Introdução
Como escola, o estoicismo tomou seu nome, de um pórtico (no grego stoá), onde seu fundador, Zenão de Citio, ensinava, ao estabelecer-se em Atenas.
Exerceu o estoicismo notória influência em todo o período helênico-romano, pela profundidade de suas doutrinas, como ainda por ter sido o sistema da elite romana. Influenciou também o rigorismo da moral cristã.
Perderam-se os livros dos primeiros estóicos, dos quais restam apenas fragmentos. Toda a doutrina ainda se encontra nos livros dos autores latinos. Em decorrência, o estoicismo é tratado como um corpus doutrinário. Entretanto se conhecem fases, com diferenças apreciáveis. E que se fizeram conhecer pelas denominações pórtico antigo, pórtico médio e pórtico moderno.
O pórtico antigo, do 3-o século a.C. representado por Zenão de Citio (c. 336-264 a.C.). Como comerciante naufragou no Pireu, vindo depois estabelecer-se em Atenas, onde passou a estudar. Por volta de 300 a.C. criou sua escola.
O pórtico antigo segue a rigidez moral de Sócrates e da escola socrática menor dos cínicos. E ainda o monismo materialista dos jônicos, num sentido mais panteístico. O logos, como forma das coisas, seria a expressão da inteligência ou alma do mundo. A forma das coisas é denominada também fogo racional (pyr noeron). A conformidade com a necessidade geral que tudo comanda (em decorrência do monismo) traz a impertubabilidade (= ataraxia). Esta é a virtude e a felicidade.
O pórtico médio, do 2-o e 1-o século a.C., representado por Panécio de Rodes (c.180-1110 a.C.) e Possidônio de Apaméia (+51 a.C.), foi mais eclético, com aproximações à Platão e Aristóteles.
Abandonou a doutrina monista da identidade de Deus e do mundo.
Amenizou a moral cínica, de sorte a converter o estoicismo mais adequado ao espírito romano, eminentemente dedicado ao sentimento coletivo do Estado.
No curso do pórtico médio ocorreu a expansão de estoicismo nos meios romanos.
Panécio de Rodes (c. 180-110 a.C.), de origem nobre, ligara-se a Scipião Emílio na época em que se iniciava a expansão do Império Romano, acompanhando-o em 143 à Alexandria e à costa ocidental da África, até estabelecer-se em Roma; aqui teve amizades com o sumo sacerdote Múcio Scevola e outros. Por algum tempo retornado ao oriente grego, para estabelecer-se na Escola de Atenas, de 129 a 110 a.C., onde faleceu.
Acontecia então a fase estóica eclética, de aproximação do estoicismo ao platonismo e aristotelismo denominada pórtico médio. Substituiu Panécio a doutrina da conflagração períodica do mundo pela da eternidade do mesmo conforme Aristóteles. Abandonou as posições rígidas do anterior estoicismo por um modelo de vida mais suave. Em vez da física e da dialética, preferiu os temas morais e religiosos.
Dos seus livros restam apenas fragmentos e informações. Um deles, o Tratado do dever, serviu de modelo ao Sobre os ofícios (De Officiis), de Cícero. Destacam-se ainda os títulos: Da Providência; Comentário ao Timeu.
Possidônio de Apaméia (c.135-c.51 a.C.), Síria. Filósofo de expressão grega estudou em Atenas com Panécio. Estabeleceu-se em Rodes, onde abriu escola e onde Cícero o ouviu e Pompeu o conheceu. Viajou em torno de todo o Mediterrâneo, havendo estado também em Roma, o que o tornou muito conhecido.
Como filósofo estóico pertenceu ao pórtico médio. Nesta condição abandonou algumas doutrinas do estoicismo anterior, aproximando-se do ceticismo da Academia, e mesmo do aristotelismo. Acentuou o lado mítico, ao contrário do estóico Panécio, mais racional.
Escreveu muito mas restam apenas menções do seu pensamento nos escritores contemporâneos, como Cícero, Sêneca, Plotino e outros.
O pórtico moderno se desenvolveu na época imperial romana. Dos seus representantes uns escreveram em grego, como Arius Didimus (último sec. A. C.), Epicteto (50-130 d.C.), Marco Aurélio, imperador (+180 d.C.). Outros em latim, como Sêneca (3 - 65 d.C.), Mussônio Rufo (1-o séc. d.C.).
Uns e outros influenciaram os ideais sociais e a formação do Direito Romano, que mais adiante será codificado.
Arius Didimus (último século a.C.)
