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quinta-feira, 30 de outubro de 2008

Helena, Victor Mottez-1858.


Victor Mottez em 1858, retratou o que imaginou que seria a obra Helena pintada por Zuexis, artista grego que viveu em Atenas no período de 468-398 a.C.
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Let Me Fall. Cirque Du Soleil.

Liturgia da alteridade em Emmanuel Levinas.

Antonio SIDEKUM1
1.Prof. de Filosofia na FACCAT, Taquara RS, Brasil

RESUMEN
O presente artigo pretende trazer algumas considerações filosóficas sobre o conceito da interpelação ética e da justiça no pensamento de Emmmanuel Levinas. Trata-se do pensamento da relação assimétrica com o outro em sua absoluta e infinita alteridade. A subjetividade é afirmada pela proximidade ética do outro. A alteridade tem um peso existencial ético. A justiça em Levinas trata da alteridade absoluta do outro. Levinas utiliza-se das categorias bíblicas da viúva, do órfão, do pobre e do estrangeiro para explicitar a relação assimétrica da ética e da justiça. Sobre o outro não podemos exercer o poder, mas, devemos a ele o trabalho da justiça como liturgia.
Palavras chaves: Emmanuel Levinas, interpelação ética, alteridade.

ABSTRACT
This essay presents some philosophical considerations on the concepto of ethical interpelation and justice in the philosophy of Emmanuel Levitas. It deals with his thought in its assymetric relation with the “other” in absolute and infinite alterity. Subjectivity is affirmed by the ethical proximity of the other. Alterity possesses existencial ethical weight. Justice in Levinas deals with the absolute alterity of the other. It utilizes the biblical categories of widow, orphan, poor and foreigner in order to explain the asymetric relationship between ethics and justice. We cannot exercise power over the other, but it is necessary to exercise justice as a liturgy.
Key words: Emmanuel Levitas, ethical interpelation, alterity.

