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segunda-feira, 4 de junho de 2012



                  EURÍPEDES E SOPHIA

                Suely Monteiro

                  A jovem entra na biblioteca e, aleatoriamente, toma um livro e se dirige com ele, a uma mesa. Só então lê o título: Genealogia da Moral, de F. Nietzsche. Abre-o ao acaso. Começa a ler e aprisionada pelo tema, não se dá conta da passagem do tempo. Avança, concentrada pelas páginas, acompanhando o autor em suas investigações a respeito dos valores morais e suas mudanças ao longo da história...
               Nietzsche faz duras críticas ao ascetismo,  que propugnava a renúncia ao prazer como forma de alcançar a elevação espiritual.  Resguarda-se de todos os Antigos  e acusa Platão de ser  é o maior inimigo da arte que a Europa jamais produziu. Para ele a arte é condição da natureza humana. É  através dela que o homem supera o niilismo.  A razão não é um guia seguro para o homem se orientar na sua busca de conhecimento, porque de alguma forma ela o obriga a seguir normas que não são de sua vontade e sem liberdade ele se torna  apenas um escravo.
            Mas, -  ela se perguntava internamente -   não estaria Nietzsche sendo imparcial e apressado no seu julgamento? A imagem que tinha de Platão não se ajustava muito à descrição, todavia, não tinha conhecimentos profundos e se sentia pouco à vontade em discordar do grande pensador moderno, ainda que no silêncio de sua alma.
           Ah! - suspirou sonhadora - como seria bom voltar no tempo, percorrer as  ruas de Atenas, conversar com o antigo pensador, ouvir-lhe suas razões e, de lá, depois de atendidos os seus objetivos em relação a ele,  tomar um avião  diretamente até a Alemanha moderna e, aí sim, dialogar com Nietzsche... 
             Mal havia terminado de formular seu desejo e aterrissou ao seu lado um jovem descontraído, e bastante atrevido, diga-se de passagem. Ele interrompe suas reflexões e a convida para um café.  Sem esperar resposta,  toma o livro de sua mão. Coloca-o de lado depois de ler o título  e sai arrastando-a para o barzinho da biblioteca,  saltitante  e falante como um personagem do ditirambo. Conta que a observava desde a hora que entrou na livraria e  que não resistiu à tentação de se aproximar, que não o interpretasse mal.
             Quase cantando anuncia-se como Eurípedes, poeta e estudante de Filosofia.  Fala-lhe sobre Nietzsche, empolgado, descrevendo-lhe, sucintamente sua obra.
          Mais tranquila, ela  o provoca com prazer: 
          - Ele tem uma rixa danada contra Platão!.
         Relaxe, não é só contra ele, não! Nietzsche era um inquieto e comprou briga, com Sócrates, Platão e até com o Cristianismo!
        No Nascimento da Tragédia, ele deixa bem claro, sua interpretação da cultura grega e o seu posicionamento em relação à Filosofia e o Cristianismo.
       Você conhece os dois grandes deuses, Apolo e Dionísio?
       - Sim, claro! -  ela respondeu.  Dionísio é o deus do êxtase, da música.
         Segundo Nietzsche, o homem dionisíaco tinha um modo de ser carregado de sentimento que se coadunava muito mais com a imagem da vida, da saúde e da juventude.
        O  homem apolíneo, ao contrário, lembra muito a escultura de Apolo: Belo, harmonioso, mas também, muito isolado. Através da consciência ele se determina um papel moderado e racional.  Mas, o mais instigante nisso , minha querida, é que apesar de todas essas diferenças, eles não se excluíam. Conviviam em harmonia formando dois lados de uma mesma face que se complementavam e davam força à tragédia grega, antes da Filosofia se imiscuir na relação, causar a ruptura entre eles e estragar tudo...
       Quer ver outra coisa?
       A cidade idealizada por Platão fechou as portas aos poetas, e você sabe por quê?
      - Por que Platão não gosta deles?