Filósofo estóico, familiar do imperador Augusto. Era um entre outros tantos estóicos, que então eram frequentes no Império Romano.
Em Alexandria, de onde Arius Didimus era originário, encontravam-se também os estóicos Eudoro e Potamon.
Em Atenas, Cícero contatou ao estóico Antíoco, levando suas idéias para Roma, não demorando a aparecer a geração dos estóicos que escreverá em latim.
Como os estóicos em geral, também Arius Didimus foi um eclético, porquanto combinou elementos tomados a Platão e a Aristóteles. Escreveu uma história da filosofia, de que se conservam fragmentos sobre Platão, Aristóteles, e os estóicos.
Epicteto (50 - 138), nascido na Ásia Menor, foi escravo em Roma. Depois de liberto, foi chefe de escola em Nicópolis (Epiro).
Pregou o amor aos homens e à cidadania universal. Autor de Dissertações (notas tomadas por Arriano); Enquiridion; ou Manual de moral. Escreveu em grego.
Marco Aurélio (121-180), imperador de 161 a 180, do qual se conserva famosa estátua equestre e apreciáveis escritos. Nascido em Roma, filho do prefeito da cidade, que também fora três vezes cônsul. Ao morrer este seu pai, o adotou o Imperador Antonino Pio, ao qual sucedeu aos 40 anos.
Praticou Marco Aurélio a filosofia estóica, que conheceu através de Epicteto. Não é, todavia, tão estóico quanto este, e nem tão teórico. Seu estilo contém um caráter de doçura e agrado, não obstante ser o estoicismo um sistema de normas rijas. O homem é parte da natureza Universal, devendo tomar o governo de si para guiar-se de acordo com esta posição no todo. Proibiu a introdução de novas religiões no Império, de onde haver-se colocado contra o cristianismo. Marco Aurélio e Epicteto são os expoentes mais destacados da moral estóica.
Escreveu suas cartas em latim, e que se conservam, enquanto seu livro em grego, sob o título Para mim mesmo (I , Æ H © " L J @ < ), e que se fez conhecer nas traduções por Meditações (Meditationes), e também por Soliloquia (Solilóquios). É possível também que o título grego tenha sido aplicado por um edito, presumindo-se que Marco Aurélio tenha usado o de ß B @ <>Estoicismo romano latino.
Depois de vários nomes ilustres, convivendo com os de expressão grega, termina o estoicismo romano absorvido pelo neoplatonismo, que teve em Roma o magistério pessoal de Plotino e Porfírio (escritores de língua grega) e logo também pelo neoplatonismo cristão.
Não é adequado tratar da filosofia romana em separado das escolas da filosofia em língua grega, senão para destacar os nomes daquelas que usaram a língua latina. Esta passará a ser usada sobretudo na Idade Média, porque então já não será tão conhecida no ocidente a língua grega.
Marcus Tullius Cícero (106-43 a.C.).
Político, escritor, filósofo romano, de expressão latina, nascido em Arpino. Atuou em Roma e em diferentes regiões do mundo romano. Havendo ganho no foro uma causa contra Sila, atraiu contra si a perseguição deste.
Para ver-se longe do ditador, foi passar dois anos em Atenas, onde estudou e absorveu a filosofia grega, da qual se tornou um tradutor para a língua latina.
Morto o ditador Sila, em 77 a.C., retornou a Roma. Foi questor em 76, na Sicília. Pretor em 66 e cônsul em 63. Denunciou a conspiração de Catilina contra a república. Ao tempo que é aliado de Pompeu, foi procônsul na Silícia, no Oriente. Reconciliado com César, mas assassinado este, e subindo Marco Antônio, quando foram sistematicamente sacrificados os oponentes deste, foi morto também Cícero, que teve as mãos e a cabeça decepadas.
Exerceu Cícero excepcional influência através de todos os tempos, dada a sua boa maneira de escrever e enunciar pensamentos. Não obstante, se ocupou da filosofia quase apenas adicionalmente, enquanto esta lhe prestava apoio nos seus debates e ideais de homem público. Ideologicamente, foi um eclético, com a característica principal de filósofo neo-acadêmico; isto significava um platônico com elementos céticos e estóicos.
Defendeu a existência de uma lei natural, interpretada como a razão divina a governar o mundo, este de acordo com a concepção estóica, isto é, de um monismo constituído de um logos a reger a matéria, como um todo monístico.
Obras:
sobraram cerca de 900 cartas; 58 discursos políticos ou orationes, sem contar 48 perdidos; diversos discursos forenses, mais de 10 obras filosóficas.
