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terça-feira, 20 de janeiro de 2009

Parmênides, vida e obra.

Rosana Madjarof

Zenão floresceu cerca de 464/461 a.C. Nasceu em Eléia (Itália). Ao contrário de Heráclito, interveio na política, dando leis à sua pátria. Tendo conspirado contra a tirania e o tirano (Nearco?), acabou preso, torturado e, por não revelar o nome dos comparsas, perdeu a vida. - Escreveu várias obras em prosa: Discussões, Contra os Físicos, Sobre a Natureza, Explicação Crítica de Empédocles. - Considerado criador da dialética (entendida como argumentação combativa ou erística), Zenão erigiu-se em defensor de seu mestre, Parmênides, contra as críticas dos adversários, principalmente os pitagóricos. Defendeu o ser uno, contínuo e indivisível de Parmênides contra o ser múltiplo, descontínuo e divisível dos pitagóricos.
A característica de Zenão é a dialética. Ele é o mestre da Escola Eleática; nela seu puro pensamento torna-se o movimento do conceito em si mesmo, a alma pura da ciência - é o iniciador da dialética. Pois até agora só vimos nos eleatas a proposição: "O nada não possui realidade, não é, e aquilo que é surgir e desaparecer cai fora". Em Zenão, pelo contrário, também descobrimos tal afirmar e sobressumir daquilo que o contradiz, mas não o vemos, ao mesmo tempo, começar com esta afirmação; é a razão que realiza o começo - ela aponta, tranqüila em si mesma, naquilo que é afirmado como sendo sua destruição. Parmênides afirmou: "O universo é imutável, pois na mudança seria posto o não-ser daquilo que é; mas somente é ser, no 'não-ser é' se contradizem sujeito e predicado". Zenão, pelo contrário, diz: "Afirmai vossa mudança: nela enquanto mudança, é o nada para ela, ou ela não é nada". Nisto consistia o movimento determinado, pleno para aquela mudança; Zenão falou e voltou-se contra o movimento como tal ou puro movimento.
Também Zenão era um eleata; é o mais jovem e viveu particularmente em convívio com Parmênides. Este o amava muito e o adotou como filho. Seu pai verdadeiro chamava-se Teleutágoras. Em sua vida não apenas era algo de muito respeito em seu Estado, mas também em geral era célebre e muito respeitado como professor. Platão o lembra: de Atenas e de outros lugares vinham homens a ele para entregar-se à sua formação. Atribuiu-se-lhe orgulhosa auto-suficiência, pelo fato de (exceto sua viagem a Atenas) ter sua residência fixa em Eléia, negando-se a viver por mais tempo na grande e poderosa Atenas, para lá colher fama. Segundo muitas lendas, a fortaleza de sua alma tornou-se célebre pela sua morte. Ela teria salvo um Estado (não se sabe se sua pátria Eléia ou se Sicília) de seu tirano, sacrificando da seguinte maneira sua vida: Teria participado de uma conjuração para derrubar o tirano, tendo, porém, esta sido traída. Quando o tirano, diante de seu povo, o fez torturar de todos os modos, para arrancar-lhe a confissão dos nomes dos outros conjuradores, e ao perguntar pelos inimigos do Estado, Zenão delatou primeiro todos os amigos do tirano como participantes da conjuração, chamando então o tirano mesmo a peste do Estado. Dessa maneira, as poderosas admoestações ou também as torturas horríveis e a morte de Zenão ergueram os cidadãos e levantaram-lhes o ânimo, para caírem sobre o tirano, liquidá-lo e assim libertar-se. De modo violento e furioso de sua reação. Diz-se que ele se postou como se quisesse dizer ainda algo aos ouvidos do tirano, mordendo-lhe, no entanto, a orelha e cerrando os dentes até ter sido trucidado pelos outros. Outros narram que ele teria ferrado os dentes em seu nariz, segurando-o assim. Outros ainda dizem que, tendo suas respostas sido seguidas de enormes torturas, ele cortou a língua com os próprios dentes e a cuspiu no rosto do tirano, para lhe mostrar que dele nada arrancaria; depois disso teria sido triturado num pilão.
1) Segundo seu elemento tético, a filosofia de Zenão é, em seu conteúdo, inteiramente igual à que vimos em Xenófanes e Parmênides, apenas com esta diferença fundamental, que os momentos e as oposições são expressos mais como conceitos e pensamentos. Já em seu elemento tético vemos progresso; ele já está mais avançado no sobressumir das oposições e determinações.
"É impossível", diz ele, "que, quando algo é, surja" (ele relaciona isto com a divindade); "pois teria que surgir ou do igual ou do desigual. Ambas as coisas são, porém. impossíveis; pois não se pode atribuir, ao igual, que dele se produza mais do que deve ser produzido, Já que os iguais devem ter entre si as mesmas determinações." Com a aceitação da igualdade, desaparece a diferença entre o que produz e aquilo que é produzido. "Tampouco pode surgir o desigual do desigual; pois se do mais fraco se originasse o mais forte ou do menor o maior ou do pior o melhor, ou se, inversamente, o pior viesse do melhor, originar-se-ia o não-ser do ente, o que é impossível; portanto. Deus é eterno." Isto foi denominado panteísmo (spinozismo), que repousaria sobre a proposição ex nihilo nihil fit. Em Xenófanes e Parmênides tínhamos ser e nada. Do nada é imediatamente nada, do ser, ser; mas assim já é. Ser é a igualdade expressa como imediata; pelo contrário, igualdade como igualdade pressupõe o movimento do pensamento e a mediação, a reflexão em si. Ser e não-ser situam-se assim, lado a lado, sem que sua unidade seja concebida como a de diferentes; estes diferentes não são expressos como diferentes. Em Zenão a desigualdade é o outro membro em oposição a igualdade.
Em seguida, é demonstrada a unidade de Deus: "Se Deus é o mais poderoso de tudo, então Ihe é próprio que seja um; pois, na medida em que dele houvesse dois ou ainda mais, ele não teria poder sobre eles; mas enquanto Ihe faltasse o poder sobre os outros não seria Deus. Se, portanto, houvesse mais deuses, eles seriam mais poderosos e mais fracos um em face do outro; não seriam, por conseguinte, deuses; pois faz parte da natureza de Deus não ter acima de si nada mais poderoso; pois o igual não é nem pior nem melhor que o igual - ou não se distingue dele. Se, portanto, Deus é e se ele é de tal natureza, então só há um Deus; não seria capaz de tudo o que quisesse, se houvesse mais deuses".
"Sendo um, é em toda parte igual, ouve, vê e possui também, em toda parte, os outros sentimentos; pois, não fosse assim, as partes de Deus dominariam uma sobre a outra" (uma estaria onde a outra não está, reprimi-la-ia; uma parte teria determinações que faltariam às outras), "o que é impossível. Como Deus é em toda parte igual, possui ele a forma esférica; pois não é aqui assim, em outra parte de outro modo, mas em toda parte igual." Diz ainda: "Já que é eterno, um e esférico, ele nao é nem infinito (ilimitado) nem limitado. Pois, a) ilimitado é o não-ente; pois este não possui nem meio, nem começo, nem fim, nem uma parte - tal coisa é o ilimitado. Como, porém, é o não-ente, assim não é o ente. 0 ilimitado é o indeterminado, o negativo; seria o não-ente, a supressão do ser, e é assim, ele mesmo, determinado como algo unilateral. b) Dar-se-ia delimitação mútua, se houvesse diversos; mas. como é apenas um, ele não é limitado." Assim Zenão também mostra: "O um não se move, nem é imóvel. Pois imóvel é a) o não-ente" (no não-ente não se realiza nenhum movimento; com a falta de movimento estaria posto o não-ser ou o vazio; o imóvel é negativo; "pois para ele nenhuma outra coisa advém, nem vai para coisa alguma. b) Movido, porém, somente é o múltiplo; pois um dever-se-ia mover para o outro." Movido só é o que é diferente de outro; pressupõe-se uma multiplicidade de tempo, espaço. "O um, portanto, não está nem em repouso nem se movimenta; pois não se parece nem com o não-ente nem com o múltiplo. Em tudo isto, Deus se comporta assim; pois ele é eterno e um, idêntico a si mesmo e esférico nem ilimitado nem limitado, nem em repouso nem em movimento." Do fato de nada poder provir, quer do igual quer do desigual, Aristóteles conclui que, ou nada existe fora de Deus, ou tudo é eterno.
Vemos, em tal tipo de raciocínio, uma dialética que se pode denominar de raciocínio metafísico. 0 princípio da identidade Ihe serve de fundamento: "O nada é igual ao nada, não passa para o ser, nem vice-versa; do igual, portanto, nada pode provir". O ser, o um da Escola Eleática é apenas esta abstração, este afundar-se no abismo da identidade do entendimento. Este modo, o mais antigo, de argumentar é ainda, até o dia de hoje, válido, por exemplo, nas assim chamadas demonstrações da unidade de Deus. A isto vemos ligada uma outra espécie de raciocínio metafísico: são feitas pressuposições, por exemplo. o poder de Deus, raciocinando-se, a partir daí. negando-se predicados. Esta a maneira comum de nós raciocinarmos. No que se refere às determinações deve-se observar que elas, enquanto algo negativo, devem ser mantidas afastadas do ser positivo e apenas real.
Para ir a esta abstração fazemos um outro caminho, não utilizamos a dialética que usa a Escola Eleática; nosso caminho é trivial e mais óbvio. Nós dizemos que Deus é imutável, a mudança apenas se atribui às coisas finitas (isto como que sendo uma proposição empírica); de um lado temos, assim, as coisas finitas e a mudança; de outro lado, a imutabilidade nesta unidade abstrata e absoluta consigo mesma. É a mesma separação; só que nós deixamos valer como ser também o finito. o que os eleatas desprezaram. Ou também partimos das coisas finitas para as espécies, gêneros, e deixamos, passo a passo, o negativo de lado; e o gênero mais alto é então Deus, que, enquanto o ser supremo, é apenas afirmativamente, mas sem qualquer determinação. Ou passamos do finito para o infinito, dizendo que o finito, enquanto limitado, deve ter seu fundamento no infinito. Em todas estas formas que nos são bem familiares está contida a mesma dificuldade da questão que se levanta no que diz respeito ao pensamento eleático: De onde vem a determinação, como deve ela ser concebida, tanto no um mesmo, que deixa o finito de lado, como no modo como o infinito se manifesta no finito? Os eleatas distinguem-se, em seu pensamento, de nosso modo de refletir comum, pelo fato de terem posto mãos à obra de maneira especulativa - o especulativo tem lugar no fato de afirmarem que a mudança não é - e pelo fato de, desta maneira. terem mostrado que, assim como se pressupõe o ser, a mudança é em si contradição, algo incompreensível: pois do um, do ser, está afastada a determinação do negativo, da multiplicidade. Enquanto nós deixamos valer, em nossa representação, a realidade do mundo finito, os eleatas foram mais conseqüentes, avançando até a afirmação de que só o um é e de que o negativo não é - conseqüência que, ainda que deva ser por nós admirada, é, contudo, não menos, uma grande abstração
