terça-feira, 13 de maio de 2014

Conflitos Contemporâneos: Morte da civilização ou emergência de um novo paradigma social?



                                                 Suely Monteiro

 

Em Aracajú: Paz e reflexão.
                               O voo era longo e eu estava com frio não conseguindo dormir. Assim tomei do meu leitor de livros e comecei a ler um trecho de Filosofia Política quando a conversa no banco da frente me chamou a atenção e fiquei ouvindo o diálogo que desenrolava sobre a violência social, os quebra-quebras que estavam ocorrendo em várias regiões do Brasil, e as possíveis causas de tanto desequilíbrio, de tanta loucura. Em determinado momento um dos debatedores afirmou categoricamente: “É o fim da civilização. Cada vez mais próxima, a morte da civilização vai transformando o homem, tornando-o fera e nossos filhos, brevemente, estarão disputando como no antepassado, territórios uns dos outros, usando a força em detrimento da razão e a inteligência como instrumento de construção de armas para a destruição. Não tenho esperança na humanidade a menos que surja um outro Salvador, pois o primeiro não deu conta do recado” – lamentou rematando.

                                Esta fala direcionou a minha mente para O Mito do Consenso Americano – artigo do americano Gary Andres, 2010, sobre a estratégia eleitoral de Barack Obama referendada sob o mito do consenso político americano, que mostra o desalento do povo ao descobrir que o presidente eleito, longe de ser o messias, não passava de um homem cujos projetos de Salvador da Pátria estavam desmoronando.

                             Fiquei pensando no quanto a ignorância, a falta de conhecimento nos confunde a visão dos fatos. E, confiante que sou, resolvi buscar em outros autores o reforço para mostrar que diferentemente do que pensam os debatedores ,  a civilização não vive seus momentos finais e que as dores, o crime organizado, a violência, as guerras de todas as espécies, sinalizam não o final de uma civilização, mas a transição para um novo modelo de fazer política, baseado na implantação da cultura da Paz
 

O Artigo do Gary Andres

                            Com leveza e muita clareza o jornalista do Hearst Newspaper descreve a campanha de Barack Obama e suas estratégias para vencer as eleições. Segundo Gary, Obama valeu-se do pensamento infiltrado nas mentes americanas em relação ao consenso político que permeiam as relações e negociações governamentais. O consenso político embora exista é muito menor do que a população acredita e, no fundo, no fundo, não passa de um instrumento de oratória para ganhar eleições e que cai por terra na hora de definir situações e elaborar leis. Ele cita como exemplo os casos relacionados à reforma do sistema de saúde e o estímulo à economia a que todos americanos apoiavam. Neste último caso, quando o congresso se reuniu para discutir o assunto, a

... coisa descambou para um circo partidário, no qual todos os democratas apoiavam a sua versão do pacote de estímulo e os republicanos promoviam ideias completamente diferentes (ANDRES,2010).

Assim, ele continua:

...Toda a discórdia gerada durante aqueles e outros debates simplesmente afugentou as pessoas porque elas acreditam que o consenso não deve ser algo difícil de se obter. Hibbing e Theiss-Morse escrevem: ‘As pessoas não gostam do conflito político porque elas pensam que resolver esses conflitos é muito fácil, mas na realidade isso é muito difícil' (GARY,2010).

                           O fato de os políticos fazerem suas campanhas fundamentadas em bases falsas, mitológicas leva o povo a acreditar que tudo é muito simples, quando a realidade é bem diferente. É muito complicado chegar a um consenso quando diferentes posições sócio-econômico-financeira estão em jogo. Citando, ainda, como exemplo a população norte americana, analisada sob a ótica de Gary, mas ampliando a ação do modelo até o Brasil, chegamos a uma constatação muito séria de que o mito pode ajudar a ganhar eleições, mas não colabora para manter coesa a bancada governamental e esta falta de coesão nas tomadas de decisões, macula o congresso como instituição na medida em que o legislativo não cumpre as promessas eleitorais. Isto está acontecendo com Obama e, acontece, no Brasil, com Dilma.

                              A abordagem do congresso americano em relação às legislações de estímulo econômico, o comércio internacional de emissões e o sistema de saúde trouxe à tona as divisões entre o eleitorado americano e os conflitos entre os eleitores pesaram na queda dos índices de aprovação do congresso nos 12 meses seguintes à elaboração do artigo, ou seja no ano de 2011.  Dilma, também, eleita pelos efeitos mitológicos disseminados por uma mitologicamente campanha bem construída, com a imagem de salvadora da Pátria, vem despencando nas pesquisas eleitorais.  A questão é que de messias eles se transformam numa grande decepção para todos os que apostaram neles na expectativa de que viriam solucionar os problemas do povo e imprimir uma nova ordem mundial.