Recibido: 15-08-2005 · Aceptado: 23-10-2005

“La filosofía invoca, en un sentido esencialmente litúrgico, al Otro, maestro o alumno, al cual se dice el“todo”. Por ello, precisamente, el cara-a-cara del discurso no adhiere un sujeto a un objeto, difiere de la tematización, esencialmente adecuada, porque ningún concepto se toma de la exterioridad”.
Emmanuel Levinas
O PENSAMENTO DIALÓGICO
Comemoramos neste ano o centenário de nascimento de Emmanuel Levinas. Em muitos centros de filosofia ocorrem inúmeros atos festivos com seminários e debates sobre o pensamento de Levinas. Essa comemoração me leva a esboçar as seguintes linhas que trazem algumas reflexões sobre o pensamento dialógico que foi um dos paradigmas marcantes deste grande pensador do século XX. Levinas deu à filosofia uma vida nova ao introduzir o tema da alteridade e da da interpelação ética. Na sua obra Totalidad e Infinito os leitores são interpelados para uma reflexão ética sobre o reconhecimento e acolhimento litúrgico da alteridade absoluta do outro. Falamos da invocação do Outro no sentido litúrgico do Outro pois, a interpelação rompe com todos os paradigmas da certeza lógica e da fundamentação última. A interpelação já é um evento na-anárquico, está no alé de toda archê. Não é um acontecimento anterior ao princípio da filosofia, mas está no verbo que está no princípio.A in-vocação ética do Outro já é uma pro-vocação, que chama no tempo que é o tempo do outro. É o tempo da liturgia, da devoção de um tempo no qual somos para prestarmos a atenção à alteridade do outro. Levinas parte do pensamento de Franz Rosenzweig para apresentar a idéia da alteridade do outro como doador do nosso tempo existencial e da experiência ética de toda criação
1. Com essa evocação ética podemos dizer que o pensamento de Levinas é fundamental para uma diálogo intercultural e do reconhecimento de um outro modo que ser, ou além da essencia.
A filosofia alcança seu veradeiro amadurecimento com os diálogos de Sócrates, que Platão nos transmitiu sistematicamente como um exercício contínuo para buscar o conhecimento e encontrar a verdade. A filosofia é concebida numa amplitude maior, pois, o filósofo como o amigo da sabedoria não apenas trata das leis da natureza e de sua arqueologia, mas da subjetividade. Para Sócrates a filosofia era um exercício ético que ele desenvolvia nos seus longos diálogos com seus discipulos e amigos. Seus princípios de ética eram duramente analizados pelos seus interlocutores. Sócrates se apresentava como um amigo da sabedoria e à qual servia com veneração e procurando identificar seus atos com a justiça. Sua pessoa a todos impressionava, como poderemos ler na Apologia de Sócrates, texto com um teor quase sagrado escrito pelo discípulo Platão, muito fiel e próximo. Sócrates teria dito que ele ensaiava a arte de seu pai, um escultor, que criava dum bloco de mármore as formas de uma figura humana e que ele auxília no nascimento da maturidade do homem como uma forma do exercício da maiêutica, conhecida na arte médica e exercida pela sua mãe que era parteira e que auxíliavas as gestantes no nascimento dos filhos, esse método era compreendido como uma visão transparadigmática para que o homem possa com mais facilidade fazer nascer suas idéias. Pois, Sócrates concentrava-se em investigar o ser humano e as possibilidades de seu conhecimento. A inscrição na entrada do Templo de Apolo em Delphos: Conhece-te a ti mesmo serve como ponto de partida de sua filosofia. Esse é o pressuposto fundamental para alcançar o conhecimento correto: O auto-conhecimento. O interessante que se quer dizer com isso, é que ele não só se interrogava sobre o que nós podemos conhecer, mas, perguntar por aquilo que nós não sabemos conhecer. Este segundo aspecto do questionamento de Sócrates deve ser compreendido, como fundamental para o quefazer da filosofia na atualidade. Voltando-se para a interioridade da subjetividade e assimilar a expressão de Socrátes eu sei que nada sei. Por um lado, aprendemos de Sócrates que a filosofia é a feliz condenação da qual o ser humano jamais poderá fugir, é nesse sentido que o filosofar é também uma experiência perigosa. Pois, a atitude filosófica exige uma autenticidade existencial radical. Mas, por outro, a filosofia leva-nos ao instante fatal: à descoberta do nosso não conhecimento, ou de que alguém poderia manipular o que se deve conhecer e dizer. Já seria a forma como se poderia conduzir a imposição da ideologia que pode manipular as mentes dos outros através do sistema educacional ou de outros aparelhos de manipulação. Sócrates ensina que com o método maiêutico o ser humano toma consciência do momento singular no qual ele descobre seu estado de ignorância.
Esse instante da tomada de consciência acontece na experiência dialógica. Esse momento é segundo Sören Kierkegaard o instante filosófico importante para uma nova abertura do homem para o mundo e para seu auto-conhecimento. Levinas considera esse instante para explicitar do impulso e da obsessão pela alteridade absoluta do outro, que rompe com a egologia:
El comienzo del saber sólo es posible si se rompe el encantamiento y el equívoco permanente de un mundo en el que toda aparición es posible simulación, en el que falta el comienzo. La palabra introduce un princípio en esta anarquía. La palabra desencanta, porque, en ella, el ser que habla garantiza su aparición y se auxilia, asiste a su propia manifestación. Su ser se efectúa en esta asistencia. La palabra que ya apunta en el rostro que me mira, introduce la franqueza primera de la revelación. Con relación a ella, el mundo se orienta, es decir adquiere una significación
2.
É na relação que instaura a consciência e a linguagem conforme podemos ler no texto do livro De magistro de Santo Agostinho, é essa a profunda experiência humana, uma experiência do inefável que vai significando tudo “Ter um sentido, é ensinar ou ser ensinado, falar ou poder ser dito”
3. É a correlação hermenêutica a priori como fundante da relação intersubjetiva, que, segundo Martin Buber fundamenta-se na dualidade das palavras-princípio Eu-Tu e Eu-Isso. Levinas dá à linguagem um sentido ético, porque é pela linguagem que o ser humano instaura um novo sentido à criação do mundo e na linguagem se dá uma abertura para a alteridade, para a comunidade: “A palavra instaura a comunidade somente ao “dar”, ao apresentar o fenomeno como dado e dá ao tematizar”4