Particularmente digno de nota é o fato de que. em Zenão, já há a consciência mais alta de que uma determinação é negada de que esta negação mesma é novamente uma determinação, devendo então, na negação absoluta. não ser negada apenas uma determinação, mas ambas as negações que se opõem. Antes é negado o movimento e a essência absoluta aparece como em repouso; ou é negada enquanto finita. e então é puramente infinita. Isto, porém, também é determinação, também ela finita. Do mesmo modo, também o ser em oposição ao não-ser é uma determinação.
Sendo a essência absoluta posta como o um ou o ser, ela é posta através da negação; é determinada como o negativo e, assim, como o nada, e ao nada se atribuem os mesmos predicados que ao ser: o puro ser não é movimento, é o nada do movimento. Isto pressentiu Zenão; e, porque previu que o ser é o oposto do nada, assim negou ele do um o que deveria dizer-se do nada. Mas o mesmo deveria acontecer com o resto. 0 um é o mais poderoso e nisto determinado propriamente como o destruir absoluto; pois o poder é também o não-ser absoluto de um outro, o vazio. 0 um é igualmente o não dos muitos: tanto no nada como no um, a multiplicidade está sobressumida. Esta dialética mais alta encontramo-la em
Platão, em seu Parmênides. Aqui isto surge apenas referido a algumas determinações não com referência às determinações do um e do ser mesmo.
A consciência mais alta é a consciência sobre a nulidade do ser enquanto algo determinado em face do nada; isto se dá, parte em Heráclito e, então, nos sofistas; com isto não permanece verdade alguma, ser-em-si, mas apenas o ser para o outro é, ou seja, a certeza da consciência individual e a certeza como refutação - o lado negativo da dialética.
2) Já lembramos que também encontramos a verdadeira dialética objetiva igualmente em Zenão.
Zenão possui o aspecto importante de ser o descobridor da dialética: se não é ele propriamente, no que vimos, o descobridor da dialética em sua plenitude, ao menos é quem está em seu começo; pois ele nega predicados que se opõem. Portanto, Xenófanes, Parmênides, Zenão põem como fundamento a proposição: Nada é nada, o nada não é, ou o igual (como diz Melisso) é a essência; isto é, eles afirmam um dos predicados que se opõem, como a essência. Eles põem-no fixamente; onde encontram, numa determinação, o oposto, suprimem com isto essa determinação. Mas, assim, esta somente se suprime através de um outro, através de minha afirmação, através da distinção que faço de que um lado é o verdadeiro, o outro sem importância (nulo) (parte-se de uma determinada proposição); sua nulidade não aparece nela mesma, não de maneira que se suprima a si mesma, isto é, que contenha em si uma contradição. Como movimento: Verifiquei algo e vejo que é o nulo; demonstrei isto, segundo o pressuposto, no movimento; conclui-se, portanto, que ele é o nulo. Mas uma outra consciência não verifica aquilo; eu declaro isto como imediatamente verdadeiro; a outra consciência tem razão em afirmar uma outra: coisa como imediatamente verdadeira, por exemplo, o movimento. Como sempre é o caso quando um sistema filosófico refuta o outro, o primeiro sistema é posto como fundamento e a partir dele se entra em debate contra o outro. Assim a coisa é facilitada: "O outro sistema não possui verdade, porque não concorda com o meu"; mas o outro sistema tem o mesmo direito de dizer assim. Eu não devo demonstrar sua não-ver dade através de um outro, mas em si mesmo. De nada ajuda demonstrar meu sistema ou minha proposição e então concluir: portanto, o sistema que se opõe está errado; para esta proposição aquela sempre parecerá algo de estranho, algo exterior. O falso não deve ser apresentado corno falso porque o oposto é verdadeiro, mas em si mesmo.
Esta convicção racional vemos despertar em Zenão. No Parmênides de Platão (127-128), esta dialética é muito bem descrita. Platão fá-lo falar assim sobre isto: faz Sócrates dizer que Zenão afirma em seu escrito o mesmo que Parmênides, isto é, que tudo é um: mas que nos procura enganar com uma expressão, procurando dar a impressão de que está dizendo algo de novo. Sócrates diz que Parmênides afirma em seu poema que tudo é um: Zenão, pelo contrário, que o múltiplo não é. Zenão responde que escreveu isto, antes contra aqueles que procuram tornar ridícula (komodeiñ) a proposição de Parmênides, quando mostram quantas coisas ridículas e que contradições contra si mesmos resultam de suas afirmações. Diz que combateu aqueles que afirmam o ser do múltiplo, para demonstrar que disto resultariam muito mais coisas discordantes que da proposição de Parmênides.
Isto é a determinação mais exata da dialética objetiva. Nesta dialética não vemos afirmar-se o pensamento simples para si mesmo, mas, fortalecido, levar a guerra para território inimigo. Este lado possui a dialética na consciência de Zenão; mas ela deve ser considerada também de seu lado positivo. Conforme a representação corrente da ciência, em que proposições são resultado da demonstração, é a demonstração o movimento da convicção, ligação através de mediação. A dialética como tal é a) dialética exterior, este movimento distinto do compreender deste movimento; b) não é um movimento apenas de nossa intuição, mas a partir da coisa mesma, isto é, demonstrada para o puro conceito do conteúdo. Aquela dialética é uma mania de contemplar objetos, de neles apontar razões e aspectos, através dos quais se torna vacilante o que em geral vale como firme. Podem ser então razões bem exteriores. A outra dialética, porém, é a consideração imanente do objeto: ele é tomado para si, sem pressuposições, idéia, dever-ser, não segundo circunstâncias exteriores, leis, razões. A gente se põe inteiramente dentro da coisa, considera o objeto em si mesmo e o toma segundo as determinações que possui. Nesta consideração, ele se demonstra a si mesmo, mostra que possui determinações opostas, que se suprime (sobressume): esta dialética encontramos precipuamente junto aos antigos. A dialética subjetiva, que raciocina, baseando-se em razões exteriores, torna-se norma quando se concede: "No correto está o incorreto e no falso também o verdadeiro". A dialética verdadeira não deixa nada sobrando em seu objeto, de tal modo que apresentaria falhas apenas de um lado; mas ele se dissolve segundo sua natureza inteira. 0 resultado desta dialética é zero, o negativo; o afirmativo que nela se esconde ainda não aparece. A esta dialética verdadeira pode juntar-se o que os eleatas fizeram. Mas junto a eles ainda não vingou a determinação, a essência do com-preender; ficaram parados na idéia de que através da contradição o objeto se torna nulo.
A dialética da matéria de Zenão não foi até hoje ainda refutada; não se conseguiu ainda passar além dela e a questão fica esquecida no indeterminado. "Ele demonstra que, quando é o múltiplo, então é grande e pequeno: grande, assim o múltiplo é infinito, segundo a grandeza" (tò mégethos), deve-se ultrapassar a multiplicidade, enquanto limite indiferente, para passar para o infinito; o que é infinito não é mais grande, nem mais múltiplo; infinito é o negativo do múltiplo; "pequeno, de maneira que não tem mais grandeza", átomos, o não-ente. "Aqui mostra ele que o que não tem tamanho, nem espessura, nem massa (ónkos), também não é. Pois se fosse acrescentado a um outro não aumentaria a este; pois, se não tem tamanho e grandeza, nada poderia acrescentar ao tamanho do outro; assim o que foi acrescentado não é nada. O mesmo aconteceria ao ser retirado; o outro não seria por isso diminuído; não é, portanto, nada".
Os aspectos mais exatos desta dialética nos conservou
Aristóteles; o movimento foi tratado particularmente por Zenão, de maneira objetiva e dialética. Mas o caráter exaustivo que vemos no Parmênides de Platão não Ihe corresponde. Vemos desaparecer para a consciência de Zenão o simples pensamento imóvel para tornar-se ele mesmo movimento pensante; na medida em que combate o movimento sensível, ele o dá a si. O fato de a dialética ter tido atraída sua atenção primeiro para o movimento é a razão de a dialética mesma ser este movimento ou o movimento mesmo ser a dialética de todo ente. A coisa tem. enquanto se move, sua dialética mesma em si, e o movimento é: tornar-se outro, sobressumir-se. Aristóteles afirma que Zenão teria negado o movimento pelo fato de possuir contradição interna. Mas não se deve entender isto assim como se o movimento não fosse - como nós dizemos, não há elefantes, não há rinocerontes. Que o movimento existe, que ele é fenômeno, isto nem está em questão; o movimento possui certeza sensível, como existem elefantes. Neste sentido, Zenão nem teve a idéia de negar o movimento. Pelo contrário, seu questionar vai em busca de sua verdade; mas o movimento é não verdadeiro, pois ele é contradição. Com isto quer ele dizer que não se Ihe deveria atribuir verdadeiro ser. Zenão mostra então que a representação do movimento contém uma contradição e apresenta quatro modos de refutação do movimento. Os argumentos repousam sobre a infinita divisão do espaço e do tempo.
1) Primeira forma: Zenão diz que o movimento não tem verdade alguma, porque o movido deveria atingir primeiro a metade do espaço como sua meta. Aristóteles diz isto de maneira tão breve por ter tratado antes amplamente o objeto e tê-lo exposto detidamente. Isto deve ser compreendido de maneira mais universal; é pressuposta a continuidade do espaço. O que se move deve atingir uma determinada meta; este caminho é um todo. Para percorrer o todo, o que é movido deve antes ter percorrido a metade. Agora a meta é o fim desta metade. Mas esta metade é novamente um todo, este espaço possui assim uma metade; deve, portanto, ter atingido antes a metade desta metade, e assim até o infinito. Zenão toca aqui na divisibilidade infinita do espaço. Pelo fato de espaço e tempo serem absolutamente contínuos, nunca se pode parar com a divisão. Cada grandeza - e cada tempo e espaço sempre tem uma grandeza - é novamente divisível em duas metades; estas devem ser percorridas e, mesmo onde colocamos um espaço o menor possível, sempre surge este mesmo estado de coisas. O movimento que seria o percurso destes momentos infinitos nunca termina; portanto, o que é movido nunca atinge sua meta.
É conhecido como Diógenes de Sínope, o Cínico, refutou tais provas da contradição do movimento, de maneira muito simples; levantou-se em silêncio e caminhou de cá para lá - ele as refutou pela ação. Mas a estória é continuada também assim: a um aluno que se contentara com esta refutação, Diógenes o castigou pela simples razão de que, se o professor havia discutido com argumentos, ele só poderia deixar valer uma refutação também com argumentos. Da mesma maneira a gente não deve satisfazer-se com a certeza sensível; mas é preciso compreender.
