Suely Monteiro
Em Aracajú: Paz e reflexão. |
O voo era longo
e eu estava com frio não conseguindo dormir. Assim tomei do meu leitor de
livros e comecei a ler um trecho de Filosofia Política quando
a conversa no banco da frente me chamou a atenção e fiquei ouvindo o diálogo
que desenrolava sobre a violência social, os quebra-quebras que estavam
ocorrendo em várias regiões do Brasil, e as possíveis causas de tanto desequilíbrio, de tanta loucura. Em
determinado momento um dos debatedores afirmou categoricamente: “É o fim da
civilização. Cada vez mais próxima, a morte da civilização vai transformando o
homem, tornando-o fera e nossos filhos, brevemente, estarão disputando como no
antepassado, territórios uns dos outros, usando a força em detrimento da razão
e a inteligência como instrumento de construção de armas para a destruição. Não
tenho esperança na humanidade a menos que surja um outro Salvador, pois o
primeiro não deu conta do recado” – lamentou rematando.
Esta fala
direcionou a minha mente para O Mito do
Consenso Americano – artigo do americano
Gary Andres, 2010, sobre a estratégia eleitoral de Barack Obama referendada sob
o mito do consenso político americano, que mostra o desalento do povo ao
descobrir que o presidente eleito, longe de ser o messias, não passava de um
homem cujos projetos de Salvador da Pátria estavam desmoronando.
Fiquei pensando no
quanto a ignorância, a falta de conhecimento nos confunde a visão dos fatos. E,
confiante que sou, resolvi buscar em outros autores o reforço para mostrar que
diferentemente do que pensam os debatedores ,
a civilização não vive seus momentos finais e que as dores, o crime
organizado, a violência, as guerras de todas as espécies, sinalizam não o final
de uma civilização, mas a transição para um novo modelo de fazer política,
baseado na implantação da cultura da Paz
O Artigo do Gary Andres
Com leveza e muita
clareza o jornalista do Hearst Newspaper descreve a campanha de Barack Obama e
suas estratégias para vencer as eleições. Segundo Gary, Obama valeu-se do pensamento
infiltrado nas mentes americanas em relação ao consenso político que permeiam
as relações e negociações governamentais. O consenso político embora exista é
muito menor do que a população acredita e, no fundo, no fundo, não passa de um instrumento
de oratória para ganhar eleições e que cai por terra na hora de definir
situações e elaborar leis. Ele cita como exemplo os casos relacionados à
reforma do sistema de saúde e o estímulo à economia a que todos americanos
apoiavam. Neste último caso, quando o congresso se reuniu para discutir o
assunto, a
... coisa descambou para um circo partidário, no qual todos os democratas apoiavam a sua versão do pacote de estímulo e os republicanos promoviam ideias completamente diferentes (ANDRES,2010).
Assim, ele continua:
...Toda a discórdia gerada durante aqueles e outros debates simplesmente afugentou as pessoas porque elas acreditam que o consenso não deve ser algo difícil de se obter. Hibbing e Theiss-Morse escrevem: ‘As pessoas não gostam do conflito político porque elas pensam que resolver esses conflitos é muito fácil, mas na realidade isso é muito difícil' (GARY,2010).
O fato de os políticos fazerem suas campanhas
fundamentadas em bases falsas, mitológicas leva o povo a acreditar que tudo é
muito simples, quando a realidade é bem diferente. É muito complicado chegar a
um consenso quando diferentes posições sócio-econômico-financeira estão em
jogo. Citando, ainda, como exemplo a população norte americana, analisada sob a
ótica de Gary, mas ampliando a ação do modelo até o Brasil, chegamos a uma
constatação muito séria de que o mito pode ajudar a ganhar eleições, mas não colabora
para manter coesa a bancada governamental e esta falta de coesão nas tomadas de
decisões, macula o congresso como instituição na medida em que o legislativo
não cumpre as promessas eleitorais. Isto está acontecendo com Obama e,
acontece, no Brasil, com Dilma.
A abordagem do
congresso americano em relação às legislações de estímulo econômico, o comércio internacional de emissões e o sistema de saúde trouxe
à tona as divisões entre o eleitorado americano e os conflitos entre os
eleitores pesaram na queda dos índices de aprovação do congresso nos 12 meses
seguintes à elaboração do artigo, ou seja no ano de 2011. Dilma, também,
eleita pelos efeitos mitológicos disseminados por uma mitologicamente campanha
bem construída, com a imagem de salvadora da Pátria, vem despencando nas
pesquisas eleitorais. A questão é que de
messias eles se transformam numa grande decepção para todos os que apostaram neles
na expectativa de que viriam solucionar os problemas do povo e imprimir uma nova
ordem mundial.
