A primeira vez que vi O Grito, do norueguês Edvard Munch, eu
achei horrível. Tive uma péssima impressão e imaginei se alguém teria coragem
de comprar e, em caso afirmativo, pendurar numa residência uma obra com um
aspecto tão infeliz.
Impressão pior eu tive do quadro Construção Mole com Feijões Cozidos, do pintor espanhol Salvador
Dalí.
Eu estava acostumada a um tipo de arte mais representativa do ideal de
beleza grego.
Nas poucas visitas que fiz aos museus europeus eu me deixava
enternecer diante daquelas obras gigantescas, perfeitas.
Não visitava outros
salões e estilos. Estava satisfeita. Não despertara, ainda, para o universo imenso
e diversificado que é o mundo da Arte. Agia como o peixinho que, por nunca ter
saído do lago, imaginava ser ele o centro do mundo. Eu não conhecia e,
portanto, não sabia “ler” os vários dialetos da alma.
Um dia eu estava fazendo
fisioterapia, com a janela aberta e de repente olhei para o céu muito azul com
nuvens brancas.
Relembrei meus anos antigos quando deitava na grama com minhas
irmãs e, juntas, ficávamos lendo o grande livro de desenho de Deus.
Comovida,
desviei os olhos para a floresta (moro próximo à mata atlântica) e, desta vez,
observei que o Desenhista das nuvens fazia desenhos na floresta e que estes eram
muitas vezes torcidos, de cores fortes, com traçados variados, tamanhos
distintos e alguns muito feios conviviam de maneira harmoniosa com outros muito
bonitos...
Naquele instante comecei a pensar no significado do feio e do belo, na
importância do diferente, e na minha ingenuidade pensei que essas diferenças na
natureza podiam sim refletir os diferentes momentos “psicológicos” do Criador.
Hoje, passados
muitos anos, me vejo escrevendo sobre o Expressionismo como uma arte que reflete
um momento especial da humanidade, seu estado psicológico e que, neste sentido,
algumas vezes se reveste de uma deselegante e chocante beleza.
Assim pensando, olho
novamente os quadros de Munch e Salvador Dalí e não sinto o mesmo impacto.
Consigo ler as cores fortes, as formas deformadas, contorcidas e desesperadas.
Consigo entender um pouco o sentimento que animou os artistas enquanto pintavam
suas dores, suas visões do mundo e suas maneiras de reagir aos fatos.
Nietzsche, que estudou
profundamente a cultura grega, fala que a arte se desenvolveu da dicotomia
entre os aspectos apolíneo e dionisíaco que permeavam o mundo cultural grego. Mas
o que significa isto? De maneira sucinta
e apressada eu diria que Apolo era a representação grega do ideal do Belo e
Dionísio, a representação da força da natureza em sua mais pungente forma.
Em O
Grito o artista deixa vir à tona essa força poderosa que irrompe
abruptamente de sua alma. Ele não tenta esconder a angústia sob máscaras, ao
contrário, revela-a em sua plenitude.
Os traços e cores fortes, as formas
deformadas podem sim ser vistos como o esforço que a natureza das coisas faz
para chegar à superfície, a vontade de se impor à vida, típico do caráter
dionisíaco.
O Grito é um pedido de
ajuda?
É um lancinante choro de
desesperança?
É um dialeto da revolta?
Para mim pode ser tudo isto, pois este
quadro, tanto quanto o quadro Construção
Mole com Feijões Cozidos, de Salvador Dalí, suscita em mim muito mais
perguntas do que apresenta respostas. Todavia,
do quadro de Dalí, a morte, parece-me, salta, deixando seu aspecto lúgubre
ressaltado pelo quase total monocronismo em que se expressa. Ao contrário do
que, na minha visão, ocorre na obra de Munch, a pulsão de vida freudiana esvaiu-se
da figura desguarnecida no quadro de Dali.