Vemos aqui desenvolvido o infinito aparecer. primeiro em sua contradição - uma consciência dele. O movimento, o puro aparecer em si mesmo é o objeto e surge como um pensado, um posto segundo sua essência, a saber, (consideramos a forma dos momentos) em suas diferenças da pura igualdade consigo mesmo e da pura negatividade - do ponto contra a continuidade. Na nossa representação não parece contraditório que o ponto no espaço ou, do mesmo modo, o momento no tempo contínuo seja posto ou que seja afirmado o agora do tempo como uma continuidade, uma duração (dia, ano); mas seu conceito contradiz-se a si mesmo. A igualdade consigo mesmo, a continuidade é absoluta homogeneidade, é eliminação de toda diferença, de todo negativo, de todo ser para si; o ponto é, pelo contrário, o puro ser para si, o absoluto distinguir-se e a supressão de toda igualdade e homogeneidade com outro. Mas estes dois estão postos numa unidade, no espaço e no tempo, espaço e tempo, portanto, a contradição. O mais fácil é mostrá-la no movimento; pois, no movimento, o oposto é também posto para a representação. Pois o movimento e a essência, a realidade do tempo e do espaço; e, enquanto esta aparece, é posta, também é posto já o fenômeno da contradição. É para esta contradição que Zenão chama a atenção.
É a continuidade de um espaço, é o positivo que é posto; e nele o limite que o divide ao meio. Mas o limite que divide ao meio não é limite absoluto ou em si e para si, mas é algo limitado, é novamente continuidade. Mas esta continuidade também novamente nada é de absoluto, mas põe o oposto nela - limite que divide ao meio; mas com isto novamente não é posto o limite da continuidade, a metade ainda é continuidade e assim até o infinito. Até o infinito - com isto nos representamos um além, que não pode ser atingido, fora da representação que não pode atingi-lo. É um inacabado ultrapassar, mas presente no conceito - um passar além de uma determinação oposta para outra, de continuidade para negatividade, de negatividade para continuidade; elas estão diante de nós. Destes dois momentos pode, no processo, ser afirmado um deles como o essencial. Primeiro Zenão põe o progresso contínuo de maneira tal que não se atinge nada igual a si, um determinado - nenhum espaço limitado, portanto, continuidade; ou Zenão afirma o avanço neste limitar.
A resposta geral e a solução de Aristóteles é que espaço e tempo não são divididos infinitamente, mas apenas divisíveis. Parece, entretanto, que, enquanto são divisíveis (potentia, dynámei, não actu, energeía), também devem estar efetivamente divididos infinitamente; pois, de outro modo, não poderiam ser divididos ao infinito - uma resposta geral para a representação.
2) "O segundo argumento" (que também é pressuposição da continuidade e posição da divisão) chama-se "argumento de Aquiles", o homem dos pés velozes. Os antigos gostavam de vestir as dificuldades com representações sensíveis. De dois corpos que se movem numa direção, dos quais um está na frente e outro o segue numa determinada distância, movendo-se, porém, mais rapidamente que aquele, sabemos que o segundo alcançará o primeiro. Zenão, porém, diz: "O mais vagaroso nunca poderá ser alcançado nem mesmo pelo mais rápido"; e isto ele demonstra assim: o que segue necessita de uma determinada parte do tempo para "alcançar o lugar de onde partiu o que está em fuga", no começo desta determinada parte do tempo. Durante o tempo em que o segundo atingiu o ponto onde o primeiro se achava, este já avançou para mais longe, deixou atrás de si novo espaço que o segundo novamente deverá percorrer numa parte desta parte do tempo; e assim se vai até o infinito. B percorre numa hora duas milhas, A, no mesmo tempo, uma milha. Se estão separados entre si por duas milhas, então B chegou numa hora onde A estava no começo da hora. Mas o espaço (uma milha), vencido por A, será percorrido por B na metade de uma hora, e assim ao infinito. Desta maneira, o movimento mais rápido nada ajuda ao segundo corpo para percorrer o espaço intermediário que o separa do outro; o tempo de que necessita, também o mais vagaroso sempre tem à sua disposição, e "com isto ele já sempre conseguiu uma vantagem".
Aristóteles, que trata disto, diz brevemente sobre o mesmo: "Este argumento representa a mesma divisão infinita'' ou o infinito ser dividido através do movimento. "É algo não verdadeiro; pois o rápido, contudo, alcançará o vagaroso, se Ihe for permitido ultrapassar o limite, o limitado." A resposta é correta e contém tudo. Nesta representação são admitidos dois pontos de tempo e dois de espaço que estão separados entre si - isto é, são limitados, são limites um para o outro. Se, ao contrário, se admite que tempo e espaço são contínuos, de maneira tal que dois pontos do tempo ou dois pontos de espaço se relacionam entre si de maneira contínua, então eles são, igualmente, na medida em que são dois também não dois - são idênticos.
Zenão apenas faz valer o limite, a divisão, o momento da separação de espaço e tempo em sua total determinação; por isto surge a contradição. O que gera a dificuldade sempre é o pensamento, porque separa em sua distinção aqueles momentos de um objeto, na realidade unidos. 0 pensamento produziu a queda original, quando o homem comeu da árvore do conhecimento do bem e do mal; mas também ressarce este prejuízo. É uma dificuldade superar o pensamento e é somente ele que causa esta dificuldade.
3) "O terceiro argumento" tem a forma que Zenão descreve assim: "A flecha em vôo repousa", e isto porque "o que se move sempre está no mesmo agora" e no aqui igual a si mesmo, no "não-distinguível" (en tõ nyn, katà tò íson); ele está aqui, e aqui e aqui. Assim que dizemos que sempre é o mesmo; a isto, porém, não chamamos movimento, mas repouso: o que sempre está no aqui e agora, repousa. Ou deve-se dizer da flecha que sempre está no mesmo espaço e no mesmo tempo; não consegue ultrapassar seu espaço, não conquista um outro espaço, isto é, um espaço maior ou menor. Aqui o tornar-se outro foi sobressumido; o ser limitado é posto como tal, mas o limitar é, contudo, um momento. No aqui agora como tais, não há diferença. No espaço, um ponto é tão bem um aqui como o outro, isto aqui e isto aqui e mais um outro, etc.; e, contudo, o aqui é sempre o mesmo aqui; não são distintos entre si. A continuidade, a igualdade do aqui e afirmada aqui contra a opinião da diferença. Cada lugar é lugar diferente - portanto, o mesmo; a diferença é apenas aparente. Não é neste estado de coisas. mas no mundo do espirito que se manifesta a verdadeira e objetiva diferença.
Isto acontece também na mecânica: pergunta-se qual se move de dois corpos. Para determinar qual deles se move é preciso mais de dois lugares, ao menos três. Mas uma coisa é correta: o movimento é absolutamente relativo; se, no espaço absoluto, por exemplo, o olho repousa ou se move, é inteiramente o mesmo. Ou, conforme uma proposição de Newton: se dois corpos giram, em círculo, um em torno do outro, surge a pergunta se um repousa ou se ambos se movem. Newton quer decidir isto por uma circunstância exterior, os fios estendidos (tensio filorum). Se num navio caminho na direção oposta da direção em que se move o navio, o mover-me é movimento com relação ao navio, mas repouso com relação a outra coisa.
Nos dois primeiros argumentos a continuidade no avançar é o que predomina: não existe limite absoluto, nem espaço limitado, mas apenas continuidade absoluta, transgredir todos os limites. No argumento agora em questão é retido o aspecto inverso, a saber, o absoluto ser-limitado, a interrupção da continuidade, nenhuma passagem para outro. Sobre este terceiro argumento diz Aristóteles que ele se origina do fato de se aceitar que o tempo consiste de "agoras"; pois, se não se concede isto, não se pode tirar a conclusão a que Zenão chegou.
4) "O quarto argumento" e tomado de corpos iguais que se movem no estádio ao lado de um igual, com velocidade igual, um a partir do fim do estádio, o outro a partir do meio, um em direção do outro; disto se deveria concluir que a metade do tempo é igual ao dobro. O erro da conclusão consiste no fato de admitir que, no que se move e no que está em repouso, a coisa percorre uma mesma extensão em tempo igual, com velocidade igual; isto, porém, é falso.
Esta quarta forma diz respeito à contradição no movimento oposto. A oposição possui aqui uma outra forma: a) mas também novamente o universo, o comum, que deve ser atribuído inteiramente a cada parte, enquanto realiza para si apenas uma parte; b) é apenas posto como verdadeiro (como sendo) o que cada parte faz para si. Aqui a distância de um corpo é a soma do afastar se de ambos; é o que acontece quando caminho dois pés para o leste e outro, partindo do mesmo ponto, caminha dois pés para o oeste; assim estamos distantes um do outro quatro pés - aqui ambos devem ser somados; na distância de ambos, ambos são positivos. Ou avancei e retrocedi dois pés - no mesmo ponto; ainda que tenha andado quatro pés, não saí do ponto em que estava. 0 movimento é, portanto, nulo; pois pelo movimento de ir para frente e para trás há aqui coisas opostas que se suprimem.
Isto é então a dialética de Zenão. Ele captou as determinações que contém nossa representação do espaço e tempo; ele as tinha em sua consciência e nelas mostra o aspecto contraditório. As antinomias de Kant nada mais são do que aquilo que Zenão aqui já fizera.
O elemento universal da dialética, a proposição universal da escola eleática foi, portanto: "0 verdadeiro é apenas o um, todo o resto é não-verdadeiro"; como a filosofia kantiana chegou ao resultado: "Conhecemos apenas fenômenos". No todo é o mesmo princípio: "O conteúdo da consciência é apenas um fenômeno, nada verdadeiro"; mas nisto também reside uma diferença. Pois Zenão e os Eleatas afirmaram sua proposição com a seguinte significação: "O mundo sensível é em si mesmo apenas mundo fenomenal, com suas formas infinitamente diversas - este lado não possui verdade em si mesmo". Nào é, porém, isto que pensa Kant. Ele afirma: Voltando-se para o mundo, quando o pensamento se dirige para o mundo exterior (para o pensamento também o mundo dado no interior é algo exterior), voltando-se para ele, fazemos dele um fenômeno; é a atividade de nosso pensamento que atribui ao exterior tantas determinações: o sensível, determinações da reflexão, etc. Só nosso conhecimento é fenômeno, o mundo é em si absolutamente verdadeiro; só nossa aplicação, nosso acréscimo o arruína para nós; o que acrescentamos, nada vale. O mundo torna-se não-verdadeiro pelo fato de Ihe jogarmos em cima uma massa de determinações. Isto é então a grande diferença. Este conteúdo também é nulo em Zenão; mas, em Kant, porque é obra nossa. Em
Kant é o elemento espiritual que arruína o mundo; segundo Zenão, é o mundo, o que aparece em si que é não-verdadeiro. Segundo Kant, é nosso pensar, a atividade de nosso espírito o elemento mau - é uma enorme humildade do espírito não ter confiança no conhecimento. Na Bíblia diz Cristo: "Pois não sois melhores que os pardais?" Nós o somos enquanto pensamos - enquanto seres sensíveis, tão bons ou tão maus como os pardais. O sentido da dialética de Zenão possui maior objetividade que esta dialética moderna. A dialética de Zenão ainda se conteve nos limites da metafísica: mais tarde, com os sofistas, tornou se universal.