A FILOSOFIA DIALÓGICA E A INTEPELAÇAO ÉTICA
O pensamento de Levinas insere-se com um destaque peculiar entre as múltiplas correntes do pensamento dialógico contemporâneo. A filosofia do século XX sofreá com o impacto do pensamento de F. Nietzsche, recebe a fenomenologia de Husserl, a obra Ser e tempo de Heidegger, o Ser e o Nada de Jean Paul Sartre e todas as formas de existencialismo. No meio de todo esse rumo da filosofia, uma abordagem nova será feita pelo chamado o novo pensamento de Franz Rosenzweig
5, Hans Ehrenberg6, Ferdinand Ebner7, Martin Buber8 e, mais recentemente, Emmanuel Levinas delineou uma nova postura na reflexão crítica possibilitando uma sustentação mais profunda e abrangente dos direitos humanos.
Esses filósofos marcaram de maneira especial a história do pensamento, da antropologia filosófica, da Filosofia do Direito e influenciaram fortemente a ética, a teologia, a pedagogia, a utopia e a psicologia. Ferdinand Ebner e Martin Buber tiveram uma repercussão na teologia e na filosofia da linguagem e Franz Rosenzweig na sua filosofia do direito lança as bases para a crítica ao totalitarismo, temática de Hanna Arendt, Theodor Adorno e Emmanuel Levinas.
Franz Rosenzweig fundamentou seu judaísmo durante a primeira guerra mundial na sua correspondência com Eugen Rosenstock, foi uma correspondência que aconteceu de uma para outra trincheia cheia de riqueza e profundidade de pensamento. E é na obra a Ëstrela da Redenção em que Rosenzweig dá a palavra aos filósofos desde Platão até Hegel e Nietzsche, os poetas desde Sofocles até Goethe e Rilke, Moisés e Buda, Jesus e Laotse Rabbi Akiwa e Maiomonides, Tomás de Aquino e Lutero. O que de judaismo existente na obra é que essa filosofia não inicia com o Eu, mas, com o Tu com o qual o Eu é interpelado. Não será um Eu pensante que pergunta por Deus, Mundo e Homem, mas, será a partir perguntado e questionado e trazido à existência. Assim, uma das grandes contribuições de Rosenzweig para a história da filosofia contemporânea é a crítica feita ao Idealismo e ao Totalitarismo do Estado, inserindo, assim um novo dimensionamento do tempo e das possibilidades humanas na significação da história, buscando um sentido para a experiência humana face à consciência do finito e infinito, paradigmas-chaves no pensamento de Levinas. Aqui temos a forte influência de Rosenzweig sobre a passagem existencial de Walter Benjamin nas concepções escatológicas da história.
A filosofia de Levinas instaura um novo humanismo. A perspectiva de seu pensamento abrange fundamentalmente a ética. A ética tem seu ponto de partida no reconhecimento da alteridade do outro. Levinas é um pensador que vai além das perspectivas da subjetividade, do psiquismo e da egologia da Modernidade, inserindo-se na compreensão do reconhecimento dos Direitos Humanos fundamentais ditados pela alteridade do outro que é o fundamento e a dimensão teleológica da justiça.
Levinas nasceu em 1905, na cidade de Kaunas, Lituânia, e emigrou como universitário para a cidade de Estrasburgo, na França, e foi estudar em Friburgo, tendo aulas com Edmund Husserl e com Martin Heidegger. Introduziu a filosofia da fenomenologia na França. Sua tese de doutorado foi sobre a teoria da intuição em Husserl. Tendo passado pelo campo de concentração de Stammlager, torna-se depois diretor do Colégio Israelita de Paris e, a seguir, professor na Sorbonne. Faleceu em 1995. Destacamos entre as suas principais obras Totalidade e Infinito; Difficile liberté; Outro modo de ser ou além da essência; Humanismo do Outro Homem; À l’heure des Nations; Entre nós; Quattre Lectures talmudiques.
