A cronologia pode ser enganadora quando pretendemos traçar os contornos de uma época de pensamento. Assim, por exemplo, a inauguração da idéia moderna da política como compreensão da origem humana e das formas do Poder, como compreensão do Poder enquanto solução que uma sociedade dividida internamente oferece a si mesma para criar simbolicamente uma unidade que, de fato, não possui, é uma inauguração bem anterior ao século XVII, pois foi feita por Maquiavel. Por outro lado, a idéia de que a política é uma esfera de ação laica ou profana, independente da religião e da Igreja, tema caro aos filósofos modernos, foi desenvolvida no final da Idade Média por um jurista como Marsílio de Pádua. Também a idéia do valor e da importância da observação e da experiência para o conhecimento humano aparece nos fins da Idade Média com filósofos como Roger Bacon ou Guilherme de Ockam. A extrema valorização da capacidade da razão humana para conhecer e transformar a realidade — a confiança numa ciência ativa ou prática em oposição ao saber contemplativo — é uma das características principais do chamado Humanismo, desenvolvido durante a Renascença. Em contraposição à perspectiva medieval, que era teocêntrica (Deus como centro do conhecimento e da política), os humanistas procuram laicizar o saber, a moral e a política, tomando como centro o Homem Virtuoso.
Para contornar essas dificuldades, muitos historiadores da filosofia se habituaram a designar o Renascimento como um período de transição para a modernidade ou a ruptura inicial face ao saber medieval que preparou o advento da filosofia moderna. Nesta perspectiva, o Renascimento apresentaria duas características principais: por um lado, seria um momento de grandes conflitos intelectuais e políticos (entre platônicos e aristotélicos, entre humanistas ateus e humanistas cristãos, entre Igreja e Estado, entre academias leigas e universidades religiosas, entre concepções geocêntricas e heliocêntricas, etc.), e, por outro lado, um momento de indefinição teórica, os renascentistas não tendo ainda encontrado modos de pensar, conceitos e discussões que tivessem abandonado definitivamente o terreno das polêmicas medievais. O Renascimento teria sido época de grande efervescência intelectual e artística, de grande paixão pelas novas descobertas quanto à Natureza e ao Homem, de redescobertas do saber greco-romano liberado da crosta interpretativa com que o cristianismo medieval o recobrira, de desejo de demolir tudo quanto viera do passado, desejo favorecido tanto pela chamada Devoção Moderna (a tentativa de reformar a religião católica romana sem romper com a autoridade papal) quanto pela Reforma Protestante e pelas guerras de religião, que abalaram a idéia de unidade européia como unidade político-religiosa e abriram as portas para o surgimento dos Estados Territoriais Modernos.
Ao mesmo tempo, no entanto, a indefinição e os conflitos teriam feito da Renascença um período de crise. Em primeiro lugar, crise da consciência, pois a descoberta do universo infinito por homens como Giordano Bruno deixava os seres humanos sem referência e sem centro; em segundo lugar, crise religiosa, pois tanto a Devoção Moderna quanto a Reforma Protestante criaram infinidade de tendências, seitas, igrejas e interpretações da Sagrada Escritura, dos dogmas e dos sacramentos, de modo que a referência à idéia de Cristandade, central desde Carlos Magno, se perdera; em terceiro lugar, crise política, pois a ruptura do centro cósmico (o universo é infinito), a perda do centro religioso (o papado), a perda do centro teórico (geocentrismo, aristotelismo tomista, mundo hierárquico de seres e de idéias) foi também a perda do centro político (o Sacro Império Romano Germânico destroçado pelos reinos modernos independentes e pelas cidades burguesas do capitalismo em expansão) e de suas instituições (papa, imperador, Direito Romano, Direito Canônico, relações sociais determinadas pela hierarquia da vassalagem entre os nobres e pela clara divisão entre senhores e servos, das relações econômicas definidas pela posse da terra e pela agricultura e pastoreio, com o artesanato urbano apenas subsidiário para o pequeno comércio dos burgos).
Para contornar essas dificuldades, muitos historiadores da filosofia se habituaram a designar o Renascimento como um período de transição para a modernidade ou a ruptura inicial face ao saber medieval que preparou o advento da filosofia moderna. Nesta perspectiva, o Renascimento apresentaria duas características principais: por um lado, seria um momento de grandes conflitos intelectuais e políticos (entre platônicos e aristotélicos, entre humanistas ateus e humanistas cristãos, entre Igreja e Estado, entre academias leigas e universidades religiosas, entre concepções geocêntricas e heliocêntricas, etc.), e, por outro lado, um momento de indefinição teórica, os renascentistas não tendo ainda encontrado modos de pensar, conceitos e discussões que tivessem abandonado definitivamente o terreno das polêmicas medievais. O Renascimento teria sido época de grande efervescência intelectual e artística, de grande paixão pelas novas descobertas quanto à Natureza e ao Homem, de redescobertas do saber greco-romano liberado da crosta interpretativa com que o cristianismo medieval o recobrira, de desejo de demolir tudo quanto viera do passado, desejo favorecido tanto pela chamada Devoção Moderna (a tentativa de reformar a religião católica romana sem romper com a autoridade papal) quanto pela Reforma Protestante e pelas guerras de religião, que abalaram a idéia de unidade européia como unidade político-religiosa e abriram as portas para o surgimento dos Estados Territoriais Modernos.
Ao mesmo tempo, no entanto, a indefinição e os conflitos teriam feito da Renascença um período de crise. Em primeiro lugar, crise da consciência, pois a descoberta do universo infinito por homens como Giordano Bruno deixava os seres humanos sem referência e sem centro; em segundo lugar, crise religiosa, pois tanto a Devoção Moderna quanto a Reforma Protestante criaram infinidade de tendências, seitas, igrejas e interpretações da Sagrada Escritura, dos dogmas e dos sacramentos, de modo que a referência à idéia de Cristandade, central desde Carlos Magno, se perdera; em terceiro lugar, crise política, pois a ruptura do centro cósmico (o universo é infinito), a perda do centro religioso (o papado), a perda do centro teórico (geocentrismo, aristotelismo tomista, mundo hierárquico de seres e de idéias) foi também a perda do centro político (o Sacro Império Romano Germânico destroçado pelos reinos modernos independentes e pelas cidades burguesas do capitalismo em expansão) e de suas instituições (papa, imperador, Direito Romano, Direito Canônico, relações sociais determinadas pela hierarquia da vassalagem entre os nobres e pela clara divisão entre senhores e servos, das relações econômicas definidas pela posse da terra e pela agricultura e pastoreio, com o artesanato urbano apenas subsidiário para o pequeno comércio dos burgos).
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