OBRAS UTILIZADAS
DURANT, Will, História da Filosofia - A Vida e as Idéias dos Grandes Filósofos, São Paulo, Editora Nacional, 1.ª edição, 1926.
FRANCA S. J., Padre Leonel, Noções de História da Filosofia.
PADOVANI, Umberto e CASTAGNOLA, Luís, História da Filosofia, Edições Melhoramentos, São Paulo, 10.ª edição, 1974.
VERGEZ, André e HUISMAN, Denis, História da Filosofia Ilustrada pelos Textos, Freitas Bastos, Rio de Janeiro, 4.ª edição, 1980.
Coleção Os Pensadores, Os Pré-socráticos, Abril Cultural, São Paulo, 1.ª edição, vol.I, agosto 1973.
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domingo, 11 de janeiro de 2009

Sadeness – Enigma.

A Cruz Caida - Salvador - BA.

Monumento de Mário Cravo em homenagem a antiga Catedral da Sé demolida em 1933 para a passagem de bondes para o terminal da Sé.
Fotografia de Carlos Alberto Monteiro Fernandes (2007).

Pico de Mirândola

PICO DE MIRÂNDOLA, Giovanni, Conte di Concordia.(nasceu em 24 de fevereiro de 1463, em Mirandola, ducado de Ferrara, Itália; falecido a 17 de Nov. de 1494, em Florença), intelectual e filósofo platônico cujo De hominis dignitate oratio, um trabalho característico do renascimento composto em 1486, refletia seu método sincrético de tomar os melhores elementos de outras filosofias e de combiná-los em seu próprio trabalho. Seu pai, Giovanni Francesco Pico, príncipe do pequeno território de Mirândola, providenciou a educação humanística, em casa, de seu filho precoce. Pico então estudou direito canônico em Bolonha e filosofia aristotélica em Pádua e visitou Paris e Florença, onde aprendeu hebreu, aramaico, e árabe. Em Florença encontrou-se com Marsílio Ficino, um proeminente filósofo platônico do Renascimento.