Enrique Dussel, em sua obra Ética da libertação apresenta Levinas como uma vítima do holocausto judeu no coração da Modernidade. Foi um sobrevivente que começa sua obra madura (Outro modo de ser ou além da essência) da seguinte maneira:“Em memória dos seres mais próximos entre os seis milhões de assassinados pelos nacional-socialistas, junto a milhões e milhões de humanos de todas as confissões e nações, vítimas do mesmo ódio do outro ser humano, do mesmo anti-semitismo”.
O pensamento filosófico de Levinas exige uma fidelidade hermenêutica que implica numa transparadigmatização das categorias utilizadas no contexto de seu novo humanismo. O paradigma para a reflexão ético-jurídica é o conceito da ileidade (illeité), que emerge pela interpelação ética face ao impacto da infinita responsabilidade e de uma obediência irrestrita à voz da alteridade absoluta do outro que questiona a segurança e a radicalidade da minha subjetividade. Essa categoria reverte para uma ética da memória.
As categorias do pobre, órfão, estrangeiro e da viúva são categorias bíblicas para expressar a dimensão da interpelação ético-jurídica que se manifesta pela epifania do rosto do outro, cujo olhar coloca em total questionamento a certeza do meu eu, interpelando-o pelo clamor: “Tu não matarás”. Essas categorias, desconhecidas no pensamento grego e, consequentemente, na tradição do pensamento filosófico ocidental, são salvaguardadas na tradição teológica cristã através do preceito, julgamento e da justiça (Mt 25, 31-46). Essa ótica da justiça é a tentativa para superar a egologia, a ipseidade e a arché da subjetividade do pensamento da Modernidade para instaurar o dado da irrefutabilidade da interpelação ética no momento da dialogicidade da singular relação recíproca do Eu-Tu, para ir ao encontro da misteriosa relação de justiça, que se realiza efetivamente na relação Eu-Ele. A justiça é a relação assimétrica.
Para expressar o principio da lei e da justiça, Levinas utiliza-se das leituras talmúdicas nas quais interpreta a lei positiva, formulada nos dez mandamentos, dando um sentido histórico-existencial à relação dialógica Eu-Deus, que seria a experiência de transcendência, que somente será real no cumprimento da justiça que acontece na total heteronomia, ou seja, na relação com o outro que já não é mais o meu Tu da relação de reciprocidade dialógica Eu-tu, é a ileidade, por isso interpelação ética. A justiça, segundo Levinas acontece concretamente quando a lei que responsabiliza o meu Eu ultrapassando todas as formalidade jurídicas essenciais e colocando a minha subjetividade além do questionamento dos direitos humanos adquiridos, porém, no evento histórico, o tempo do outro, que se conta diante da absoluta responsabilidade que me cabe nessa relação assimétrica para com o Outro. A alteridade do outro é descrita por Levinas com uma dimensão ética. Mas, parte de uma fenomenologia da percepção. O Outro, carnalidade sensível e como o Eu psíquico, manifesta-se pelo rosto. Levinas apresenta o rosto do outro na negação para ser conteúdo. Pois, assim ele não poderia ser compreendido, isto é englobado. Não poderia ser visto e nem tocado, porque na sensação visual ou tátil, a identidade do eu envolve a alteridade do objeto que é precisamente conteúdo. Para Levinas o Outro não é outro com uma alteridade relativa. A alteridade do Outro não depende de uma qualidade que o distinguiria do eu, pois essa