Suely Monteiro
Sou naturalmente acolhedora e
isto faz com que as pessoas desabafem comigo seus segredos, seus problemas, suas mágoas.
Inúmeras vezes eles são tão graves que me limito a ouvir com atenção sem
pretensão de ajudar.
Problemas financeiros, com
vizinhos, com colegas de trabalhos, cônjuges, filhos e outros eram muito
constantes. Mas, ultimamente as queixas tem sido em relação à solidão, ao vazio
na alma, a falta de amigos.
Ontem, uma pessoa me disse que
possuía quase tudo para ser feliz: bom emprego, bela casa, dinheiro para viajar
e atender aos seus desejos de comprar, mas nada disso adiantava, pois o seu sonho de consumo não estava à venda: a
amizade.
Eu, que até então, nunca havia
parado para pensar sobre a amizade disparei a perguntar mentalmente: podemos
situar a amizade na lista de bens de consumo? O que significa ser amigo? O que
uma pessoa precisa fazer pelo outro para ser considerada amiga? Amigo é o que
abre mão de si para agradar o outro? É aquele que vive fazendo graças? É o que
empresta dinheiro, carros, celulares etc.?
No livro “Ética a Nicômaco” Aristóteles
discorre sobre três espécies de amizades: amizade segundo o prazer, segundo a
utilidade e segundo a virtude.
Vamos ver o que significa isto?
A amizade segundo o prazer é aquela
amizade cujo elo se dá pelo prazer de estar juntos, ou seja, amigos que fazem
rir contando piadas, que são engraçados que deixam tudo “correr frouxo” e estão
sempre de "bem com a vida". Os amigos segundo o prazer fazem programas juntos, vão
às danceterias, aos bares, futebol etc.
Compartilham todos os prazeres, e
nesse tipo de amizade não se leva em conta o caráter. O foco da relação está na
quantidade, na qualidade e na durabilidade do prazer que se proporcionam
mutuamente.
O segundo tipo de amizade é a
amizade segundo a utilidade. E, ainda desta vez o caráter da pessoa não conta
na seleção. Conta o que ela pode receber.
Eu conheci duas pessoas que se
relacionavam com base nessa amizade.
Elas trabalhavam juntas, faziam
supermercados juntas, iam ao cinema juntas e, aos domingos a mais jovem sempre
almoçava na casa da mais velha.
Elas não eram namoradas. Tinham interesses
mútuos: uma tinha carro e não gostava de dirigir, a outra adorava dirigir, mas
não tinha dinheiro para comprar carro. Uma cozinhava divinamente, a outra não
sabia fritar um ovo e por aí vai...
Finalmente, a amizade segundo a
virtude é baseada na bondade já desenvolvida na pessoa, ou dizendo de outra
maneira, é a amizade despretensiosa entre pessoas que se buscam por que têm em
comum os mesmos ideais, os mesmos gostos, o mesmo padrão de conduta. O bem manifestado nessa relação é originário da evolução alcançada. Tem poder de atrair pelo ser que é.
Diferentemente das duas primeiras que acabam
tão logo tenham conseguido realizar seus objetivos, a amizade com base na
virtude é duradoura, pois está fundamentada em valores que não são perecíveis e
que se realimentam constantemente. Ela é fruto do auto-desenvolvimento, do aprimoramento da alma, além de ser essencial à vida.
Esta breve reflexão me faz concluir que para termos amigos
verdadeiros, pelo menos segundo Aristóteles, precisamos desenvolver a virtude,
elevar o padrão
de nossos pensamentos, de nossos comportamentos e de nossas ações e atos pessoais e socias.
Não significa virar santo. Significa sermos, pelo menos, éticos.