Apresentado à cabala hebréia, Pico tornou-se o primeiro intelectual cristão a usar a doutrina cabalística em apoio à teologia cristã. Em 1486, planejando defender 900 teses tinha buscado de diversos escritores gregos, hebreus, árabes, e latinos, convidou intelectuais de toda a Europa a Roma para um debate público. Para a ocasião compôs seu celebrado Oratio. Uma comissão papal, entretanto, denunciou 13 das teses como heréticas, e a assembléia foi proibida pelo papa Inocente VIII. Apesar de sua imediata Apologia para as teses, Pico achou prudente fugir para a França mas foi preso lá. Após um breve período de prisão, estabeleceu-se em Florença, onde se tornou associado com a Academia Platônica, sob a proteção do príncipe florentino Lorenzo de Medici. À exceção de curtas viagens a Ferrara, Pico passou o resto de sua vida lá. Ele foi absolvido da acusação de heresia pelo papa Alexander VI em 1492. Para o fim de sua vida ele sofreu a influência do radical ortodoxo Girolamo Savonarola, mártir e inimigo de Lorenzo.
O tratado inacabado de Pico contra os inimigos da igreja inclui uma discussão das deficiências da astrologia. Embora esta crítica fosse religiosa mais que científica em sua fundamentação, influenciou o astrônomo Johannes Kepler, cujos os estudos de movimentos planetários fundamenta a astronomia moderna. Os outros trabalhos de Pico incluem uma exposição do Gênesis sob o título Heptaplus (do grego hepta, "sete"), indicando seus sete pontos do argumento, e um tratamento sinóptico de Platão e Aristóteles, do qual o trabalho De ente et uno ("Do ser e da unidade") é uma parcela. Os trabalhos de Pico foram coletados primeiramente em Commentationes Joannis Pici Mirandulae (1495-96).
R.Q.CobraDoutor em Geologiae bacharel em Filosofia1997
Fonte: http://www.cobra.pages.nom.br/fm-mirandola.html

Itália esclarece morte de filósofo renascentista
Recentemente, pesquisadores italianos d Universidade de Boloha descobriram que ele morreu
envenenado com arsênico.
"Descobrimos que no corpo de Mirandola havia uma quantidade de arsênico superior ao que se encontra normalmente no organismo de uma pessoa. Isso nos levou a confirmar a morte por envenenamento", disse Giorgio Gruppioni, professor de antropologia da Universidade de Bolonha, coordenador da pesquisa, em entrevista à BBC Brasil.
A descoberta foi anunciada em Florença, cidade onde Mirandola viveu, na corte do poderoso príncipe Lorenzo de Médici.Alguns documentos históricos já levantavam a hipótese de que ele tenha sido assassinado. Agora, os cientistas confirmam esta versão e, com base no estudo detalhado da documentação existente, apontam até para o executor e o mandante do eventual crime.
"Um homem chegou a confessar ter assassinado Pico della Mirandola. É Cristoforo di Casalmaggiore, seu secretário", afirma o professor da Universidade de Bolonha.O mandante do crime teria sido o filho de Lorenzo de Médici, Piero, irritado porque Pico della Mirandola se aproximou demais do frei dominicano Girolamo Savonarola, que criticava abertamente o papa Alessandro 6 e pregava a expulsão dos Médici de Florença.
"Os Médici chegaram à conclusão de que, por causa da intimidade com Savonarola, Pico della Mirandola tivesse se tornado adversário político de Piero, filho de seu protetor, e do papa, que chegou a atenuar as acusações de heresia contra o fiósofo", explica Silvano Vinceti, diretor do comitê nacional para a valorização dos bens históricos e ambientais, que participou das pesquisas.Para realizar os estudos, que duraram 5 meses, os restos mortais de Mirandola
foram retirados da igreja de São Marcos em Florença, onde estavam enterrados.Com técnicas modernas, os estudiosos conseguiram descobrir detalhes sobre o aspecto físico do filosofo.
"Usamos a tomografia computadorizada e o carbono 14 para conhecer as características físicas, estatura, sexo, idade, estado de saúde, tipo de alimentação e a presença de eventuais substancias tóxicas", informou o professor Gruppioni.Eles descobriram que Pico della Mirandola, ao contrário da maioria dos homens de sua época, não era baixo, mas media cerca de 1,85m. Por meio do exame do esqueleto facial está sendo preparando um retrato, que vai ser divulgado no final de fevereiro.
Os pesquisadores examinaram também os restos do poeta Angelo Poliziano, grande amigo e, segundo algumas versões, amante de Pico, que teria morrido de sífilis dois meses depois do filósofo. Os resultados das análises comprovaram, no entanto, que Poliziano também foi envenenado com arsênico.Além de arsênico, os exames de laboratório detectaram a presença elevada de chumbo, que provavelmente teria sido usado na preparação do veneno.
As conclusões da pesquisa podem levar à correção de livros de história, mas a intenção da equipe è chamar a atenção para o personagem e divulgar a obra do autor de A dignidade do Homem, tido como o manifesto do Renascimento
segundo a avaliação do professor Gruppioni.
"Pico della Mirandola è provavelmente o maior filosofo italiano. Mas é conhecido principalmente por sua memória excepcional do que pela enorme produção literária e filosófica que realizou em apenas 30 anos de vida", disse Gruppioni.
Fonte: Samuel Camêlo http://historiandos.blogspot.com/2008_04_01_archive.html