distinção anula a alteridade. Mas, a relação entre o Outro e eu, não termina em número nem no conceito. O Outro permanece infinitamente transcendente, na epifania de seu rosto ele me chama e me interpela. A alteridade absoluta do Outro me interpela como vítima. O rosto do próximo sobrecarrega-me com uma responsabilidade irrecusável, precedendo todo consentimento livre, todo pacto e todo contrato. Do Outro não poderei fazer uma representação. Ele se revela como vítima mais nu do que toda nudez, é pobreza, pele desgarrada. O rostro do Outro é revelação do Outro como vítima.
Levinas estrutura a constituição jurídica do eu através do princípio da substituição. Utiliza-se por um lado, da figura estilística da representação de que o Eu é portador da responsabilidade do outro, por outro lado introduz na fenomenologia e na hermenêutica jurídica o conceito de substituição. Com este conceito Levinas compara a constituição da fenomenologia da autoconsciência, o si-próprio, utilizando-se do conceito de uma assinação de uma extrema urgência e de uma obrigação anacronicamente anterior a todo o ato de compromisso. É numa responsabilidade absoluta que não se justifica por nenhum compromisso prévio. Na responsabilidade para com o outro se instaura a situação ética. Não se trata de uma responsabilidade diante do outro em cuja situação nos sentiríamos inocentes. Na verdade encontramo-nos sempre numa situação de responsabilidade pelo Outro antes de qualquer julgamento. Na linha do pensamento ético de Levinas emerge um novo imperativo categórico que, mesmo além da condição de ser anterior a todo pensamento e a toda fundamentação, põe a interpelação ética como principio da justiça. Levinas fala de uma significação que está além da visibilidade que se poderia tematizar num signo ou num código de Direito. É o próprio transcender para além daquilo que é significação. Ora, é o próprio transcender do além da significação que nos conduz para o ápice contraditório da relação do um-para-o-outro, este paradigma não é um defeito da intuição, porém, o excesso da responsabilidade. É minha responsabilidade para com o outro que forma o para da relação, a mesma significação da significação que significa no Dizer antes de mostrar-se no Dito. Aqui encontramos o sentido dado por Levinas para a revelação da perspectiva da intrigante relação do Eu para o outro. É a plenitude da compreensão, não no sentido de um idealismo filosófico da subjetividade, mas, no questionamento da instituição jurídica formal que vai além do seu código restrito e introduz a interpelação ética do outro, com o qual nenhuma relação de formalidade e de expressão significativa tenho na relação porém, no imperativo categórico da infinita responsabilidade no qual está radicado a minha subjetividade para com o outro. A relação jurídica segundo a interpretação de Levinas sustenta-se na experiência fenomenológica do momento em que o Eu é despertado pela interpelação etico-jurídica do outro. A tomada de consciência dá-se no insuperável questionamento, no sentido socrático, do momento que já não é mais o meu tempo mas é o tempo do outro. A minha subjetividade é tomada como refém pelo outro. Desta responsabilidade infinita do outro serei sempre um refém. A condição de refém irrompe sobre minha subjetividade com a epifania do rosto do outro. É no rosto do outro concreto em carne e osso na transcendência ética do tempo que não é o tempo da minha subjetividade em que o olhar do rosto do outro me interpela com o clamor tu não matarás.