 

MITO E MESSIANISMO COMO OBSTÁCULO À DEMOCRACIA

                                 Abbagnano em Dicionário de Filosofia dá ao verbete “mito” três acepções, originárias de Aristóteles. Uma delas nos interessa para este artigo: O mito como Instrumento de estudo social (ABBAGNANO, 2008, ps.784/5), pois nos ajuda a compreender a ação do marketing eleitoreiro na manipulação das emoções e sentimento do povo, para com eles construir imagens de heróis e ídolos capazes de solucionar todos os problemas a sociedade. Assim sendo, homens e mulheres comuns, candidatos a um cargo de representação social são elevados à categoria mitológicas de messias vindos para salvar o povo do sofrimento e oferecer-lhe na terra um paraíso que o Mestre   dos mestres disse que só seria possível no Céu.

                                  Ao tirar partido dessas situações o político carreia para a democracia as consequências geradas por seus atos inconsequentes, uma vez que prometem um mundo de fantasia, mas encontra dificuldades para colocar em prática no mundo real, as exacerbadas promessas feitas enquanto líder investido do papel de messiânico, salvador da pátria. Cegados pela ambição, caem no fosso que existe entre a retórica messiânica de salvador do mundo e a prática de governar realisticamente ou como no dizer de Maquiavel, com a arte de fazer o possível.  Com o passar do tempo começam a ser cobrados por leis e obras que não conseguiram realizar e que sabiam, antecipadamente, que não seriam viáveis. Para se safarem das responsabilidades não cumpridas e se manterem no poder, atrelam-se a novas concepções míticas para que a população sem condições de analisar profundamente os processos que encobrem esses falseamentos, continuem esperando por um milagre que nunca chega.

                                    Quem poderá me ajudar? – pergunta o jovem vestido de jeans e máscaras, lutando para obter a terra e os frutos prometidos pelo messias ilusório, ao repórter que o leva aos milhares de lares pela televisão.

 
OPINIAO PÚBLICA, IMPRESSA E DEMOCRACIA

                                      Não se pode negar a importância da impressa no processo democrático e tentar calar este instrumento é um retorno impensável à ditadura. A mídia é poderosa. A sua posição ajuda a formar uma opinião pública mais realista, desfazendo os enganos e trazendo à tona as sujeiras que se pretende fique debaixo dos tapetes, ou se o seu exercício estiver a serviço de interesses menos dignos, a mascarar uma situação que impedirá por muito tempo o crescimento, a expansão da liberdade e da iniciativa consciente do cidadão.  Mas, qual é o papel da imprensa? Ela poderá ajudar o jovem vestido de jeans e de máscaras? Ajudar em que sentido?  Estas perguntas, ainda continuam sem respostas, muito embora estejam sendo muito esperadas, uma vez que a imprensa na contemporaneidade, para alguns está ultrapassando sua área de atuação e invadindo a área da fiscalização, quando o seu papel é somente informar os fatos tais como esses apresentam a ela. Por outro lado, existem aqueles que advogam que se o modelo clássico de uma democracia evoca os três poderes, Legislativo, Executivo e Judiciário, na atualidade, a impressa forma o quarto poder e por isto sua área de atuação expande-se para que ela possa ir além de como os fatos lhe são apresentados para apurá-los em sua profundida e informar com segurança.  Enquanto não se definem estes papeis, é importante ter em mente, que não existe democracia com uma imprensa controlada, com censura prévia do material cultural produzido e, que cada vez mais, a imprensa se torna um instrumento para que o cidadão se manifeste, troque experiência e cobre dos poderes a realização daquilo a que a sociedade tem direitos estabelecidos por contrato. 


A POLITICA COMO OUTRA FORMA DE FAZER A GUERRA

                        Ligar a televisão, abrir o jornal é deparar-se com cenas de violência, de guerras no Irã, no Iraque e ficamos contentes por que afinal de contas no Brasil não existem guerras. Será? A noção ainda mais divulgada de guerra é a que se relaciona com tiros, canhões, bombardeios aéreos, marítimos e bombas nucleares. No entanto, cada vez mais as guerras estão se formando como nuvens poderosas, nos bastidores das grandes instituições que se monitoram mutuamente, nas redes sociais e, por incrível que pareça, na política.  Todavia é uma guerra diferente, sem o uso das armas, mas uma guerra de poderes e saberes. É uma guerra feita de estratégia, tática, recurso, meio e expediente. Foucault dirá que a política é a guerra continuada por outros meios e esta afirmação

 
... em primeiro lugar, decorre de que as relações de poder, em nossa sociedade, caracterizam-se, sobretudo, como relação de força, estabelecida em determinado momento, historicamente precisável, na guerra e pela guerra. Portanto o poder político pode parar a guerra ou fazer reinar a paz, mas não pode suspender os efeitos da guerra. O poder político tem a função de “reinserir perpetuamente” essa relação de força mediante uma “guerra silenciosa (FOUCAULT, 1999, p. 23).


