sábado, 23 de junho de 2012

Reflexões Psico-filosóficas sobre "O Grito", de Munch e "Construção Mole com Feijões Cozidos", de Dali.

                                                                                                                               Suely Monteiro
                         A primeira vez que vi O Grito, do norueguês Edvard Munch, eu achei horrível. Tive uma péssima impressão e imaginei se alguém teria coragem de comprar e, em caso afirmativo, pendurar numa residência uma obra com um aspecto tão infeliz.
                         Impressão pior eu tive do quadro Construção Mole com Feijões Cozidos, do pintor espanhol Salvador Dalí.
                        Eu estava acostumada a um tipo de arte mais representativa do ideal de beleza grego.
                        Nas poucas visitas que fiz aos museus europeus eu me deixava enternecer diante daquelas obras gigantescas, perfeitas.
                        Não visitava outros salões e estilos.  Estava satisfeita.  Não despertara, ainda, para o universo imenso e diversificado que é o mundo da Arte. Agia como o peixinho que, por nunca ter saído do lago, imaginava ser ele o centro do mundo. Eu não conhecia e, portanto, não sabia “ler” os vários dialetos da alma.
                        Um dia eu estava fazendo fisioterapia, com a janela aberta e de repente olhei para o céu muito azul com nuvens brancas.
                        Relembrei meus anos antigos quando deitava na grama com minhas irmãs e, juntas, ficávamos lendo o grande livro de desenho de Deus.
                        Comovida, desviei os olhos para a floresta (moro próximo à mata atlântica) e, desta vez, observei que o Desenhista das nuvens fazia desenhos na floresta e que estes eram muitas vezes torcidos, de cores fortes, com traçados variados, tamanhos distintos e alguns muito feios conviviam de maneira harmoniosa com outros muito bonitos...
                      Naquele instante comecei a pensar no significado do feio e do belo, na importância do diferente, e na minha ingenuidade pensei que essas diferenças na natureza podiam sim refletir os diferentes momentos “psicológicos” do Criador.
                           Hoje, passados muitos anos, me vejo escrevendo sobre o Expressionismo como uma arte que reflete um momento especial da humanidade, seu estado psicológico e que, neste sentido, algumas vezes se reveste de uma deselegante e chocante beleza.

                           Assim pensando, olho novamente os quadros de Munch e Salvador Dalí e não sinto o mesmo impacto. Consigo ler as cores fortes, as formas deformadas, contorcidas e desesperadas. Consigo entender um pouco o sentimento que animou os artistas enquanto pintavam suas dores, suas visões do mundo e suas maneiras de reagir aos fatos.

                            Nietzsche, que estudou profundamente a cultura grega, fala que a arte se desenvolveu da dicotomia entre os aspectos apolíneo e dionisíaco que permeavam o mundo cultural grego. Mas o que significa isto?  De maneira sucinta e apressada eu diria que Apolo era a representação grega do ideal do Belo e Dionísio, a representação da força da natureza em sua mais pungente forma.  
                          Em O Grito o artista deixa vir à tona essa força poderosa que irrompe abruptamente de sua alma. Ele não tenta esconder a angústia sob máscaras, ao contrário, revela-a em sua plenitude.             
                         Os traços e cores fortes, as formas deformadas podem sim ser vistos como o esforço que a natureza das coisas faz para chegar à superfície, a vontade de se impor à vida, típico do caráter dionisíaco.
                         O Grito é um pedido de ajuda?                   
                         É um lancinante choro de desesperança?
                         É um dialeto da revolta?
                        Para mim pode ser tudo isto, pois este quadro, tanto quanto o quadro Construção Mole com Feijões Cozidos, de Salvador Dalí, suscita em mim muito mais perguntas do que apresenta respostas.  Todavia, do quadro de Dalí, a morte, parece-me, salta, deixando seu aspecto lúgubre ressaltado pelo quase total monocronismo em que se expressa. Ao contrário do que, na minha visão, ocorre na obra de Munch, a pulsão de vida freudiana esvaiu-se da figura desguarnecida no quadro de Dali.

terça-feira, 19 de junho de 2012

MODERNIDADE, MODERNISMO E MODERNIZAÇÃO

                                                                                                                                          Suely Monteiro
                        Filha do Iluminismo e da Revolução Francesa, a Modernidade nasce com a incumbência de realizar o sonho de uma sociedade feliz fundada nos parâmetros da razão, da livre escolha, da ciência e da tecnologia.  A humanidade anseia por novos rumos libertadores. Está cansada da submissão à Igreja. Quer constituir novas instituições mais imanentes que lhe  proporcionem a visão imediata do seu poder de ação. Investe na Ciência, na Tecnologia e ganha horizonte nunca antes experimentados. Sorridente e confiante em seu poder de ação e resolução, a Modernidade lança-se com toda a força de sua jovialidade ao desbravamento do insondável, do inimaginável, do impossível.
                        Entrega-se às Artes e gera o Modernismo, movimento que se volta primeiramente para a Estética e mais tarde, para a Ética, imiscuindo-se, também, na política com o objetivo de fomentar uma sociedade exemplarmente estabelecida nos rigores das leis, do direito e do respeito ao outro.
                      Ambiciosa, ansiando entrar para a História, a Modernidade insufla em sua filha predileta, o desejo de conseguir  maior penetração na sociedade que ela quer transformar. E a Modernização se encarrega de atender o desejo da mãe, especializando-se em desenvolver processos técnicos e econômicos, marcados pela avidez de renovações em tempos cada vez menores.
Máquinas engenhosas, sistemas de telefonia cada vez mais sofisticados, impulsos na navegação, grandes avanços na ciência, proporcionados por invenções que facilitam o diagnóstico e os tratamentos. Nos setores da administração, a cada dia novas técnicas de aprimoramento das relações. As redes sociais ganham espaço e conquistam lugares de destaque em todos os setores da sociedade. Nos transportes e nas indústrias, inovações surpreendentes que reduzem distâncias. O mundo em suas mãos vira uma aldeia: aldeia global.
                     O sucesso da Modernização é rápido e graças a ela o mundo se modifica, elevando alguns setores, rebaixando e embrutecendo outros, gerando medos e forte sentimento de obsoletismo que  se alastra como uma praga.
                     As pessoas passaram a ser valorizadas pelos bens que possuem e por seus poders de penetração e  persuasão. Com isto  exacerba-se  o individualismo e, com ele, a indiferença pelo outro, pelo ser.
                    As dores, as alegrias e os sucessos só ganham importância no âmbito do eu.           
                   O “nós” ainda aparece, mas nas tragédias, nas catástrofes sociais que envolvem multidões e, somente por pouco tempo, para logo serem esquecidas e superadas por outra notícia na primeira coluna do jornal.
                    
                     Amparados pela autonomização, a Modernização e o Modernismo seguem seus caminhos, produzindo tecnologias, beleza e conforto. indiferentes às suas origens.
                     Mas,  como fica  a Modernidade no meio disto tudo? 
                    Ora,  enquanto para alguns essa senhora está sofrendo os estertores da morte, para outros, ela morreu faz tempo.  Não percebemos porque nos mantemos indiferentes,  ilhados em nós mesmos, deixando que a vida , e tudo o que ela contém,  corra  a nossa revelia.