O PRINCÍPIO DA ILEIDADE PARA EXPRESSAR A JUSTIÇA
Assim, encontramos o princípio da justiça que está situada anacrônicamente anterior à consciência da subjetividade. A subjetividade, segundo Levinas, estabelece-se além da egologia, da autonomia absoluta do eu e da vivência e da ipseidade ou do em-si e do para-si. A condição da subjetividade humana é possibilitada através da relação do eu com o outro na qual está implicada a relação que se estabelece já anteriormente a qualquer arché, ou seja, a subjetividade existe já anteriormente à arché, ela é an-árquica. Mesmo antes da minha existência, já sob subjetividade, o meu eu é infinitamente responsável pelo outro. Levinas, por um lado, busca a intemporalidade e a temporalidade das circunstâncias privilegiadas do vivido em que se constitui a temporalidade, tematizada por autores como Moses Mendelssohn, Franz Rosenzweig e Hans Ehrenberg.
Levinas expressa a relação ético-jurídica da subjetividade a partir da idéia da relação infinita inter-humana e com o Infinito. A subjetividade expressa-se através da condição de ser refém do outro, o que implica uma ruptura da totalidade e a instauração da experiência do outro como uma experiência da transcendência. Assim, a minha subjetividade realiza-se concretamente na história através da relação com o outro que se manifesta através de seu rosto, cujo olhar é uma constante interpelação de justiça: “tu não matarás”. A subjetividade acontece na existência humana através da relação intersubjetiva e na exigência infinita de justiça para com o outro.
O outro revela-se na epifania de seu rosto:
A apresentação do rosto –a expressão– não desvela um mundo interior, previamente fechado, acrescentando assim uma nova região a compreender ou a captar. Chama-me, pelo contrário, acima do dado que a palavra põe já em comum entre nós. O que se dá, o que se toma, reduz-se ao fenômeno, descoberto e oferecido à captação, arrastando uma existência que se suspende na posse. Em contrapartida, a apresentação do rosto põe-me em relação com o ser. O existir do ser –irredutível à fenomenalidade, compreendida como realidade sem realidade– efetua-se na inadiável urgência com que ele exige uma resposta. Essa resposta difere da “reação” que o dado suscita, porque não pode ficar “entre nós”, como quando das disposições que eu tomo em relação a uma coisa. Tudo o que se passa aqui “entre nós” diz respeito a toda gente, o rosto que o observa coloca-se em pleno dia da ordem pública, mesmo que dela me separe ao procurar com o interlocutor a cumplicidade de uma relação privada e de uma clandestinidade
9.
O Dasein em Levinas tem fome, sofre as penúrias da contingência existencial e inclina-se para a alteridade. Para Levinas, esta é a experiência originária da ética. “A ética já por si mesma é uma ótica”
10. O ato de alimentar-se é o primeiro ato moral. A pessoa que se alimenta recebe da bondade do outro o alimento; por exemplo, na relação entre recém-nascido e mãe, com a família e mais tarde num âmbito social mais abrangente, a sociedade na qual a pessoa vive. Como, ao ser alimentado, houve a satisfação de uma necessidade que possibilita irromper na vida, assim isso ocorre na economia, num momento seguinte. Essa experiência fenomenológica da satisfação das necessidades e do rompimento do egoísmo provoca a primeira experiência ética do ser humano, que é encontrar-se com a alteridade do outro. É uma experiência fenomenológica. Levinas acentua cada vez mais essa perspectiva fenomenológica da satisfação das necessidades primordiais, como o alimento, o abrigo, o afeto, a economia e o conhecimento técnico como elementos existenciais sustentadores da vida humana. Elementos esses que são essenciais para a experiência fenomenológica da ética. E Levinas busca compreender a fenomenologia de Husserl para uma experiência metafísica. “A fenomenologia husserliana tornou possível a passagem da ética para a exterioridade metafísica”11.

