3.2. As idéias de substância e de causalidade
Enquanto o pensamento greco-romano e o cristão admitiam a existência de uma pluralidade infinita (ou indefinida) de substâncias, os modernos irão simplificar enormemente tal conceito.
Substância é toda realidade capaz de existir (ou de subsistir) em si e por si mesma. Tudo que precisar de outro ser para existir será um modo ou um acidente da substância. Na versão tradicional, mineral era uma substância, vegetal era substância, animal, outra substância, espiritual, uma outra. Mas não só isto, dependendo das filosofias, cada mineral, cada vegetal, cada animal, cada espírito, era substância, de tal maneira que haveria tantas substâncias quantos indivíduos. Simplificadamente: a substância podia ser pensada como um gênero, ou como uma espécie ou até como um indivíduo. E cada qual teria seus modos ou acidentes e suas próprias causalidades.
Os modernos, especialmente após Descartes, admitem que há apenas três substâncias: a extensão (que é a matéria dos corpos, regida pelo movimento e pelo repouso), o pensamento (que é a essência das idéias e constitui as almas) e o infinito (isto é, a substância divina). Essa alteração significa apenas o seguinte: uma substância se define pelo seu atributo principal que constitui sua essência (a extensão, isto é, a matéria como figura, grandeza, movimento e repouso; o pensamento, isto é, a idéia como inteligência e vontade; o infinito, isto é, Deus como causa infinita e incriada).
Na verdade, os modernos não concordarão com a tripartição de Descartes. Os materialistas, por exemplo, dirão que há apenas extensão e infinito; os espiritualistas, que há apenas pensamento e infinito. E, nos dois extremos dessa discussão, estarão Espinosa, de um lado, e Leibniz, de outro. Para Espinosa existe uma e apenas uma substância — a infinitamente infinita, isto é, Deus, com infinitos atributos infinitos dos quais conhecemos dois, o pensamento e a extensão (suprema heresia: Espinosa afirma que Deus é extenso), todo o restante do universo são os modos singulares da única substância. Para Leibniz, existem infinitas substâncias, cada uma delas contendo em si mesma um dos dois grandes atributos — pensamento (inteligência, vontade, desejo) ou extensão (figura, grandeza, movimento e repouso). Essas substâncias se chamam mônadas (unidade última e indivisível) e há apenas uma diferença entre as mônadas — isto é, há a Mônada Infinita, que é Deus, e há as mônadas criadas e finitas, isto é, os seres existentes no universo, e que podem ser extensas ou pensantes.
De qualquer maneira, o essencial na questão da Substância definida pelo seu atributo principal é que, de agora em diante, conhecer é conhecer apenas três tipos de essências e suas operações fundamentais: a matéria (geometrizada), a alma (intelecto, vontade e apetites) e o infinito.
Esse conhecimento se fará pelo conceito de causalidade. Conhecer é conhecer a causa da essência, da existência e das ações e reações de um ser. Um conhecimento será verdadeiro apenas e somente quando oferecer essas causas. Evidentemente, os filósofos discordarão quanto ao que entendem por causa e causalidade, discordarão quanto à determinação de uma realidade como sendo causa ou como sendo efeito, discordarão quanto ao número de causas, discordarão quanto aos procedimentos intelectuais que permitem conhecer as causas e, portanto, discordarão quanto à definição da própria noção de verdade, uma vez que esta depende do que se entende por causa e por operação causal. Mas todos, sem exceção, consideram que um conhecimento só pode aspirar à verdade se for conhecimento das causas, sejam elas quais forem e seja como for a maneira como operem. O importante é notar que fizeram a verdade, a inteligibilidade e o pensamento dependerem da explicação causal e afastaram a explicação meramente descritiva ou interpretativa. A síntese desse ideal encontra-se em Espinosa e em Leibniz. Afirma Espinosa que o conhecimento verdadeiro é aquele que nos diz como uma realidade foi produzida, isto é, o conhecimento verdadeiro é o que alcança a gênese necessária de uma realidade. Leibniz estabelece o chamado principio da Razão Suficiente, segundo o qual nada existe que não tenha uma causa e que não possa ser conhecida, ou, como ficou conhecido: "Nihil sine ratione", nada é sem causa.