                       A afirmação pressupõe que a maneira de acabar com a guerra continuada é dar fim ao poder político. Para o pensador francês, a sociedade mudou e o poder expandiu-se para além do Estado, instalando-se em micro-organismos, tais como escolas, famílias, locais de trabalho entre outros, ou seja, o poder está na sociedade o que de certa forma responsabiliza cada um pelos acontecimentos. O poder deixa de central para ser constelações de micro poderes, vinculados aos diferentes saberes, pois Foucault vincula saber e poder ao pensar na força política.


 CONCLUSÃO

                      Existe, portando, uma vinculação, ainda que imperceptível ao primeiro olhar, às ideias tratadas neste trabalho quando se pensa que a grande solução da sociedade contemporânea - a Comunicação -  é, também, seu grande problema quando esbarra com o jogo que se faz do poder-saber, da (des)-informação. Cristóvam Buarque em “Democracia e Globalização: os noves tipos de paz” (BUARQUE,2007 pg. 17) sugere que:

... o mundo global do sec. XXI é um imenso Mundo Terceiro Mundo, com países de maioria da população de baixa renda e países com maioria de população de alta renda, (grifo do autor), mas em ambos os grupos havendo parcelas ricas e parcelas pobres, diferenciando-se apenas, dentro de cada país, a proporção entre uma e outra dessas parcelas (...) o resultado será a tragédia moral da exclusão aceita, pelo sentimento de dessemelhança que já começa a espalhar pelo mundo entre ricos e pobres.

 

                        Entendendo que estas divergências no campo econômico, embora não sejam únicas, se refletem no campo social traduzindo-se por maiores ou menores facilidades para a aquisição do conhecimento, supõe-se que a Democracia tem também este obstáculo para superar. É bom ter em conta que vivemos num mundo em que existem muitos políticos, empresários e marqueteiros criadores de mitos de vida curta e ídolos da vaidade, que dificultam a promoção do conhecimento e que governam desalinhados do desejo de atender ao bem comum, mas com vistas aos interesses próprios. Para esses quanto mais ignorantes e desordeiros melhor, pois justificam suas ações e prepotência.

                         Então, não existe um meio de solucionar esta situação-problema? Claro que existe.  Trata-se de implantar uma política voltada para o cultivo da paz. Somente esta política poderá solucionar e responder a pergunta do jovem de jeans e máscara. E um dos principais e primordiais passos para a implantação dessa política é a Educação voltada para a paz, começando na individualidade do lar, para agregar, aos poucos, Escolas, Igrejas, Centros Comunitários, até que alcance os palanques para finalmente formar um novo paradigma político social. O reencontro com os valores esquecidos que aproximam os seres humanos e os transforma em irmãos, fará os políticos atuarem com Ética. Uma Ética preferencialmente planetária, na medida em que este novo modelo for se expandindo.
 

                       Longe de pensar neste novo modelo como uma utopia, aquele jovem de jeans realiza suas revoluções esperando colaboração para constitui-lo. Ele luta, na verdade, por Liberdade, Igualdade e Fraternidade, planta que não frutificou com a revolução francesa, desejando que novos frutos surjam dos brotos que ficaram e que ele sejam doces como são o respeito pelo outro, a solidariedade com o outro e a cooperação com o outro. 

                       Este, parece à autora o novo paradigma político que o mundo almeja e que desponta com a principiante renovação dos valores civilizatórios, acontecendo entre estertores que lembram a morte, mas que na verdade, significam somente as dores do parto.

 

REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS


ABBAGNANO, Nicola.  Dicionário de Filosofia. Martins Fontes.  São Paulo-SP. 2007
 
CAMPBELL, Joseph. As Máscaras de Deus. Mitologia Ocidental.  Palas Athenas. Rio de Janeiro-RJ. 2008.

BUARQUE, Cristóvam. Democracia e globalização: Os nove tipos de paz in A paz como caminho. Qualitymark. Rio de Janeiro. RJ 2007

HEARST NEWPAPER. Andres, Gary. O mito do consenso político norte-americano. Fonte: http://noticias.uol.com.br/midiaglobal/hearst/2010/04/17/o-mito-do-consenso-politico-norte-americano.jhtm. Acessado em 17/04/2010.

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