CONCLUSAO
Na passagem da transparadigmática da egologia da Modernidade para a responsabilidade infinita devida pelo Eu à alteridade absoluta do outro, Levinas inaugura uma importante dimensão na filosofia. O que há de fundamental e inovador no pensamento de Levinas é o seu caráter ético, interpelação ética do outro que se manifesta em sua alteridade sob vários aspectos fundamentais para a compreensão da relação jurídica que implica a concretude existencial, corporeidade, proximidade e relação inter-humana. Mas a revelação ou a epifania do outro não é meramente fenomenológica, e sim manifestação de sua absoluta alteridade com o princípio ético.
A obra de Levinas irrompe com uma nova imagem sobre o ser humano. Levinas aponta para uma nova experiência da ética, a ética do reconhecimento da alteridade absoluta do Outro como vítima que se introduz na história da humanidade. Com isso, será introduzida dentro da antropologia filosófica uma nova perspectiva que perpassa as múltiplas dimensões do conhecimento humano, desde a teologia, psicologia, direito até o campo da técnica. A concepção fundamental desse novo humanismo de Levinas, conhecida como humanismo do outro homem, é a solidariedade e a infinita responsabilidade ética que se correlaciona com a experiência humana.
A totalidade será rompida a partir da subjetividade. A subjetividade aparece como aberta para a exterioridade, sem poder escapar da relação assimétrica, a qual, por seu lado, se manifesta ao outro de maneira diacrônica como culpada e responsável.
A experiência ética é, na verdade, uma experiência metafísica, isto é, não é nem um processo dialético de desvelamento, nem ontológico, mas é um processo interpessoal da revelação e da transcendência. O desejo pela transcendência será despertado através do grito pela justiça e pela revelação do rosto do outro.
Falar da alteridade significa, antes de tudo, incluir a ética no pensar. A relação com o outro realiza-se na forma da bondade, que se chama de justiça e verdade e que se concretiza historicamente numa infinita experiência de transcendência, como solidariedade e responsabilidade pelo outro.
As categorias bíblicas, o órfão, o pobre, a viúva e o estrangeiro, utilizadas na filosofia de Levinas, recebem uma concreta significação e destino na hermenêutica jurídica. O outro é o oprimido, que se chama de índio, de camponês sem terra, de marginalizado nas periferias dos grandes centros urbanos, de desempregado, de pobre do povo que clama por justiça. A revelação desse outro exige uma correspondente práxis libertadora.
Esse outro não poderá ser negado nem desconsiderado, uma vez que ele se encontra justamente fora da dimensão do jogo do meu eu.
O outro que vem ao meu encontro, que clama por justiça em sua interpelação, rompe com o sistema da opressão, com a ideologia ou ilusão, ele rompe com o egoísmo do eu.
O ser humano experiência a presença concreta do outro em sua exterioridade e se encontra com ele mesmo na transcendência. Neste sentido, a proximidade no horizonte do ser-para-o-outro não tem nenhuma delimitação espacial e temporal, porém abarca toda a humanidade. O ser-para-o-outro refere-se a um saber moral, ao pensar moral, à bondade, à diaconia, à substituição do outro e à justiça. A relação com o outro, no ser-para-o-outro, plenifica-se, fundamentalmente, no ser da comunidade, o que corresponde à responsabilidade ética para com o outro, como uma experiência na alteridade.
Na definição da interioridade soberana, Levinas descreve a liberdade como vontade. A verdade será experienciada pelo ser humano quando este pratica a justiça. Através do outro, apresentam-se diante do eu “muitos outros”. Levinas chama a estes “muitos outros” de terceiro. Aqui reside a razão por que a relação do eu com o outro alcança uma dimensão infinita.
A verdade correlaciona-se na temporalidade e na vida política, da economia e com as relações sociais, que exigem a realização da justiça. A justiça consiste em reconhecer a condição da alteridade do outro na sua absoluta alteridade e tempo. É no tempo, que pertecence ao outro, no qual cumpro meu dever como subjetividade na liturgia da ética.
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1. ROSENZWEIG, Franz (1988): Der Stern der Erlösung.Frankfurt am Main: Suhrkamp.
2. LEVINAS, Emmanuel (1977): Totalidad e infinito, Salamanca: Sígueme, p. 120.
3. Ibidem.
4. Idem. p. 121.
5. MAYER, Reinhold, ROSENZWEIZ, Franz (1973): Eine Philosophie der dialogischen Erfahrung, München, 1973.
6. LICHARZ, Werne & KELLER,Manfred (Org.) (1986): Franz Rosenzweig und Hans Ehrenberg: Bericht einer Beziehung, Frankfurt am Main: Haag & Herchen.
7. EBNER, Ferdinand (1963): Schriften, em 3 Vol., München. O diálogo originário é apresentado na Bíblia, como a fala de Deus com o homem, por isso, eu gostaria de apontar para que seja considerado o fato que dois pensadores ao mesmo tempo encontrem a forma do filosofar de maneira semelhante, um que era judeu, Martin Buber e o outro Ferdinand Ebner que a partir da fundamento bíblico desenvolve uma filsofia cristã, sejam autores tão fundamentais para o pensamento dialógico.
8. Em 1923 Martin BUBER publica Eu e Tu.
9. LEVINAS, Emmanuel (1977): Op. cit., p. 190.
10. Id., ibid., p. 16.
11. Ibid., p. 17.
Fonte: Utopia y Praxis LatinoamericanaISSN 1315-5216 versión impresa
http://www.serbi.luz.edu.ve/scielo.php?pid=S1315-52162005012000007&script=sci_arttext

OBRA DE ARTE

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