MITO E MESSIANISMO COMO OBSTÁCULO À DEMOCRACIA
Abbagnano em Dicionário
de Filosofia dá ao verbete “mito” três
acepções, originárias de Aristóteles. Uma delas nos interessa para este artigo:
O mito como Instrumento de estudo social (ABBAGNANO, 2008, ps.784/5), pois nos ajuda a
compreender a ação do marketing eleitoreiro na manipulação das emoções e
sentimento do povo, para com eles construir imagens de heróis e ídolos capazes
de solucionar todos os problemas a sociedade. Assim sendo, homens e mulheres
comuns, candidatos a um cargo de representação social são elevados à categoria
mitológicas de messias vindos para salvar o povo do sofrimento e oferecer-lhe
na terra um paraíso que o Mestre dos mestres disse que só seria possível no
Céu.
Ao tirar partido dessas situações o
político carreia para a democracia as consequências geradas por seus atos
inconsequentes, uma vez que prometem um mundo de fantasia, mas encontra
dificuldades para colocar em prática no mundo real, as exacerbadas promessas
feitas enquanto líder investido do papel de messiânico, salvador da pátria.
Cegados pela ambição, caem no fosso que existe entre a retórica messiânica de
salvador do mundo e a prática de governar realisticamente ou como no dizer de
Maquiavel, com a arte de fazer o possível. Com o passar do tempo começam a ser cobrados
por leis e obras que não conseguiram realizar e que sabiam, antecipadamente,
que não seriam viáveis. Para se safarem das responsabilidades não cumpridas e
se manterem no poder, atrelam-se a novas concepções míticas para que a
população sem condições de analisar profundamente os processos que encobrem
esses falseamentos, continuem esperando por um milagre que nunca chega.
Quem
poderá me ajudar? – pergunta o jovem vestido de jeans e máscaras, lutando para
obter a terra e os frutos prometidos pelo messias ilusório, ao repórter que o
leva aos milhares de lares pela televisão.
OPINIAO PÚBLICA, IMPRESSA E DEMOCRACIA
Não se pode negar a importância da
impressa no processo democrático e tentar calar este instrumento é um retorno
impensável à ditadura. A mídia é poderosa. A sua posição ajuda a formar uma
opinião pública mais realista, desfazendo os enganos e trazendo à tona as
sujeiras que se pretende fique debaixo dos tapetes, ou se o seu exercício
estiver a serviço de interesses menos dignos, a mascarar uma situação que
impedirá por muito tempo o crescimento, a expansão da liberdade e da iniciativa
consciente do cidadão. Mas, qual é o
papel da imprensa? Ela poderá ajudar o jovem vestido de jeans e de máscaras?
Ajudar em que sentido? Estas perguntas, ainda continuam sem respostas, muito
embora estejam sendo muito esperadas, uma vez que a imprensa na contemporaneidade,
para alguns está ultrapassando sua área de
atuação e invadindo a área da fiscalização, quando o seu papel é somente
informar os fatos tais como esses apresentam a ela. Por outro lado, existem
aqueles que advogam que se o modelo clássico de uma democracia evoca os três
poderes, Legislativo, Executivo e Judiciário, na atualidade, a impressa forma o
quarto poder e por isto sua área de atuação expande-se para que ela possa ir
além de como os fatos lhe são apresentados para apurá-los em sua profundida e informar
com segurança. Enquanto não se definem estes papeis, é importante ter em
mente, que não existe democracia com uma imprensa controlada, com censura
prévia do material cultural produzido e, que cada vez mais, a imprensa se torna
um instrumento para que o cidadão se manifeste, troque experiência e cobre dos
poderes a realização daquilo a que a sociedade tem direitos estabelecidos por
contrato.
A POLITICA COMO OUTRA FORMA DE FAZER A GUERRA
Ligar a televisão,
abrir o jornal é deparar-se com cenas de violência, de guerras no Irã, no
Iraque e ficamos contentes por que afinal de contas no Brasil não existem
guerras. Será? A noção ainda mais divulgada de guerra é a que se relaciona com
tiros, canhões, bombardeios aéreos, marítimos e bombas nucleares. No entanto,
cada vez mais as guerras estão se formando como nuvens poderosas, nos
bastidores das grandes instituições que se monitoram mutuamente, nas redes
sociais e, por incrível que pareça, na política. Todavia é uma guerra diferente, sem o uso das
armas, mas uma guerra de poderes e saberes. É uma guerra feita de estratégia,
tática, recurso, meio e expediente. Foucault dirá que a política é a guerra
continuada por outros meios e esta afirmação
... em primeiro lugar, decorre de que as relações de poder, em nossa sociedade, caracterizam-se, sobretudo, como relação de força, estabelecida em determinado momento, historicamente precisável, na guerra e pela guerra. Portanto o poder político pode parar a guerra ou fazer reinar a paz, mas não pode suspender os efeitos da guerra. O poder político tem a função de “reinserir perpetuamente” essa relação de força mediante uma “guerra silenciosa (FOUCAULT, 1999, p. 23).
