Diacosmos, sem dúvida a melhor de todas as suas obras. Foi tal o entusiasmo que, não contentes com um obséquio de 500 talentos, lhe levantaram estátuas. Quando morreu, foi enterrado à expensas do público. Havia vivido cerca de 100 anos (D. Laércio, IX,43).
Escreveu Demócrito, um grande número de tratados, os quais, depois de muito servirem a cultura antiga, desapareceram no início da era cristã. Restam os títulos de suas obras, que nos orientam sobre os temas abordados, entre outros Pequeno sistema cósmico, Grande sistema cósmico (Méga diákosmos), Sobre a paz interior, O corno da abundância.
Conservam-se cerca de 300 fragmentos dos escritos de Demócrito, dos quais uns 10 são de texto mais considerável, perfazendo no total cerca de 15 páginas.
O pensamento atomista de Demócrito também se afirmou em forte contraste com a nova orientação humanística impressa por Sócrates e Platão em Atenas. Nem Sócrates, nem Platão se interessaram por Demócrito. Apenas Aristóteles o destacou.
Avesso ao misticismo, Demócrito estruturou um sistema coerentemente mecanicista, concebendo as forças da natureza sem os elementos antropomórficos contidos na filosofia da escola jônica nova. Em vez das forças denominadas guerra e paz, por Heráclito, amor e ódio por Empédocles, inteligência, ou nous, por Anaxágoras, propôs que os átomos imutáveis simplesmente se movem no vazio e compõem as coisas pela diversidade de suas colocações.
Modernamente o sistema atomista foi retomado por aquelas concepções que admitem um espaço e um tempo absolutos, dentro do qual se moveriam e durariam os átomos. Diferentemente Aristóteles estabelecerá que o espaço e o tempo são determinações intrínsecas das coisas, direcionando a explicação do movimento e da duração para formulações mui diferentes.
Átomo (do grego – J @ : @ H = sem parte em que a é partícula privativa, tómos, parte, tomo, partícula indivisível). Propõe o atomismo que a natureza se componha de partículas insecáveis, de cuja composição variada se fariam todas as coisas; desta maneira, tudo se poderia transformar sem que fundamentalmente nada perecesse.
Ao lado do átomo existiria o vazio, o qual permitiria o movimento mecânico no espaço. É no vazio que se encontra o problema do atomismo e, por isso mesmo também no átomo. Em que consistiriam exatamente o átomo e o vazio, segundo os primeiros atomistas?
"Leucipo e seu companheiro Demócrito tomam por elementos o pleno e o vazio, que eles chamam respectivamente de ser e não ser. Desses princípios, o pleno e o sólido, é o ser; o vazio é o rarefeito, o não ser" (Arist., Metaf. 985b 5).
"Demócrito admitia por princípio do universo os átomos e o vácuo; todo o mais não tem existência, senão na opinião" (D. Laércio, IX).
Em princípio, o atomismo não implica em supor o vazio ao seu lado, porque se poderia conceber tudo pleno de átomos; resta então explicar o movimento sem o vazio.
O átomo não é necessariamente equivalente a uma partícula de espaço, ao modo como era entendido por Descartes. Ele é ser, ainda que como ser possa ser extenso. O atomismo nesta condição, poderá não ser um materialismo rijamente mecanicista.
O mecanicismo abderitano deriva de uma especulação filosófica, semelhante à dos eleatas. Funda-se numa doutrina do ser. Não resulta de uma experimentação científica testável em laboratório, embora ela não esteja teoricamente excluída, como tenta a moderna teoria física da matéria. O atomismo é um eleaticismo reformulado. O que não é de se admirar, porque doutrina eleática do ser encontrava-se muito difundida em todo o mundo grego. Ela está também na escola socrática menor de Euclides de Mégara. Inspira mesmo a Aristóteles, o qual se ocupou seriamente em esclarecer por outro modo os problemas levantados pelos grandes metafísicos de Elea.
O atomismo, ao estabelecer que o átomo é imutável, segue mais uma vez o eleaticismo. E procura contornar a variedade dos entes pela disposição meramente acidental das partículas, atribuindo o resto à aparência dos sentidos. Ao tentar explicar o movimento mecânico, mediante o vácuo sem objetivo e, mais uma vez evitar admitir as mudanças no mesmo, para conseguir seu objetivo, o atomismo teve, contudo, de admitir a multiplicidade dos entes, sem o que não poderia apelar às composições. Aristóteles, que tentara uma explicação mediante novas concessões contrárias aos eleatas, comentou introdutoriamente as tentativas dos atomistas, com informes muito interessantes sobre as tendências eleáticas dos mesmos.
O conhecimento sensível é subjetivo, ao passo que o da inteligência e objetivo. Encontra-se aqui mais uma vez o ponto de vista gnosiológico dos eleatas. Para a inteligência é visível a teoria dos átomos. Não para os sentidos. Tudo o que se apresenta com feitio qualitativo, como de cor, som, gosto e temperatura, não cabe na concepção quantitativa e mecânica do átomo; não é verdadeira expressão objetiva da natureza, mas opinião subjetiva dos sentidos, ou seja, uma convenção e não uma lei.
"Pela opinião há o doce, pela opinião o amargo, pela opinião o quente, pela opinião o frio, pela opinião o calor; pela verdade, somente há átomos e o vazio" (Frag. 5 de Demócrito).
Encontra-se ali a moderna doutrina da subjetividade das qualidades sensíveis. Aliás, esta doutrina, é uma última decorrência do imobilismo eleático.
A vida e a alma são explicadas ao modo atomístico, por um equilíbrio de elementos de maior mobilidade, como o fogo, distribuído no organismo. A perda do equilíbrio é a decomposição e a morte. Temos aqui uma concepção similar a da moderna teoria bioquímica da vida.
Através dos tempos escola atomista teve continuadores, da mais diversa procedência, tanto no período socrático, como pós-socrático.
Anaxarco de Abdera (4-o século a.C.) é mencionado como um representante grego da Escola Atomista posterior. Acompanhou a Alexandre Magno na expedição a Ásia. Sua importância está em haver convivido com Pirro, ao qual transferiu o agnosticismo da peculiar dos atomistas, como seu contemporâneo atomista Nausífanes os transferiu ao quietismo epicureu, consagrado depois pelo poeta latino Lucrecio Caro.
Fonte: Enciclopedia Simpozio
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