segunda-feira, 11 de março de 2013

LENDA: ORIGEM DA FRUTA PÃO

Suely Monteiro
O texto de hoje  é baseado no ritual amor-morte, retirado de "As Máscara de Deus" e sintetiza a história de mitos agrícolas.

Eu   o escolhi  quando decidi escrever sobre o tema, pelo encanto que me causou assim que o li.
Trata-se da história de Ulu, um homem das longínquas eras, nas terras do Havaí, perto da atual cidade de Hilo e que havia ido ao templo de Pueeco, rogar ao Deus Mo’o pela vida do filhinho que estava quase morrendo de debilidade causada pela fome.
 
À noitinha, ao retornar do templo ele falou à mulher que Mo'o lhe disse que quando a escuridão cobrisse o mar, o pano negro da morte cobriria sua cabeça. Assim que isto acontecesse e tão logo seu espírito tivesse partido para o reino dos mortos, ela deveria enterrar-lhe, cuidadosamente, a cabeça perto da fonte de água corrente. Plantar seu coração e entranhas perto da porta da casa. Os pés, pernas e braços, também, deveriam ser ocultados, da mesma maneira cuidadosa, ao redor da casa.

 
Em seguida, ela deveria deitar na cama onde eles costumavam descansar e, durante toda a noite prestar atenção ao vento e não levantar senão quando os primeiros raios ruborizassem o céu da manhã. Quando ela ouvisse barulhos de folhas e coisa caindo, saberia que o pedido dele ao deus havia sido atendido e que seu filhinho estaria salvo. Então, poderia abrir a porta e sair .
 
Tão logo acabou de dar-lhe as instruções recebidas no templo, caiu de rosto no chão e morreu.

A mulher de Ulu, como todas as outras mulheres da região, cantou um canto de lamento, mas em seguida tratou de dar cumprimento às instruções recebidas do marido.
Depois de separar cada parte do seu corpo  e enterrá-las segundo as instruções recebidas, ela se deitou ao lado do filhinho e aguardou o chamado do vento para abrir a porta.
 
De manhã, cedinho, tomada de supresa, ela viu que da secura da terra, no lugar onde  havia enterrado o coração do marido havia crescido uma imponente árvore de folhas grandes e verdes que ela chamou de ulu (fruta pão) .
 
Viu que uma grande  fonte de água  estava quase oculta por uma estranha planta com folhas gigantes e frutos amarelos em cachos. Depois de admirar-lhe a beleza, resolveu que  se chamaria banana.
 
Todos espaços intermediários onde havia plantado os membros do marido estavam cobertos por vegetação exuberante com caules finos, e trepadeiras trançadas, que ela chamou de cana, as primeiras, e, as segundas, de inhame.
 
 Ao redor de toda a casa cresciam plantas e flores comestíveis que ela , contente, cantando, foi nomeando.
 
Seus olhos resplandeciam de felicidade ao chamar seu filhinho e lhe mostrar a plantação.
 
Riram, os dois abraçadinhos durante um tempo, tomados pelo êxtase do momento.
 
Depois , tomou o menino pelos braços, olhou-o seriamente nos olhos e disse-lhe que após retirar a melhor parte para os deuses, ela assaria uma parte na brasa  para se alimentarem e, também,  para repartir com o povo, mas que replantaria todas as sobras do corpo do seu  pai e que ele deveria manter, durante toda a sua vida, o compromisso de levar adiante a missão de proteger e alimentar o povo, refazendo a plantação.
 
Assim fez, e desde aquele dia, nunca mais faltou alimento a ninguem  daquela terra. E o menino que era franzino, ficou forte, se tornou um grande guerreiro. Ajudou seu povo e quando morreu, seu nome, Mokuolo, foi dado à ilhota na baia de Hilo, onde seus ossos foram enterrados e, ainda hoje,  ela é chamada assim em homenagem a ele.
 







 
Deste texto singelo emerge o entendimento de que muito mais do que história ou pensamentos primitivos, o mito é um modo de nos situarmos diante do novo, do desconhecido,  de nos relacionarmos com o sagrado, nas situações de medo, insegurança, alegria e prazer.  Foi assim no passado. É assim, na atualidade e, creio que passará muito tempo até que o homem se despoje da magia para viver no templo interno, uma relação racional com o seu criador.
 
Fonte de inspiração:
Ritual do Amor-morte, pag. 167 e seguintes, do livro Mitologia Primitiva, da série As Máscaras de Deus, de Joseph Campbell, 8ª. Edição, Ed. Palas – 2010.

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