A afirmação pressupõe
que a maneira de acabar com a guerra continuada é dar fim ao poder político.
Para o pensador francês, a sociedade mudou e o poder expandiu-se para além do
Estado, instalando-se em micro-organismos, tais como escolas, famílias, locais
de trabalho entre outros, ou seja, o poder está na sociedade o que de certa
forma responsabiliza cada um pelos acontecimentos. O poder deixa de central
para ser constelações de micro poderes, vinculados aos diferentes saberes, pois
Foucault vincula saber e poder ao pensar na força política.
CONCLUSÃO
Existe, portando, uma
vinculação, ainda que imperceptível ao primeiro olhar, às ideias tratadas neste
trabalho quando se pensa que a grande solução da sociedade contemporânea - a Comunicação
- é, também, seu grande problema quando
esbarra com o jogo que se faz do poder-saber, da (des)-informação. Cristóvam
Buarque em “Democracia e Globalização: os noves tipos de paz” (BUARQUE,2007 pg.
17) sugere que:
... o mundo global do sec. XXI é um imenso Mundo Terceiro Mundo, com países de maioria da população de baixa renda e países com maioria de população de alta renda, (grifo do autor), mas em ambos os grupos havendo parcelas ricas e parcelas pobres, diferenciando-se apenas, dentro de cada país, a proporção entre uma e outra dessas parcelas (...) o resultado será a tragédia moral da exclusão aceita, pelo sentimento de dessemelhança que já começa a espalhar pelo mundo entre ricos e pobres.
Entendendo que estas
divergências no campo econômico, embora não sejam únicas, se refletem no campo
social traduzindo-se por maiores ou menores facilidades para a aquisição do
conhecimento, supõe-se que a Democracia tem também este obstáculo para superar.
É bom ter em conta que vivemos num mundo em que existem muitos políticos, empresários
e marqueteiros criadores de mitos de vida curta e ídolos da vaidade, que dificultam
a promoção do conhecimento e que governam desalinhados do desejo de atender ao
bem comum, mas com vistas aos interesses próprios. Para esses quanto mais
ignorantes e desordeiros melhor, pois justificam suas ações e prepotência.
Então, não existe um
meio de solucionar esta situação-problema? Claro que existe. Trata-se de implantar uma política voltada
para o cultivo da paz. Somente esta política poderá solucionar e responder a
pergunta do jovem de jeans e máscara. E um dos principais e primordiais passos
para a implantação dessa política é a Educação voltada para a paz, começando na
individualidade do lar, para agregar, aos poucos, Escolas, Igrejas, Centros Comunitários,
até que alcance os palanques para finalmente formar um novo paradigma político social. O
reencontro com os valores esquecidos que aproximam os seres humanos e os
transforma em irmãos, fará os políticos atuarem com Ética. Uma Ética preferencialmente planetária, na medida em que
este novo modelo for se expandindo.
Longe de pensar neste
novo modelo como uma utopia, aquele jovem de jeans realiza suas revoluções
esperando colaboração para constitui-lo. Ele luta, na verdade, por Liberdade,
Igualdade e Fraternidade, planta que não frutificou com a revolução francesa,
desejando que novos frutos surjam dos brotos que ficaram e que ele sejam doces
como são o respeito pelo outro, a solidariedade com o outro e a cooperação com
o outro.
Este, parece à autora o
novo paradigma político que o mundo almeja e que desponta com a principiante
renovação dos valores civilizatórios, acontecendo entre estertores que lembram
a morte, mas que na verdade, significam somente as dores do parto.
REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS
ABBAGNANO, Nicola. Dicionário
de Filosofia. Martins Fontes. São
Paulo-SP. 2007
BLOG QUINTUS. Uma nova forma de fazer a guerra.
Fonte: http://movv.org/2014/01/22/de-uma-nova-forma-de-fazer-a-guerra-dos-destinos-de-portugal-e.
Acessado em 30.03.2014.
CAMPBELL, Joseph. As Máscaras de
Deus. Mitologia Ocidental. Palas
Athenas. Rio de Janeiro-RJ. 2008.
BUARQUE, Cristóvam. Democracia e globalização: Os nove tipos de
paz in A paz como caminho. Qualitymark. Rio de Janeiro. RJ 2007
HEARST NEWPAPER. Andres, Gary. O mito do consenso político norte-americano.
Fonte:
http://noticias.uol.com.br/midiaglobal/hearst/2010/04/17/o-mito-do-consenso-politico-norte-americano.jhtm.
Acessado em 17/04/2010.
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