Suely Monteiro
Desde os tempos
imemoriais o homem busca a Verdade. Procura
encontrá-la na natureza, nas coisas, em si mesmos, de forma que formaram muitas
correntes de pensar e agir, cada uma defendendo um ponto de vista diferente, ou
com alguns pontos em comuns. No entanto,
é preciso reconhecer que a Filha do Tempo se mantém escondida num jogo interminável,
num desafio que o obriga a crescer e progredir, mas que poucas vezes lhe dá
chances de encontrá-la. E mesmo nessas ocasiões, ela consegue uma forma de
mostrar que o que ele viu foi somente uma de suas múltiplas partes, e, faceira,
deixa- o entregue a seu desesperado desejo de possuí-la e tê-la,
definitivamente, sob seu poder.
Com Bacon não
foi diferente. Ele não apenas julgou tê-la encontrado na sua ciência, voltada
para a experimentação, como também, conseguiu convencer seus pares de que as
possibilidades do conhecimento estavam enfeixadas na equivalência entre poder e
saber e que o seu domínio estava no aparelhamento instrumental do conhecimento
para o controle da natureza, devido à íntima relação entre verdade e utilidade.
Bacon defende,
ainda, que a natureza, por si só não desvela seus mistérios, seus segredos. É
preciso atormentá-la, dominá-la.
Esta postura
cientifica por ele adotada foge, totalmente, aos modelos predecessores de
ciência que tinham por objetivo, no dizer do austríaco Fritjof Capra (2001), “a
sabedoria, a compreensão da ordem natural e a vida em harmonia com ela”, numa
ciência realizada pela “Honra e Gloria de Deus”. E a sua perduração ao longo
dos anos desencadeou no que hoje se considera ciência e tecnologia com
finalidades antiecológicas.
Ainda, na opinião
de Capra, o modo de Bacon referir-se a esse novo método de pesquisa empírica,
não era apenas apaixonado, mas rancoroso.
Termos como “obrigada a servir”, “escravizada”, “reduzida à obediência”,
quando referidos à natureza, parecem inspirados pelos julgamentos das bruxas,
que eram frequentes na Inglaterra do século XVII. Com Bacon e seus seguidores a Terra perde o
conceito de mãe nutriente e gentil, tornando-se um mundo com metáfora de
máquina.
A brasileira
Marilene Chauí , também, debruça sobre o mesmo tema e, no texto “A Razão Instrumental”
(2000), disserta, criticamente, sobre o desenvolvimento do conhecimento
cientifico, tomando como ponto de partida de seu discurso, a análise do termo
que intitula o mesmo e suas variáveis na filosofia de Adorno, Marcuse e Horkheimer,
entre outros. Conhecer, também para eles,
é dominar e controlar a Natureza e os seres humanos.
A autora lembra que o termo criado por Bacon,
a “Natureza atormentada”, significa: "fazê-la reagir a condições
artificiais, criadas pelo homem.” E na contemporaneidade, este significado se amplia de tal forma que não basta à
ciência transformar a natureza segundo
seus objetivos e de acordo com seus métodos, mas ela os cria
artificialmente para aplicá-los segundo
critérios pouco científicos, como instrumentos de poder e dominação, integrados aos poderes político e
econômico. É possível divagar um pouco e
verificar que as grandes empresas, na atualidade, fornecem, gratuitamente,
celulares, tabletes e notebooks a seus funcionários, criam clubes recreativos e
associações de empregados o que, de certa forma, os mantém , sob controle e
conectados a elas vinte e quatro horas por dia.
Assim, se em
muitos casos, e isto é outro problema, os cientistas não sabem o rumo que suas
pesquisas tomam ao saírem de seus laboratórios, o mesmo não se pode dizer dos executivos e do povo em geral, que lhes sofrem as consequências através dos
“avanços “ científicos que lhes descaracterizam o aspecto de ser pessoal, de
ser humano. Sentimentos, emoções, paixões que colorem e dão sabor à vida, que
motivam o homem a ser solidário, a reconhecer-se no irmão, perderam valor, foram
desatrelados dos laços da ciência à medida que ela emergia na mecanização.
Mas, a Filha do
Tempo, aguarda, pacientemente, que o homem se canse da arrogância e da
insensatez, para ajudá-lo a construir uma ciência inclusiva, ocasião em que lhe
mostrará, verdadeiramente, todas as suas faces.
Baseado em :
A Razão Instrumental,Chauí, (2000); e um trecho da obra O ponto de mutação (Capra,
1994) falando sobre A Máquina do Mundo Newtoniana.
Imagens:
- Filha do Tempo
- Francis Bacon
- LIV ULLMAN
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