Cientistas buscam novo
modelo para doenças mentais
Objetivo é entender melhor os mecanismos
genéticos e biológicos dos transtornos para tornar a terapia mais eficaz e
personalizada.
A mesma revolução que vem
acontecendo na oncologia, apoiada na genômica e no conhecimento da biologia do
câncer, precisa acontecer agora na psiquiatria. O diagnóstico e o tratamento de
doenças mentais - como bipolaridade, depressão maior, déficit de atenção (TDAH)
e esquizofrenia - precisam se tornar mais personalizados, adaptados às
características genéticas, biológicas e comportamentais de cada paciente.
É o que afirma o médico Bruce
Cuthbert, do Instituto Nacional de Saúde Mental dos Estados Unidos (NIMH), e
outros pesquisadores que participaram do Y-Mind, um encontro de especialistas
sobre o tema realizado na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), na
semana passada. Eles defendem mudanças significativas na maneira de se lidar
com as doenças psiquiátricas, tanto no âmbito da ciência quanto da medicina.
A principal limitação atual,
segundo Cuthbert, é que os sistemas de diagnóstico são baseados na observação
de sintomas, que só se manifestam quando a pessoa já está doente e que fornecem
informações limitadas - e frequentemente confusas - sobre o que está
acontecendo no cérebro do paciente. Ou seja, sobre as causas do problema.
"Se quisermos falar em
prevenção, se quisermos falar em cura, precisamos entender muito melhor os
mecanismos da doença, para que possamos tratar a patologia em si, e não apenas
os seus sintomas", diz o cientista americano, que dirige a Divisão de
Pesquisa Translacional e Desenvolvimento de Terapias para Adultos do NIMH.
Em primeiro lugar, segundo os
pesquisadores, é preciso rever a maneira como as doenças psiquiátricas são
classificadas. A ideia seria passar de um modelo compartimentado, mais parecido
com um gaveteiro, em que cada transtorno é descrito separadamente do outro,
para um modelo mais parecido com o de uma árvore evolutiva (ou até de uma
floresta), cheia de ramificações, em que cada galho representa uma combinação
individual de fatores genéticos, ambientais e comportamentais.
Hoje, pelo modelo
compartimentado, pacientes com sintomas parecidos são diagnosticados como tendo
a mesma doença - esquizofrenia, por exemplo - o que não é necessariamente
verdade. Assim como duas mulheres com câncer de mama podem ter doenças bastante
diferentes, envolvendo tipos de células, genes e mutações distintas, duas pessoas
com sintomas semelhantes de esquizofrenia podem sofrer de transtornos
diferentes, envolvendo células, moléculas, genes e circuitos neuronais
distintos, que exigem tratamentos igualmente diferenciados. Por isso é comum
uma droga funcionar para um paciente, porém ser inócua para outro.
Da mesma forma, é possível que
dois casos classificados como transtornos distintos tenham raízes genéticas
comuns, envolvendo um mesmo circuito neuronal, permitindo que eles sejam
tratados de forma semelhante. Há uma grande área cinzenta entre a bipolaridade
e a esquizofrenia, por exemplo - razão pela qual há gêmeos idênticos que
manifestam transtornos diferentes, apesar de terem o mesmo genoma.
Paradigmas. Um grande estudo
publicado há cerca de um mês na revista médica Lancet revelou que há várias
semelhanças genéticas entre cinco doenças mentais de grande prevalência na
população: autismo, déficit de atenção com hiperatividade (TDAH), bipolaridade,
depressão maior e esquizofrenia.
"Essas doenças não existem
isoladamente como pensamos nelas atualmente. O que existem são modelos teóricos
que foram desenvolvidos para organizar as pesquisas", diz o pesquisador
Jair Mari, coordenador do Programa de Pós-graduação do Departamento de
Psiquiatria da Unifesp. "Esse modelo foi importante para chegar onde
estamos hoje, mas ele já se esgotou. Precisamos de um novo paradigma."
Para Cuthbert, falar que alguém
tem esquizofrenia hoje é o mesmo que dizer que alguém tinha câncer 30 anos
atrás: "Não nos diz nada sobre as características da doença ou como ela
deve ser tratada".
O ideal seria que os
diagnósticos, como já ocorre na oncologia, fossem baseados em uma descrição dos
fatores genéticos, biológicos e químicos que estão alterados no cérebro de cada
paciente - e que o tratamento fosse definido com base nessas características
individuais. "Não precisamos encaixar o paciente numa doença específica;
precisamos caracterizar a doença do paciente", afirma Mari.
Nessa "psiquiatria
personalizada" do futuro, a entrevista com o psiquiatra seria apenas parte
de um processo de análise clínica, envolvendo uma série de testes de
referência, desde exames de sangue (para medir o nível de certas proteínas) até
exames de DNA (para identificar perfis genéticos), ressonâncias magnéticas e
testes cognitivos.
"Os sintomas devem ser o
ponto de partida para o diagnóstico, não o seu fator determinante", afirma
Cuthbert.
Para colocar esse novo
paradigma em prática, serão necessários ainda muitos anos de pesquisa sobre a
genética e a neurobiologia das doenças mentais, e sobre como esses fatores
biológicos interagem com fatores ambientais e comportamentais do paciente (como
uso de drogas, estresse ou exposição a eventos traumáticos).
"Estamos falando do início
de um grande experimento. Os resultados vão levar anos para aparecer, mas não
podemos perder tempo; precisamos começar agora", pondera Cuthbert, que
coordena desde 2009 um programa do NIMH chamado RDoC, com o objetivo de
financiar pesquisas voltadas para esse tema.
Fonte: O Estadão
Acesso: 02/04/13
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