domingo, 4 de janeiro de 2009


- A verdade que o que te vou narrar não é um conto de Alcínoo, mas de um homem valente, Er o Arménio, Panfílio de nascimento. Tendo ele morrido em combate, andavam a recolher, ao fim de dez dias, os mortos já putrefactos, quando o retiraram em bom estado de saúde. Levaram-no para casa para lhe dar sepultura, e, quando, ao décimo segundo dia, estava jazente sobre a pira, tornou à vida e narrou o que vira no além. Contava ele que, depois que saíra do corpo, a sua alma fizera caminho com muitas, e havia chegado a um lugar divino, no qual havia, na terra, duas aberturas contíguas uma à outra, e no céu, lá em cima, outras em frente a estas. No espaço entre elas, estavam sentados juízes que, depois de pronunciarem a sua sentença, mandavam os justos avançar para o caminho à direita, que subia para o céu, depois de lhes terem atado à frente a nota do seu julgamento; ao passo que, os injustos, prescreviam que tomassem à esquerda, e para baixo, levando também atrás a nota de tudo quanto haviam feito. Quando se aproximou, disseram-lhe que ele devia ser o mensageiro, junto dos homens, das coisas do além, e ordenaram-lhe que ouvisse e observasse tudo o que havia naquele lugar. Ora ele viu que ali, por cada uma das aberturas do céu e da terra, saíam as almas, depois de terem sido submetidas ao julgamento, ao passo que pelas restantes, por uma subiam as almas que vinham da terra, cheias de lixo e de pó, e por outra desciam as almas do céu, em estado de pureza. E as almas, à medida que chegavam, pareciam vir de uma longa travessia e regozijavam-se por irem para o prado acampar, como se fosse uma panegíria[1][1]; e as que se conheciam, cumprimentavam-se mutuamente, e as que vinham da terra faziam perguntas às outras, sobre o que se passava no além, e as que vinham do céu, sobre o que sucedia na terra. Umas, a gemer e a chorar, recordavam quantos e quais sofrimentos haviam suportado e visto na sua viagem por baixo da terra, viagem essa que durava mil anos, ao passo que outras, as que vinham do céu, contavam as suas deliciosas experiências e visões de uma beleza indescritível. Referir todos os pormenores seria, ó Gláucon, tarefa para muito tempo. Mas o essencial dizia ele que era o que segue. Fossem quais fossem as injustiças cometidas e as pessoas prejudicadas, pagavam a pena de tudo isso sucessivamente, dez vezes por cada uma, quer dizer, uma vez em cada cem anos, sendo esta a duração da vida humana – a fim de pagarem, decupilando-a, a pena do crime; por exemplo, quem fosse culpado da morte de muita gente, por ter traído Estados ou exércitos e os ter lançado na escravatura, ou por ser responsável por qualquer outro malefício, por cada um desses crimes suportava padecimentos a duplicar; e, inversamente, se tivesse praticado boas acções e tivesse sido justo e piedoso, recebia recompensas na mesma proporção. Sobre os que morreram logo a seguir ao nascimento e os que viveram pouco tempo, dava outras informações que não vale a pena lembrar. Em relação à impiedade ou piedade para com os deuses e para com os pais, e crimes de homicídio, dizia que os salários eram ainda maiores.
Contava ele, com efeito, que estivera junto de alguém a quem perguntaram onde estava Ardieu o Grande. Este Ardieu tinha sido tirano numa cidade da Panfília, havia já então mil anos; tinha assassinado o pai idoso e o irmão mais velho, e perpetrado muitas outras impiedades, segundo se dizia. E o interpelado respondera: “Não vem, nem poderá vir para aqui. Na verdade, um dos espectáculos terríveis que vimos foi o seguinte: Depois de nos termos aproximado da abertura, preparados para subir, e quando já tínhamos expiado todos os sofrimentos, avistámos de repente Ardieu e outros, que eram tiranos, na sua quase totalidade; mas também havia alguns que eram particulares que tinham cometido grandes crimes – que, quando julgavam que já iam subir, a abertura não os admitia, mas soltava um mugido cada vez que algum desses, assim incuráveis na sua maldade ou que não tinham expiado suficientemente a sua pena, tentava a ascensão. Estavam lá homens selvagens, que pareciam de fogo, e que, ao ouvirem o estrondo, agarravam alguns pelo meio e levavam-nos, mas, a Ardieu e outros, algemaram-lhes as mãos, pés e cabeça, derrubaram-nos e esfolaram-nos, arrastaram-nos pelo caminho fora, cardando-os em espinhos, e declaravam a todos, à medida que vinham, por que os tratavam assim, e que os levavam para os precipitar no Tártaro”. Então tinham tido terrores múltiplos e variados, mas o maior de todos era o de cada um deles ouvir o mugido, quando ia a subir, e foi com o maior gosto que cada um fez a ascensão ante o silêncio daquele. Eram mais ou menos estas as penas e castigos, e bem assim as vantagens que lhes correspondiam. Depois de cada um deles ter passado sete dias no prado, tinham de se erguer dali, e partir ao oitavo dia, para chegar, ao fim de mais quatro dias, a um lugar de onde se avistava, estendendo-se desde o alto através de todo o céu e terra, uma luz, direita com uma coluna, muito semelhante ao arco-íris, mas mais brilhante e mais pura. Cegaram lá, depois de terem feito um dia de caminho, e aí mesmo, viram, no meio da luz, pendentes do céu, as extremidades das suas cadeias (efectivamente essa luz é uma cadeia do céu, que tal como as cordagens das trirremes, segura o firmamento na sua revolução); dessas extremidades pendia o fuso da Necessidade, por cuja acção giravam as esferas. A respectiva haste e gancho eram de aço; o contrapeso, de uma mistura desse produto e de outros. Quanto à natureza do contrapeso, era como segue. A sua configuração era semelhante à dos daqui, mas, quanto à sua constituição, contava ele que devíamos imaginá-la da seguinte maneira: era como se, num grande contrapeso oco e completamente esvaziado, estivesse outro semelhante, maior, que coubesse exactamente dentro dele, como as caixas que se metem umas nas outras; do mesmo modo, um terceiro, um quarto, e mais quatro. Com efeito, eram oito ao todo, os contrapesos, encaixados uns nos outros, que, na parte superior, tinham o rebordo visível com outros tantos círculos, formando um plano contínuo de um só fuso em volta da haste. Esta atravessava pelo meio, de lés-a-lés, o oitavo. Ora o primeiro contrapeso, o exterior, era o que tinha o círculo de rebordo mais largo; o segundo lugar cabia ao sexto, o terceiro ao quarto, o quarto ao oitavo, o quinto ao sétimo, o sexto ao quinto, o sétimo ao terceiro, o oitavo ao segundo. O círculo do maior era cintilante, o do sétimo era o mais brilhante, o do oitavo tinha a cor do sétimo, que o iluminava, o do segundo e do quinto eram muito semelhantes entre si; um pouco mais amarelados do que aqueles, o terceiro era o que tinha a cor mais branca, o quarto era avermelhado, o sexto era o segundo em brancura
[2][2].O fuso inteiro girava sobre si na mesma direcção, mas, na rotação desse todo, os sete círculos interiores andavam à volta suavemente, em direcção oposta ao resto. Dentre estes, o que andava com maior velocidade era o oitavo; seguiam-se, ao mesmo tempo, o sétimo, o sexto, e o quinto; o quarto parecia-lhes ficar em terceiro lugar nesta revolução em sentido retrógrado, o terceiro em quarto, e o segundo em quinto. O fuso girava nos joelhos da Necessidade. No cimo de cada um dos círculos, andava uma Sereia que com ele girava, e que emitia um único som, uma única nota musical; e de todas elas, que eram oito, resultava um acorde de uma única escala[3][3]. Mais três mulheres estavam sentadas em círculo, a distâncias iguais, cada uma em seu trono, que eram as filhas da Necessidade, as Parcas[4][4], vestidas de branco, com grinaldas na cabeça – Láquesis, Cloto e Átropos – as quais estavam ao som da melodia das Sereias, Láquesis, o passado, Cloto, o presente, e Átropos o futuro. Cloto, tocando com a mão direita no fuso, ajudava a fazer girar o círculo exterior, de tempos a tempos; Átropos, com a mão esquerda, procedia do mesmo modo com os círculos interiores; e Láquesis tocava sucessivamente nuns e noutros com cada uma das mãos. Ora eles, assim que chegaram, tiveram logo que ir para junto de Láquesis. Primeiro, um profeta dispô-los por ordem. Seguidamente, pegou em lotes e modelos de vidas que estavam no colo de Láquesis, subiu a um estrado elevado e disse:
“Declaração da virgem Láquesis, filha da Necessidade. Almas efémeras, vai começar outro período portador da morte para a raça humana. Não é um génio
[5][5] que vos escolherá, mas vós que escolhereis o génio. O primeiro a quem a sorte couber, seja o primeiro a escolher uma vida a que ficará ligado pela necessidade. A virtude não tem senhor, cada um terá em maior ou menor grau, conforme a honrar ou desonrar. A responsabilidade é de quem escolhe. O deus é isento de culpa”.
Ditas estas palavras, atirou com os lotes para todos e cada um apanhou o que caiu perto de si, excepto Er, a quem isso não foi permitido. Ao apanhá-lo, tornaram-se evidentes para cada um a ordem que lhe cabia para escolher. Seguidamente, dispôs no solo, diante deles, os modelos de vida, em número muito mais levado, do que os dos presentes. Havia-os de todas as espécies, vida de todos os animais, e bem assim de todos os seres humanos. Entre elas, havia tiranias, umas duradoiras, outras derrubadas a meio, e que acabavam na pobreza, na fuga, na mendicidade. Havia também vidas de homens ilustres, umas pela forma, beleza, força e vigor, outras pela raça e virtudes dos antepassados; depois havia também as vidas obscuras, e do mesmo modo sucedia com as mulheres. Mas não continham as disposições do carácter, por ser forçoso que este mude, conforme a vida que escolhem. Tudo o mais estava misturado entre si e com a riqueza e a indigência, a doença e a saúde, e bem assim o meio termo entre estes predicados. É ai que está, segundo parece, meu caro Gláucon, o grande perigo para o homem, e por esse motivo se deve ter o máximo cuidado em que cada um de nós ponha de parte os outros estudos para investigar e se aplicar a isto, a ver se é capaz de saber e descobrir quem lhe dará a possibilidade e a ciência de distinguir uma vida honesta da que é má e de escolher sempre em toda a parte tanto quanto possível a melhor […]
Ora, então, anunciou o mensageiro do além, o profeta falou deste modo: “Mesmo para quem vier em último lugar, se escolher com inteligência e viver honestamente, espera-o uma vida apetecível, e não uma desgraçada. Nem o primeiro deixe de escolher com prudência
[6][6], nem o último com coragem”.
Ditas estas palavras, contava Er, aquele a quem coube a primeira sorte logo se precipitou para escolher a tirania maior, e, por insensatez e cobiça, arrebatou-a, sem ter examinado capazmente todas as consequências, antes lhe passou despercebido que o destino que lá estava fixado comportava comer os próprios filhos e outras desgraças. Mas, depois que a observou com vagar, batia no peito e lamentava a sua escolha, sem se ater às prescrições do profeta. Efectivamente, não era a si mesmo que se acusava da desgraça, mas à sorte e às divindades, e a tudo, mais do que a si mesmo. Ora, esse era um dos que vinham, do céu, e vivera, na incarnação anterior, num Estado bem governado; a sua participação na virtude devia-se ao hábito, não à filosofia. Pode-se dizer que não eram menos numerosos os que vindos do céu, se deixavam apanhar em tais situações, devido à sua falta de treino nos sofrimentos. Ao passo que os que vinham da terra, na sua maioria, como tinham sofrido pessoalmente e visto os outros sofrer, não faziam a sua escolha à pressa. Por tal motivo, e também devido à sorte da escolha, o que mais acontecia às almas era fazerem a permuta entre males e bens. […]
Era digno de se ver este espectáculo, contava ele, como cada uma das almas escolhia a sua vida. Era, realmente, merecedor de piedade, mas também ridículo e surpreendente. Com efeito, a maior parte fazia a sua opção de acordo com os hábitos da vida anterior. Dizia ele que vira a alma que outrora pertencera a Orfeu escolher uma vida de cisne, por ódio à raça das mulheres, porque, devido a ter sofrido a morte às mãos delas, não queria nascer de uma mulher; vira a de Tamiras
[7][7] escolher uma vida de rouxinol; vira também um cisne preferir uma vida humana, e outros animais músicos procederem do mesmo modo. [..]
Assim que todas as almas escolheram as suas vidas avançaram, pela ordem da sorte que lhes coubera, para junto de Láquesis. Esta mandava a cada uma o génio que preferira para guardar a sua vida e fazer cumprir o que escolhera. O génio conduzia-a primeiro a Cloto, punha-a por baixo da mão dela e do turbilhão do fuso a girar, para ratificar o destino que, depois da tiragem à sorte, escolhera. Depois de tocar no fuso, conduzia-a a novamente à trama de Átropos, que tornava irreversível o que fora fiado. Desse lugar, sem se poder voltar para trás, dirigia-se para o trono da Necessidade, passando para o outro lado. Quando as restantes passaram, todas se encaminharam para a planura do Letes
[8][8], através de um calor e uma sufocação terríveis.
De facto, ela era despida de árvores e de plantas. Quando já entardecia, acamparam junto do Rio Ameles
[9][9], cuja água nenhum vaso pode conservar. Todas são forçadas a beber uma certa quantidade dessa água, mas aquelas a quem a reflexão não salvaguarda bebem mais do que a medida. Enquanto se bebe, esquece-se tudo. Depois que se foram deitar e deu a meia-noite, houve um trovão e um tremor de terra. De repente, as almas partiram dali, cada uma para seu lado, para o alto, a fim de nascerem, cintilando como estrelas. Er, porém, foi impedido de beber. Não sabia, contudo, por que caminho nem de que maneira alcançara o corpo, mas, erguendo os olhos de súbito, viu, de manhã cedo, que jazia na pira.
Foi assim, ó Gláucon, que a história se salvou e não pereceu.»


