Por uma moral da ecologia
“Elas [as éticas ecológicas] pretendem apresentar uma nova inteligibilidade para nos ajudar a conceber de maneira diferente uma comunidade de seres de natureza: elas reconhecem um valor intrínseco, independentemente do interesse – econômico, medicinal ou estético – que os organismos vivos ou ecossistemas representam para os seres humanos”, escreve Anne Dalsuet em artigo publicado no Le Monde, 02-08-2010. A tradução é do Cepat.
Anne Dalsuet é professora de filosofia e estética do cinema em Seine-Saint-Denis. Ela é autora do livro Philosophie et écologie (Gallimard, 2010).
Anne Dalsuet é professora de filosofia e estética do cinema em Seine-Saint-Denis. Ela é autora do livro Philosophie et écologie (Gallimard, 2010).
Eis o artigo.
Em plena maré negra no Golfo do México, após a tempestade Xynthia, após o furacão em Nova Orleans, o tsunami na Tailândia, o acidente ocorrido na usina nuclear de Chernobyl, para citar apenas alguns eventos cataclísmicos identificados nos últimos tempos, podemos simplesmente nos contentar em nos proteger dessas catástrofes ecológicas através de tentativas tão espetaculares como a Arca de Spitzberg?
Este projeto Global Seed Vault, concluído em novembro de 2007, situado perto de Longyearbyen, capital do arquipélago norueguês próximo ao Pólo Norte, concretiza um sonho antigo, de vinte e cinco anos. Este banco de genes armazena 4,5 milhões de sementes de diversas plantas no fundo de um túnel de pelo menos 18º C e protegido de qualquer perigo.
Elo de uma rede de 1.460 “reservas” espalhadas pelo mundo que também conservam gametas de animais, esta versão moderna da arca de Noé constitui uma alternativa de preservação de um patrimônio genético insubstituível.
Podemos relacionar estes dois eventos de naturezas aparentemente contrárias – a devastação do litoral pela companhia petrolífera e o “cofre global” – à mesma paixão pela catástrofe?
O discurso sobre a catástrofe, ao desempenhar um papel ambivalente, proporciona um espaço para reivindicações democráticas, mas também pode desviar a atenção pública para um espetáculo instrumentalizado para fins libertinosos.
Mas a catástrofe não transborda sempre a nossa demanda por segurança e capacidade tecnológica, exageradamente reivindicadas por nossas sociedades modernas? Nós estamos diante de uma crise moral, metafísica e política que exige de nós tomar o controle da situação, avaliar a extensão dos fatos e a gravidade das questões e repensar as relações da humanidade com a natureza.
A ecologia está onipresente em nossos discursos; mas por força de muito dela falar, não acabamos perdendo a capacidade de pensar na originalidade da sua atualidade? Afinal, não nos contentamos em responder à pergunta "o que fazer?", questão que oculta e adia a necessidade de uma questão mais radical, mas que atende à nossa exigência inquieta por eficiência? Não deveríamos agora substituir o “o que devemos fazer?” por um “como pensar?”.
Uma moral não antropocêntrica
Com esta finalidade, as éticas ambientais anglo-saxônicas constituem uma corrente filosófica preciosa. Sua singularidade está no fato de que elas estão propondo situar a regulação dos problemas ambientais no terreno da moralidade, ao contrário do que se pratica principalmente na França onde a regulamentação é pensada no domínio do conhecimento científico, jurídico ou político.
Elas reconsideram radicalmente o significado da crise ambiental: não podemos mais, garantem elas, separar as ações humanas do que é da ordem das forças naturais. Os desastres naturais que estamos experimentando hoje são os nossos próprios produtos e, portanto, de um tipo novo, simplesmente porque não são nem naturais, nem apenas construções sociais, mas resultam desses dois fatores. Portanto, eles escapam do domínio humano.
Ao propor uma moral não antropocêntrica, que promove a natureza ao posto de sujeito a ser respeitado, estas éticas nos convidam a suspender os nossos hábitos de pensamento. Elas pretendem apresentar uma nova inteligibilidade para nos ajudar a conceber de maneira diferente uma comunidade de seres de natureza: elas reconhecem um valor intrínseco, independentemente do interesse – econômico, medicinal ou estético – que os organismos vivos ou ecossistemas representam para os seres humanos.