Escritos morais redigidos mais ou menos na seguinte sequência:
Da república (De republica, ano 54);
Sobre as leis (De legibus,52)
Sobre a consolação (De consolatione, 45);
Sobre os fins das boas e más ações (De finibus bonorum et malorum, 45);
Assuntos acadêmicos Academica (Academica, 45);
Disputas tusculanas (Tusculanae disputationes, 45-44),
Sobre a dor, a morte e a virtude;
Sobre a natureza dos deuses (De natura deorum, 44);
Catão o Velho, ou sobre a velhice (Cato maior, sive de senectute, 44);
Sobre a adivinhação (De divinatione, 44);
Da amizade (De amititia, 44);
Dos deveres (De officiis, 44)
Lucius Annaeus Sêneca (2-65 d.C.) é expressivo representante da filosofia romana de expressão latina. Nasceu em Córdoba, na então Espanha Romana, onde temporariamente estivera sua família de procedência itálica. Advogado e questor sob Calígula, a cuja tirania veio a se opor. Exilado por Cláudio para a Córsega, 41-49. Retornou sob influência de Agripina, para a função de preceptor de seu filho Domício, depois feito Imperador Nero.
Em 62 retirou-se da vida pública, quando se dedicou mais a escrever. Envolvido na conspiração de Piso, foi compelido a se dar o suicídio pela abertura das veias.
Filósofo estóico, dos mais representativos em língua latina, com uma sabedoria e independência de pensamento superior a de Cícero do século anterior. Pertenceu a um período em que sua escola já não se concentrava nos estudos da lógica e da física, mas nas questões morais, com um certo ecletismo e tendência humanizante.
Cuidou menos de uma visão global do mundo, e sim de uma atitude de vida, em que os termos derivam da ética, psicologia, educação, política. Influenciou a moral cristã.
A correspondência entre Sêneca e Paulo Apóstolo, apesar da aproximação entre o pensamento moral de um e outro, é contudo uma falsificação cristã do 4-o século.
Obras:
Citadas as vezes em grupos, outras vezes pelos títulos individuais dos opúsculos, destacam-se como filosóficas:
Livros de diálogos (Dialogorum libri), que reúne Da Providência (De providentia);
Da constância do sábio (De constantia sapientis);
Da ira (De ira);
Consolo à Márcia (Consolatio ad Martiam);
Da vida feliz (De vita beata);
Da brevidade da vida (De brevitate vitae);
Consolo a Políbio (Consolatio ad Polybium);
Consolação à mãe Hélvia (Consolatio ad Helviam matrem).
Seguem, com o mesmo caráter filosófico:
Da clemência (De clementia);
Dos favores (De benefitia);
Questões naturais (Naturales, quaestiones), em que o tema deriva também para a geografia, astronomia e meteorologia;
Cartas morais a Lucílio (Epistolae morales ad Lucilium).
Entre as obras perdidas se mencionam principalmente títulos filosóficos e científicos, e que de qualquer modo revelam a atividade de Sêneca:
Da forma do mundo (De forma mundi); Da geografia da Índia (De situs Indiae); Da geografia e coisas sagradas dos egípcios (De situ et sacris Aegyptiorum); de que restam fragmentos, quando citadas: Do movimento das terras (De motu terrarum); Da natureza das pedras (De lapidum natura); Da natureza dos peixes (De piscium natura); Moralis philosophiae libri (Livros de filosofia moral); De officiis (Dos deveres); Da morte prematura (De immatura morte); Exortações (Exhortationes); Da superstição (De superstitione); Do casamento (De matrimonio); Da amizade (De amicitia); Dos ... (De remediis fortuitorum ad Gallionem).
No campo da literatura, várias tragédias, algumas para leitura, contendo lições morais: Hércules furioso (Hercules furens); Troades, ou Hecuba; Phoenissae, ou Thebais; Medea; Phaedra, ou Hyppolytus; Oedipus; Agamemnon; Thyestes; Hercules Octaeus, e outros escritos.
Ainda é filósofo latino o poeta Lucrécio Caro (96 - 55 a.C.), nascido provavelmente la Luîania itálica. É o apreciado autor dos versos de Sobre a natureza das coisas (De rerum natura). Nele se propôs a tudo descrever na base da visão do atomismo e da moral naturalista de Epicuro, combinado com um pouco de estoicismo em moda, ao mesmo tempo que é típico do ecletismo da fase final do período helênico-romano.
A obra de Lucrécio Caro revela também a tendência romana de assimilar o pensamento grego.