Fonte: http://rotasfilosoficas.blogs.sapo.pt/970.html.


[1][1] Nome genérico para os festivais religiosos dos gregos. A palavra significa etimologicamente «reunião geral».
[2][2] Seguindo a interpretação de Conford, o círculo exterior é o das estrelas fixas; o sexto, o de Vénus; o quarto, de Marte; o oitavo, da Lua; o sétimo, do Sol; o quinto, de Mercúrio; o terceiro, de Júpiter; o segundo, de Saturno. Quando se diz que”o oitavo tinha a cor do sétimo, que o iluminava”, está-se a explicar a origem do luar, que, aliás, já fora compreendida por Xenófanes, Parménides, Empédocles e Anaxágoras.
[3][3] É a famosa «harmonia das esferas».
[4][4] Em grego, as Moirai; nos poemas homéricos, a Moirai representa, para cada um, o seu destino fixo, inamovível.
[5][5] No original encontramos a palavra daimon, que a partir de Hesíodo pode designar um ser intermédio entre deuses e homens. A ideia do daimon como uma espécie de «anjo da guarda» está aqui presente, mas à uma tentativa de fuga ao fatalismo implícito na crença popular grega.
[6][6] Inicialmente, em Platão a phronesis tem um significado prático e ético, mas as sua preocupações mais metafísicas levam-na para a contemplação dos eide (ideias).
[7][7] Tamiras era um poeta e cantor trácio, que por ter querido rivalizar com as Musas, foi por elas privado de visão.
[8][8] Palavra grega que significa «esquecimento».
[9][9] O nome do rio quer dizer «sem cuidados».

sábado, 27 de dezembro de 2008

O Amor em Roma.

Ivone da Silva Rebello

Em Roma, os antigos romanos consideravam o amor como uma loucura ou um delírio passageiro. A paixão amorosa era uma doença. Isto porque a paixão alienava a vontade própria e tornava o ser apaixonado dependente de outra pessoa. Sob o domínio da paixão, o homem perde seu poder, escraviza-se e aliena-se.
Confiava-se à mulher (matrona) a responsabilidade da fecundidade, pois a mesma encarnava os ideais de segurança, estabilidade, permanência e perpetuação da raça, além de gozar na domus uma veneração tal qual à dedicada publicamente a Vênus.
As Matronalia, celebração das mulheres casadas, e a Bona Dea remetem-nos aos ritos de fecundidade da Roma antiga. Estamos diante de uma sociedade viril, em que o caráter religioso da fecundidade está baseado na união mulher e homem. O amor conjugal é visto essencialmente numa perspectiva do "amor fecundo", ou seja, o homem ao desposar uma mulher vai naturalmente torná-la mãe. Daí haver uma preocupação, por parte do homem romano, de proteger as suas esposas das paixões ou outras forças maléficas que pudessem comprometer a estabilidade amorosa.
O amor, como sentimento fundado no desejo carnal, foi uma situação social menosprezada pelos costumes romanos.
A relação conjugal estava baseada na fides do matrimonium, ou seja, na lealdade da mulher ao marido, já que este podia lançar mão das cortesãs, instrumentos do prazer, cuja feminilidade, em princípio, fora profanada.
A partir dos meados do século II a.C., com a influência do helenismo e a evolução dos costumes sociais romanos, vinculados ao enfraquecimento da patria potestas, a relação afetiva entre homem e mulher foi se libertando dos tabus e imposições tradicionais, levando a mulher a uma emancipação progressiva na vida social.
No entanto, a conquista da dignidade da mulher conduziu os romanos ao reconhecimento consciente do verdadeiro amor conjugal e ao depuramento do verdadeiro sentido do amor como fonte de vida espiritual, graças à ascese cristã.
Assim, no tempo de Adriano (117-138 d.C.), as núpcias não eram mais realizadas pelo constrangimento, ou seja, com a intenção de aproximar as gens, ou como nos finais da república, por interesses políticos ou econômicos, mas sim, com o consentimento dos noivos. Nesse contexto, o amor paternal ganha novas dimensões, pois até Cícero já apontara a família como a comunidade natural mais apropriada para proporcionar a benevolência recíproca e a caridade (cf. De Officis I, 17, 54).
A partir dos finais da República, a proliferação do divórcio antecipa a problemática do casamento e do amor conjugal.
Dentro desse contexto social, Catulo é o verdadeiro protótipo do jovem aristocrata provinciano, que chega à urbe e se enamora por uma mulher pertencente a outrem. E, o nascimento desta paixão faz com que o poeta se torne um "escravo" da amante que irá nortear e dar vida a toda sua obra.
Catulo foi um dos poetas latinos que mais cultivou a amizade, ao lado do amor, sendo estes temas de inspiração artística, desenvolvidos conforme a tradição grega: amizades vivas, porém acidentadas por rivalidades e traições.
Dos 116 poemas do Liber, 68 referem-se a amizades e inimizades de personagens do relacionamento do poeta. Um dos seus confidentes foi Cornifício, ao qual Catulo lhe expressa a dor que perpassa a sua alma devido às infidelidades de sua amada Lésbia e chega a lhe pedir uma palavra de consolo. Já Alfeno Varo é um dos seus falsos amigos, pois lhe rouba a amada.

Malest, Cornifici, tuo Catullo,
malest, me hercule, est laboriose,
et magis magis in dies et horas,
quem tu, quod minimum facillimumque est,
qua solatus est allocutione?
Irascor tibi. Sic meos amores?
Paulum quid lubet allocutionis,
maestius lacrimis Somonideis.
(c.38)
Vai mal, Cornifício, o teu Catulo,
vai mal e - por Hércules -, padece demais, muito
mais, a cada dia, a cada hora.
E tu - se era nuga, se era nada -
que consolo deste, que palavras?
Sinto ódio. Assim, és meus amores?
Só poucas palavras, certas, mais
tristes que o lamento de Simônides.
Varus me meus ad suos amores
uisum duxerat e foro otiosum.
(c.10, 1-2)
Varo, para que eu visse seus amores,
de meu ócio no fórum me levou.



As inimizades de Catulo tiveram motivações diversas: quer por ter sido vencido na competição amorosa, quer por rivalidade poética, quer pelo menosprezo com que os seus contemporâneos olharam a sua produção literária.




Retirdo de: "Lésbia: a inspiração romântica de Catulo. Catulo: sua vida, sua obra ".
http://www.filologia.org.br/viicnlf/anais/caderno12-16.html

Vênus, de Bouguereau, óleo sobre tela.


quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

O que é um Problema Filosófico?

Apologia de Sócrates - Resenha do livro de Platão.