Mas, longe de apresentar um programa irrefutável de ações ambientais, elas nos convidam a identificar e defender critérios de “considerabilidade” sempre variáveis de acordo com as entidades e as circunstâncias em questão.
Paradoxalmente, é só nesta condição que uma ética ecológica deixa de ser sofística e se torna consistente. Que o debate sobre o que diz respeito a todos nós possa ser concluído uma vez por todas, não é este o significado de uma verdadeira política ecológica e democrática? Como tal, as éticas ambientais não delimitarão o ponto de partida a partir do qual se pode redefinir um significado e um novo espaço para a política, permitindo recompor seus elementos constitutivos, suas associações, seus funcionamentos... até agora impensáveis?
Este projeto Global Seed Vault, concluído em novembro de 2007, situado perto de Longyearbyen, capital do arquipélago norueguês próximo ao Pólo Norte, concretiza um sonho antigo, de vinte e cinco anos. Este banco de genes armazena 4,5 milhões de sementes de diversas plantas no fundo de um túnel de pelo menos 18º C e protegido de qualquer perigo.
Elo de uma rede de 1.460 “reservas” espalhadas pelo mundo que também conservam gametas de animais, esta versão moderna da arca de Noé constitui uma alternativa de preservação de um patrimônio genético insubstituível.
Podemos relacionar estes dois eventos de naturezas aparentemente contrárias – a devastação do litoral pela companhia petrolífera e o “cofre global” – à mesma paixão pela catástrofe?
O discurso sobre a catástrofe, ao desempenhar um papel ambivalente, proporciona um espaço para reivindicações democráticas, mas também pode desviar a atenção pública para um espetáculo instrumentalizado para fins libertinosos.
Mas a catástrofe não transborda sempre a nossa demanda por segurança e capacidade tecnológica, exageradamente reivindicadas por nossas sociedades modernas? Nós estamos diante de uma crise moral, metafísica e política que exige de nós tomar o controle da situação, avaliar a extensão dos fatos e a gravidade das questões e repensar as relações da humanidade com a natureza.
A ecologia está onipresente em nossos discursos; mas por força de muito dela falar, não acabamos perdendo a capacidade de pensar na originalidade da sua atualidade? Afinal, não nos contentamos em responder à pergunta "o que fazer?", questão que oculta e adia a necessidade de uma questão mais radical, mas que atende à nossa exigência inquieta por eficiência? Não deveríamos agora substituir o “o que devemos fazer?” por um “como pensar?”.
Uma moral não antropocêntrica
Com esta finalidade, as éticas ambientais anglo-saxônicas constituem uma corrente filosófica preciosa. Sua singularidade está no fato de que elas estão propondo situar a regulação dos problemas ambientais no terreno da moralidade, ao contrário do que se pratica principalmente na França onde a regulamentação é pensada no domínio do conhecimento científico, jurídico ou político.
Elas reconsideram radicalmente o significado da crise ambiental: não podemos mais, garantem elas, separar as ações humanas do que é da ordem das forças naturais. Os desastres naturais que estamos experimentando hoje são os nossos próprios produtos e, portanto, de um tipo novo, simplesmente porque não são nem naturais, nem apenas construções sociais, mas resultam desses dois fatores. Portanto, eles escapam do domínio humano.
Ao propor uma moral não antropocêntrica, que promove a natureza ao posto de sujeito a ser respeitado, estas éticas nos convidam a suspender os nossos hábitos de pensamento. Elas pretendem apresentar uma nova inteligibilidade para nos ajudar a conceber de maneira diferente uma comunidade de seres de natureza: elas reconhecem um valor intrínseco, independentemente do interesse – econômico, medicinal ou estético – que os organismos vivos ou ecossistemas representam para os seres humanos.
Mas, longe de apresentar um programa irrefutável de ações ambientais, elas nos convidam a identificar e defender critérios de “considerabilidade” sempre variáveis de acordo com as entidades e as circunstâncias em questão.
Paradoxalmente, é só nesta condição que uma ética ecológica deixa de ser sofística e se torna consistente. Que o debate sobre o que diz respeito a todos nós possa ser concluído uma vez por todas, não é este o significado de uma verdadeira política ecológica e democrática? Como tal, as éticas ambientais não delimitarão o ponto de partida a partir do qual se pode redefinir um significado e um novo espaço para a política, permitindo recompor seus elementos constitutivos, suas associações, seus funcionamentos... até agora impensáveis?
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