       Porque para Platão, a arte, do ponto de vista ontológico é uma mimese, ou seja, uma imitação de realidades sensíveis. Ora, se o sensível, para ele, é cópia do mundo inteligível, podemos concluir que a arte é cópia da cópia. E com a poesia não diferente, pois a poesia é arte. É uma cópia da cópia e, por isso se afasta do verdadeiro. Este afastamento pode conduzir ao engano, os educandos que dela  fizer uso, através dos poetas. E na cidade justa..
        Mas - ela o interrompeu, fazendo cara de muito inteligente e tentando ficar em cima do muro entre Platão e Nietzsche até poder se definir -, você não acha que a obra de Platão é mimética e que, a considerar esse seu raciocínio, ele estaria fazendo o mesmo que critica no outro, por exemplo, em Homero?
       - De fato, esta é uma questão controversa.  Mas eu penso, e conheço outras pessoas que pensam como eu, que a condenação de Platão a Homero integra o seu projeto de restabelecer, na sua cidade, uma Paidéia autêntica e politicamente justa.  A sua ideia era recuperar os valores preconizados pela poesia homérica, e,  mais precisamente, revitalizar o papel da própria poesia enquanto prática e discurso pedagógicos. 
Em si, a poesia não era má. Ela  necessitava de uma repaginada ... Faltava, no entendimento dele, as  bases filosóficas. Ela precisava ser  mais investigadora, você compreende?
          Caramba, eu nem me lembrava, mas, outro dia,  li um artigo bem interessante, que contribui com o que  você está dizendo – emendou ela -, pois o autor diz que a crítica de Platão aos poetas tem o sentido de discernir a verdadeira da falsa mimese. Ou, repetindo suas palavras: da boa ou má mimese, o que equivale mais ou menos, a fazer a distinção entre dois tipos de artistas , o ignorante de um lado e o esclarecido do outro.
          Ele diz, no seu texto, que a poesia tomada nela mesma, a que mimetiza a natureza sensível na sua aparência, estaria no gênero da má mimese, pois é praticada sem reflexão. Esta, Platão não quer na sua cidade.
           Mas tem livre passagem os poetas da boa mimese. Aqueles capazes de poetizar (gostou?) poesias intermediadas pelo pensamento dialético. Poesias voltadas para a Forma, mais próximas de realidade.
           Na verdade, Eurípedes, em minha opinião, a discussão acerca da poesia, independentemente do seu tipo, é muito mais uma oposição entre a poesia e a filosofia. Compreendo, agora, que Platão não descarta de todo a mimese, assim como não descarta de todo a poesia. Ele reconhece que ela é poderosa, até faz uso dela. E, é exatamente pelo seu poder que ela precisa ser usada por aqueles que sabem o que estão fazendo.
O espertinho estava preocupado mesmo era com a função ético-política da poesia na educação, -  ele complementou gracejando.
        Afinal de contas, não é muito diferente nos nossos dias e a cidade dele é bem parecida com a nossa, dirigida por políticos que se preocupam com a Educação, Saúde, Segurança e outros itens basiquinhos para a população.  Predominam em ambas o Belo, o Justo e o  Nobre  você não acha?  –  pergunta ele, fazendo novo gracejo, na tentativa de agradar a bela.
     - Virgem do Céu ! perdi a hora - ela gritou interrompendo-o.
     Vamos. Eu lhe dou uma carona, “mademoiselle” sem nome.
     - Oh eu me esqueci. Meu nome é Sophia.
    Sophia? Tá brincando comigo?!
     - Por que? Você prefere Medeia? - ela riu um riso estonteantemente belo.
    Oh  que Zeus me proteja de mais uma tragédia!


Obs.
Texto livremente baseado em:
SOUZA, J. M. R. de. PLATÃO E A CRÍTICA MIMÉTICA  Á MÍMESIS. Cadernos UFS – Filosofia, São Cristóvão: EdUFS, ano 5, v. 5, jan./jun. 2009.  Disponível em: <http://200.17.141.110/periodicos/cadernos_ufs_filosofia/revistas/ARQ_cadernos_5/jovelina.pdf>. Acesso em: 05/05/2012.

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