Pois é, não é de hoje que vivemos mergulhados em dúvidas e incertezas. Bem lá atrás, antes de Cristo (exemplo de julgamento histórico), o homem já se dispunha a pensar a possibilidade do julgamento ao próximo, já havia a chama do fervor à justiça e ao suposto poder de condenar à persona non grata.
Pensando neste assunto, ao ler matéria em jornal, sobre detentos que já poderiam estar em liberdade tentando se reabilitar, mas que pela justiça morosa, apodrecem em celas como ratos, devaneios vieram povoar minha cabeça nesta manhã.
Bom, mas este é assunto contemporâneo, “todo-mundo-sabe-que-todo-mundo-sabe”. Então, numa vã expectativa de tentar entender um pouco mais a nós mesmos, seres humanos, me remeti à Sócrates e senti que falando de seu julgamento, eu poderia, ao menos, dividir com vocês minha aflição frente a tantas verdades confusas, tantos erros sociais, e tantas injustiças.
Quando Começou
Há 399 a.C., Sócrates, diante do tribunal popular, é acusado pelo poeta Meleto, pelo rico curtidor de peles, influente orador e político Ânito, e por Lícon, personagem de pouca importância.
A Acusação
A acusação era grave: não reconhecer os deuses do Estado, introduzir novas divindades e corromper a juventude. O relato do julgamento feito por Platão (428-348 a.C.), a Apologia de Sócrates , é geralmente tido como bastante fiel aos fatos. É dividido em três partes. Na primeira, Sócrates examina e refuta as acusações que pairam sobre ele, retratando sua própria vida, procurando mostrar o verdadeiro significado de sua “missão”. Dirige aos homens palavras que contestam o enriquecimento sem virtude, afirmando que a riqueza deverá vir através da virtude.
Noutro momento de sua defesa, Sócrates dialoga com um de seus acusadores, deixando-o bem embaraçado quanto ao significado da acusação “corromper a juventude”. Demonstra que está sendo acusado por Meleto de algo que este mesmo não sabe ao certo o que significa.
Em nenhum momento de sua defesa - segundo o relato platônico - Sócrates apela para a bajulação ou tenta captar a misericórdia daqueles que o julgavam - linguagem de quem fala em nome da própria consciência e não reconhece em si mesmo nenhuma culpa.
“Parece-me não ser justo rogar ao juiz e fazer-se absolver por meio de súplicas; é preciso esclarecê-lo e convencê-lo.”
Talvez justamente por essas manifestações de altaneira independência de espírito, Sócrates foi condenado.
Como era de praxe, após o veredicto da condenação, Sócrates foi convidado a fixar sua pena.
Mas Sócrates, ignorando qualquer sugestão de pena mínima ou mesmo multas, se deixa condenar a morte.
Segunda parte da Apologia
“Ora, o homem (Meleto) propõe a sentença de morte… Que sentença corporal ou pecuniária mereço, eu que entendi de não levar uma vida quieta? Eu que negligenciei riquezas, negócios, postos militares, tribunas e funções públicas, conchavos e lutas que ocorrem na política…”
Então Sócrates não deixa saída para os juízes. Ou a pena de morte, pedida por Meleto, ou ser alimentado no Pritaneu, enquanto fosse vivo, como herói ou benemérito da cidade.
O Que Significa Morrer?
Essa é a terceira parte da Apologia que pretende ser a transcrição das últimas palavas de Sócrates dirigidas aos que o condenaram. Diz, gemendo e lamentando-se:
Não foi por falta de discursos que fui condenado, mas por falta de audácia e porque não quis que ouvísseis o que para vós teria sido mais agradável, coisas que considero indignas de mim, coisas que estás habituados a escutar de outros acusados.
Nesta altura, Sócrates começa a fazer comparações com a morte:
[...] Mais difícil que evitar a morte, é evitar o mal [...]
[...] A morte pode ser uma dessas duas coisas: “Ou aquele que morre é reduzido ao nada, e não tem mais qualquer consciência, ou então, conforme ao que diz, a morte é uma mudança, uma transmigração da alma do lugar onde nos encontramos para outro. Se a morte é a extinção de todo sentimento, assemelha-se a um desses sonos nos quais nada se vê, mesmo em sonho, então morrer é um ganho maravilhoso [...]”
[...] “Mas eis a hora de partimos, eu para a morte, vós para a vida. Quem de nós segue o melhor rumo, ninguém o sabe, exceto o deus.”
Mas o querido Sócrates teve de esperar trinta dias para sua execução, pois a cidade estaria em festa pela chegada de Teseu que vencera o Minotauro.
No livro Fédon, Platão descreve as conversações que, durante os dias de espera na prisão, Sócrates mantivera com seus discípulos e amigos.
Amigos lhe imploram que fuja em vésperas de sua execução, no que Sócrates responde:
“A única coisa que importa é viver honestamente, sem cometer injustiças, nem mesmo em retribuição a uma injustiça recebida.”
Que tal se nosso legislativo (todo político), tivesse como obrigação, ler e discutir “A Apologia de Sócrates”? Possivelmente eu não teria acordado hoje com pena dos encarcerados e injustiçados.

domingo, 14 de dezembro de 2008

Fotografia: Amor.

Duvida da luz dos astros,
De que o sol tenha calor,
Duvida até da verdade,
Mas confia em meu amor.
(W.Shakespeare)

Técnica para resumos de textos.

Tenho notado nos alunos universitários uma dificuldade incrível em sintetizar idéias, isto é, em fazer resumos. O fato é que esse tipo de atividade raramente é explicada na escola, quando muito solicitada, por isso os alunos chegam à faculdade sem a menor idéia sobre como extrair as idéias principais de um texto.
Antes de mais nada, vale dizer que um resumo nada mais é do que um texto reduzido às suas idéias principais, sem a presença de comentários ou julgamentos. Um resumo não é uma crítica, assim como a resenha o é; o objetivo do resumo é informar sobre o que é mais importante em determinado texto.
Para Platão e Fiorin (1995), resumir um texto significa condensá-lo à sua estrutura essencial sem perder de vista três elementos:
1. as partes essenciais do texto;
2.a progressão em que elas aparecem no texto;
3.a correlação entre cada uma das partes.
Se o texto que estamos resumindo for do tipo narrativo, devemos prestar atenção aos elementos de causa e sequências de tempo; se for descritivo, nos aspectos visuais e espaciais; caso o texto for dissertativo, é bom cuidar da organização e construção das idéias.
Existem, segundo van Dijk & Kintsch (apud FONTANA, 1995, p.89), basicamente 3 técnicas que podem ser úteis ao escrevermos uma síntese. São elas o apagamento, a generalização e a construção.
Apagamento
Como no nome já diz, o apagamento consiste em apagar, em cortar as partes que são desnecessárias. Geralmente essas partes são os adjetivos e os advérbios, ou frases equivalentes a eles. Vamos ver um exemplo.
O velho jardineiro trabalhava muito bem. Ele arrumava muitos jardins diariamente.
Sendo essa a frase a ser resumida através do apagamento, poderia ficar assim:
O jardineiro trabalhava bem.
Cortamos os adjetivo “velho” e o advérbio “muito” na primeira frase e eliminamos a segunda. Ora, se o jardineiro trabalhava bem, é porque arrumava jardins; a segunda informação é redundante.
Generalização
A generalização é uma estratégia que consiste em reduzir os elementos da frase através do critério semântico, ou seja, do significado. Exemplo:
Pedro comeu picanha, costela, alcatra e coração no almoço.
As palavras em destaque são carnes. Então, o resumo da frase fica:
Pedro comeu carne no almoço.
Construção
A técnica da construção consiste em substituir uma sequência de fatos ou proposições por uma única, que possa ser presumida a partir delas, também baseando-se no significado. Exemplo:
Maria comprou farinha, ovos e leite. Foi para casa, ligou a batedeira, misturou os ingredientes e colocou-os no forno.
Todas essas ações praticadas por Maria nos remetem a uma síntese:
Maria fez um bolo.
Além dessas três, ainda existe uma quarta dica que pode ajudar muito a resumir um texto. É a técnica de sublinhar.
Enquanto você estiver lendo o texto, sublinhe as palavras ou frases que fazem mais sentido, que expressam idéias que tenham mais importância. Depois, junte seus sublinhados, formando um texto a partir deles e aplique as três primeiras técnicas.

Fontes:Prática Textual: atividades de leitura e escrita / Vanilda Salton Köche, Odete Benetti Boff, Cinara Ferreira Pavani. — Petrópolis, RJ: Vozes, 2006.
Estratégias Eficazes para resumir. Chronos - Produção de textos científicos no ensino da língua portuguesa / Niura Maria Fontana. — Caxias do Sul: UCS, n.1, p.84-98, 1995.
Texto retirado de: http://www.lendo.org/como-fazer-um-resumo/

Dio como ti amo – Gigliola Cinquetti.

Pietá - Michelangelo.


terça-feira, 9 de dezembro de 2008

The Sleeping Beauty- Royal Opera House

Povo Brasileiro.

Suely Monteiro
O povo brasileiro com sua graça e muita simpatia, se espalha por todos os lugares, deixando por onde passa a marca registrada de sua regionalidade, confundindo os turistas, marcando espaço nas praças internacionais, e acionando mulheres e homens do mundo para que venham, todos, curtir os brasis do Brasil.
É fácil ser seduzido pelo brasileiro carregado de espontaneidade e leveza , principalmente, quando ele deixa "rolar um sentimento" que enrola, as belas e os belos desprevenidos da força de seu poder...
Suas façanhas foram contadas em prosa e verso e, desde as velhas eras, marcam com humor, presença na relação pitoresca de quebra de protocolos, na lista dos que sabem enganar a dor e continuar sorrindo, nas grandes procissões em busca de prazer e, na seriedade dos cultos aos domingos.
O brasileiro sabe levar a vida deixando a vida levá-lo para os cantos onde o sonho, em imagens
marcantes o espera para embriagá-lo em suas proezas difusas...
Ah brasileiro, quando você tomará juizo se é necessário mesmo ter juizo!
Você, meu povo amável, gentil, que faz do seu dia-a-dia um poema de beleza tão rara que comove mesmo àqueles que não estão nem aí pra poesia, me prende o coração e a mente e me enternece com a capacidade de transformar tudo em arte.
Brasileiro, você é o maior tesouro que o solo americano desvelou!!!
Fotografia: Flor de Pequi.

OBRA DE ARTE

OBRA DE ARTE
Amores na bela Capital Catarinense.